Um mergulho entre as raias e os tubarões

Sabia que todos os pinguins do Oceanário têm um nome? E que as mantas são alimentadas na boca pelos tratadores que mergulham no tanque? E que as plantas das Florestas Submersas são podadas de dois em dois meses? Bem-vindos ao Oceanário de Lisboa, onde muitos trabalham debaixo de água para receber três mil visitantes por dia
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Os miúdos espalmam o nariz e as mãos contra o vidro como se quisessem mergulhar naquele enorme aquário. "Olha, mãe, um tubarão." As bocas abertas de espanto. Uma manta. Um peixe-lua. "Aquele o que é? É muito feio." As tartarugas. O polvo. Os peixes mais pequenos. Todos a passarem ali à frente dos seus olhos, quase podemos tocá-los, apesar de o vidro tão grosso que chega a ter 27 centímetros de espessura. Esta é a magia do Oceanário de Lisboa, no Parque das Nações. É como um mergulho no oceano, mas sem nos molharmos.

Equipamento herdado da Expo 98, o Oceanário rapidamente se tornou um dos sítios mais visitados de Lisboa. Até hoje já recebeu mais de 19 milhões de visitantes, dizem as fontes oficiais. São mais de três mil pessoas por dia. No verão, sobretudo, é normal formarem-se longas filas para a bilheteira (e não era preciso, já se podem comprar os bilhetes pela internet) e, lá dentro, a circulação torna-se difícil, com crianças a tropeçarem na escuridão dos corredores e a atropelarem-se nos vários recantos que existem para observar o aquário central. As mãos e o nariz espalmados contra o vidro, sempre. Porque é irresistível.

Aquele enorme aquário (ou tanque, como lhe chamam os biólogos que ali trabalham) tem cinco milhões de litros de água salgada. Lá dentro, moram animais que costumam estar longe do nosso olhar e, de todos, os que mais espanto causam são os tubarões. Mesmo não havendo ali nenhum tubarão-branco (há tubarões--touro e tubarões-leopardo) sustemos a respiração quando eles passam por nós. "Todos os animais que aqui estão são predadores, do mais pequenino ao tubarão", apressa-se a explicar Elsa Santos, bióloga e supervisora de habitats que trabalha no Oceanário há 17 anos e é uma das pessoas que sabem tudo sobre os animais que ali vivem. Sabe, por exemplo, que naquele tanque pode haver uns animais maiores que de vez em quando comem uns pequeninos, mas que está tudo controlado. "O instinto predatório existe mas está atenuado pelo facto de eles estarem bem alimentados", garante.

Ainda assim, sustemos a respiração outra vez ao ver os dois tratadores a mergulharem por entre aqueles animais todos. É hora da re-feição. A alimentação no aquário central obedece a regras rígidas. Há, primeiro, uma alimentação diária, de superfície, que é atirada para o tanque, mas, depois, "é preciso alimentar cada espécie de forma diferenciada e dirigida", explica a bióloga. "Temos de garantir que todos os animais comem aquilo de que precisam." E isso só é possível mergulhando e dando-lhes a comida à boca. A manta e os dois peixes-lua são alimentados todos os dias; as outras 21 raias comem às segundas, quartas e sextas; os tubarões comem só às segundas e sextas. Há um tubarão que gosta de polvo, as raias deliciam-se com pequenas lulas e arenques, a manta prefere camarinha, e o peixe-lua, vejam só, apenas come a sua refeição se ela estiver no seu prato especial colorido que ele já reconhece à distância.

Além de alimentarem os animais, quando mergulham, os tratadores aproveitam para verificar se está tudo a correr bem naquele mundo submerso e se os animais estão saudáveis. Pode ser preciso retirar algum animal para fazer um exame médico ou para ficar de quarentena. As grávidas, por exemplo, são retiradas assim que detetadas - porque podem perturbar o precário equilíbrio no tanque. E duas vezes por semana vêm outros mergulhadores fazer uma limpeza geral.

Apesar de fazer parte da rotina do Oceanário, de cada vez que alguém mergulha, cá fora a agitação é grande. Os miúdos gritam e apontam, os crescidos sacam dos telemóveis. É quase tão emocionante como ver um tubarão. E, se estiver bem-disposto, depois de alimentar as mantas, o Tiago pode até posar para as fotografias e acenar às crianças.

