Um mulherengo pode ser um grande presidente

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A mulher obrigou-o a dormir meses no sofá, conta ele na autobiografia, mas safou--se à justa de um processo de divórcio. Menos apertada foi a forma como se salvou da destituição: dez republicanos uniram-se aos democratas e o Senado absolveu Bill Clinton dos crimes de perjúrio e obstrução à justiça no caso Lewinsky. A América sensata respirou de alívio.

Esta quinta-feira, o político que não resistiu aos encantos da estagiária, e logo na Sala Oval, estará em Lisboa. E para falar de economia. Em vez de associado a Monica Lewinsky, é pela década de sucesso da América que Clinton tem de ser lembrado. Foi um grande presidente, 3,8% de crescimento médio entre 1993 e 2001. Kennedy fez melhor, Reagan e os dois Bush, pior.

Mas já que a fama (justa) de mulherengo se colou a Clinton, e no caso Lewinsky muitos consideraram merecer uma reprimenda, diga-se que a hipocrisia dos inimigos foi tanta que, mais tarde, se soube que Gingrich, o paladino da moralidade republicana, mantinha uma relação extraconjugal ao mesmo tempo que tentava destituir o presidente. Isso não o impediu, uns anos depois, de tentar ser o candidato contra a reeleição de Obama.

Mais grave é a repercussão política da perseguição republicana ao "esquerdista" Clinton, defensor de um sistema de saúde, sulista antirracista e até admirador de García Márquez. Se em 1998 o pesadelo parecia ter terminado para o Presidente, a verdade é que este mal fez campanha pelo seu vice em 2000. Como Gore perdeu por pouco, ficou a ideia de que bastaria Clinton ter feito campanha a sério no seu Arcansas para a polémica na Florida nada importar e Bush filho nunca ter chegado à Casa Branca.

Seria diferente o mundo? Em parte, sim. Gore teria pressionado a América para combater o aquecimento global, talvez reagisse de forma mais sábia ao 11 de Setembro e não teria uma obsessão revanchista com o Iraque (foi Bush pai quem deixou Saddam no poder, depois de o expulsar do Koweit).

Após a Casa Branca, Clinton, prestes a ser avô, inaugurou a sua Biblioteca Presidencial, envolveu-se na ação humanitária, apoiou a candidatura falhada da mulher, Hillary, em 2008 e há dois anos deu com os seus discursos um empurrão precioso à campanha de Obama que parecia correr mal.

E é a discursar que, sem dúvida, o ex-presidente é genial (Obama é de igual calibre). Por isso espera-se que sejam inspiradoras as suas palavras na Universidade Europeia. Ele que ficou órfão de pai quando a mãe estava grávida, que foi criado pelos avós merceeiros enquanto a mãe trabalhava como enfermeira, que foi apresentado a Kennedy por ser um aluno brilhante e que se tornou aos 32 anos o mais jovem governador, é, admita-se, uma encarnação do sonho americano.

Clinton também é, e isso diz-nos muito, alguém que fez o desemprego descer para 3,9% (metade do valor do início da sua presidência). Um político assim merece sempre ser ouvido.

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