Um ministro a ler poesia em público

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Parecia uma espécie de Festa da Música, mas com poemas e poetas em vez de árias e orquestras. Pelas salas, pelos corredores, pelos cantos, havia palavras e palmas, rostos conhecidos nos ecrãs, caras anónimas que aguardavam ansiosas a sua vez de ocupar o estrado para dizer uns versos ao microfone. Quando o ministro da Cultura chegou ontem ao CCB, pelas 17.30, já a sala que se enchera para ouvir Manuel Alegre deixava escoar o público rumo a outras propostas. Foi assim, por cinco minutos, que José António Pinto Ribeiro acabou de pé, como um qualquer cidadão, no espaço "Diga lá um Poema". E até disse dois: um de Sophia de Mello Breyner, outro de Pessoa.

Que tal o balanço desta primeira festa? "Muito bom", respondeu ao DN o ministro, "contentíssimo" com as comemorações do Dia Mundial da Poesia em formato festival familiar. Uma iniciativa para continuar? Dependerá do CCB, retorquiu Pinto Ribeiro olhando a sorrir para Mega Ferreira, certo de que "farão tudo o que puderem com os meios que tiverem".

Para o presidente do CCB - que em substituição do poeta Manuel António Pina também fez o gosto à voz e foi à sala grande ler Alexandre O'Neill -, esta parceria com o Plano Nacional de Leitura foi uma aposta ganha, ao fim de dois meses a "trabalhar completamente no escuro, sem ter noção de que uma coisa assim atrairia esta quantidade de público".

Horas antes de receber os ministros da Cultura e da Educação (afinal, Maria de Lurdes Rodrigues, constipada, não integrou o rol de diseurs como chegou a ser anunciado), Mega Ferreira explicava ao DN que, como não se pagava bilhete, as contas eram difíceis. Mas depois do almoço já estariam no CCB "à volta de 700 ou 800 pessoas". E o número aumentou a meio da tarde, apesar da chuva e apesar da cidade esvaziada de gente em fim-de-semana de Páscoa.

Com um custo total que "ronda os 60 mil euros", segundo Mega, esta festa da poesia serviu também para "testar uma série de coisas". E algumas das quais, está visto, não funcionam. "Por exemplo, ter ali os ateliers, perto da sala onde estão os poetas e actores a ler, será algo a corrigir. Gera muito barulho", admitiu.

De facto, no grupo de salas onde se instalaram os ateliers infanto-juvenis para "Fazer Poesia", a agitação era grande. Colava-se "poesia às fatias", moldavam-se ovelhas com plasticina, fósforos e massinhas de letras, experimentava-se a sensação de escrever versos numa máquina Olivetti com o espanto de quem tem nos dedos um pedaço do passado remoto.

Mas não eram só miúdos os que sujavam as mãos com tinta. Dois ou três corredores à frente, na exposição "Escrita Pluriversa", pais e avós, muitos deles sozinhos, não resistiam ao apelo de replicar os poemas visuais de Ana Hatherly. De descobrir nas formas pré-impressas das folhas que lhes davam outros modos de se expressarem. A Inês, de nove anos, até fez um "mapa de memória e imaginação" entre a sua casa e a escola.

"A reacção das pessoas tem sido entusiasmante", admitiu ao DN a poeta e artista plástica Ana Hatherly, louvando este "estímulo cultural para um público variado" e o modo como a equipa do CCB concebeu um programa de "dimensão lúdica e resposta imediata à criação".

Isabel Alçada, escritora e comissária do Plano Nacional de Leitura, também estava satisfeita com a participação de "pessoas de todas as idades e com uma grande multiplicidade de interesses". Gostou da componente plástica, do videowall, dos espaços para comprar e trocar livros. "Estou convencida de que a festa vai reforçar o interesse pela leitura", disse ao DN, adiantando que "a intenção é que se possa voltar a fazer" em 2009.

Esta festa foi assim. Teve versos escritos nas paredes e vozes como as de Diogo Dória, Beatriz Batarda, Pedro Tamen, Nuno Júdice ou Manuel Alegre, que apresentou ali o seu último poema, A Origem do Fado. |

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