No mês passado, o Oceanário de Lisboa foi reconhecido como o melhor aquário do mundo pelos utilizadores do TripAdvisor. É fácil perceber porquê. A experiência vai muito para lá do aquário central. Saímos do escuro e entramos na zona tropical, onde o calor é abafado e somos surpreendidos pelas aves coloridas. Ou então estamos no Antártico, rodeados de gelo, e temos vontade de vestir um casaco. Pedro aparece a assobiar. Traz três baldes com três tipos diferentes de peixe e vai-se aproximando dos pinguins e dando-lhes o peixe à boca. Um a um. "Os pinguins não comem nada que esteja no chão", explica Elsa Santos. "Os pinguins comem duas vezes por dia e, no total, ingerem 11 quilos de peixe. Eles comem da mão do tratador ou da água, não apanham do chão. E não comem todos da mesma maneira. Há uns que apanham o peixe de lado, outros preferem que se lhes atire o peixe para a boca, outros vão tirar o peixe da mão do tratador..."

Mas os pinguins não são todos iguais?, perguntariam os mais distraídos. Pois não são. No Oceanário moram 32 pinguins - 31 magalhães e um saltador-da-rocha. Este "saltador" é fácil de identificar porque é aquele que tem umas fartas sobrancelhas amarelas. É também o único que só come arenque. Chama-se David. Sim, cada pinguim tem um nome. Os tratadores conhecem-nos e chamam-nos pelo nome e, o que é ainda mais extraordinário, eles respondem ao chamamento. "Os pinguins são muito inteligentes. Reconhecem a fisionomia e a voz de cada tratador e estranham quando lhes trocamos os alimentos. Têm as suas manias e temos de as respeitar", diz Elsa Santos.

Em todo o Oceanário só os pinguins e as lontras é que têm nomes próprios. As lontras são outra das grandes atrações. Amália e Eusébio já morreram, mas deixaram ali os seus filhos Micas e Maré, e é bom ficar a vê-las nas suas brincadeiras dentro de água, para lá e para cá. Bastante mais pequenos mas capazes de arrancar os maiores sorrisos das crianças são os peixes-palhaço, a que todos chamam Nemo. No total, a exposição permanente tem 500 espécies diferentes. E, se ficamos surpreendidos com as cerca de 75 mil peças de coral artificial usadas aqui, mais surpreendidos ficamos quando visitamos a exposição temporária, Florestas Submersas, inaugurada em abril.

Aqui não há coral artificial. Nesta sala foi construído de raiz um aquário que celebra os ambientes tropicais e que tem como principal característica o facto de ser como um jardim vivo debaixo de água. Idealizada pelo aquascaper japonês Takashi Amano, a exposição começou a ser construída em fevereiro mas só dois meses depois abriu ao público - porque foi necessário deixar que as plantas crescessem e o ambiente ganhasse a sua vida própria. "Exige uma grande manutenção. As plantas têm um crescimento muito rápido e de dois em dois meses temos de realizar a poda", explica Francisco Matioli, um dos responsáveis por este aquário. Estas operações de manutenção são realizadas à noite, depois de os visitantes saírem. Francisco entra dentro do aquário e trata das plantas como qualquer jardineiro, só que com os pés de molho.

Com 160 mil litros de água doce, 25 toneladas de rocha vulcânica dos Açores e 78 troncos de árvores da Escócia e da Malásia, este aquário alberga mais de dez mil peixes tropicais e 46 espécies de plantas aquáticas. Pode não ser tão imponente quanto o aquário central mas tem esta particularidade de ser um meio vivo e em constante mutação: "A exposição hoje é completamente diferente do que era quando abriu, há flores que nasceram, trepadeiras a tapar pilares, e vai continuar assim", explica Francisco. Todas as semanas, a equipa enviava fotos a Takashi Amano para que ele acompanhasse a evolução da sua criação e, do Japão, chegavam indicações para aparar uma planta mais aqui ou ali. Como quem faz uma escultura. As Florestas Submersas poderão ser visitadas até setembro de 2017. Takashi Amano tencionava voltar a Lisboa nessa altura. Morreu no início de agosto sem ver o resultado da sua criação.

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