Um mundo em chamas
No turbilhão das notícias nacionais, por entre guerras que nos chegam em direto, não tem havido espaço para a COP28 que está a decorrer no Dubai e terá a sua conclusão a 12 de dezembro. Talvez a informação que suscitou maior espanto tenha sido a de que o presidente desta Cimeira do Clima promovida pelas Nações Unidas é o CEO da companhia petrolífera estatal de Abu Dhabi, que havia declarado há poucos dias não existir evidência científica de que a eliminação gradual dos combustíveis fósseis contribuirá para limitar o aquecimento global. O sultão Al-Jaber falava, num debate em que também participava Mary Robinson, ex-presidente da Irlanda e antiga Alta-Comissária das Nações Unidas para os Direitos Humanos, reconhecida pelo seu empenho na participação das mulheres e na justiça climática. Na sequência do coro de críticas, o presidente da COP28 considerou que as suas afirmações estavam descontextualizadas, mas a dúvida e o ceticismo subsistem sobre os resultados de mais uma Cimeira do Clima.
Com a sua acutilância e muito conhecimento, Viriato Soromenho-Marques, em artigo publicado neste mesmo jornal, com o expressivo título O Acordo de Paris não é uma festa, explica por que razão esse acordo "não é o instrumento, mas o principal inimigo da Convenção-Quadro da ONU para as Alterações Climáticas de 1992 (UNFCCC). As convenções estão para os países que as ratificam como as leis nacionais para os cidadãos. Definem metas que precisam de objetivos concretos para fazerem a diferença" (DN, 3-12-2023). Se não existirem, nada acontece.
Ao fazer um percurso cronológico pelos principais momentos a nível global desde que, em 1988, foi aprovado o Painel Intergovernamental sobre as Alterações Climáticas, a que se seguiu, em 1992, a Cimeira da Terra no Rio de Janeiro, que aprovou a UNFCCC acima referida, e passando, em 1995, pela proposta de realização, todos os anos, das Conferências das Partes (COP) que integram os países que subscreveram a Convenção-Quadro, e chegar à COP28 de 2023, que já prepara a COP29, sem consenso até agora sobre o país de acolhimento - melhor entendemos o apelo do secretário-geral da ONU: "Façam esta COP valer a pena."
António Guterres tem-se destacado pelos apelos veementes e muito expressivos sobre as alterações climáticas e o seu impacto sobre os mais frágeis. Há poucos meses tornou-se viral a sua declaração: "Acabou o aquecimento global. Começou a era da ebulição global." O crescente número de mortes devido ao calor, o aquecimento dos mares e as ameaças à biodiversidade com a extinção de espécies animais e vegetais, os impactos na agricultura, a subida do nível dos mares, a desertificação, os fenómenos extremos (entre dilúvios e secas) e todos os seus efeitos - estão diante de nós, mas continuamos impotentes ou alienados. Quando se aponta o objetivo de limitar o aumento da temperatura do planeta a 1,5ºC tendo como referência a era pré-industrial, considera-se que "isso" será regressar ao tempo das cavernas e, por outro lado, evita-se abordar os diferentes estádios de crescimento económico e as consequências para os países que menos contribuíram para a atual situação. Por isso, António Guterres tem insistido na necessidade de cumprir as metas de justiça climática num mundo desigual e dividido, pedindo que haja um aumento do financiamento incluindo para adaptação de perdas e danos.
A COP28 começou com vários anúncios promissores, com a vice-presidente dos Estados Unidos, Kamala Harris, anunciando a doação de três mil milhões de dólares ao Fundo Verde para o Clima. Esperamos que a promessa se cumpra!
E é por causa dos muitos anúncios e outros tantos incumprimentos que os mais jovens lutam pelo clima. Que lhes deixamos como herança? Como devolvemos a esperança? Os jovens não são o futuro, mas o presente. Importa que tenham voz e, dessa voz, surja a ação. O governo dos mais novos não será de certeza pior. Deixemos que governem e nos ensinem.
Diretora em Portugal da Organização de Estados Ibero-Americanos