Um intelectual franco-atirador
Atravessou alguns dos grandes debates de ideias do último quartel do século XX, costumava ser situado na área de pensamento pós-modernista, ficou conhecido por livros como Simulacres et Simulation, A Sociedade de Consumo (em português nas Edições 70), América ou Pataphysique, na obra espraiada por uma meia centena de títulos. Jean Baudrillard, sociólogo e filósofo francês, morreu ontem em Paris, aos 77 anos. Após doença prolongada, segundo o Le Monde online.
Para uns, "intelectual desempenhado" (por oposição ao engagé/empenhado sartriano), para outros, "coveiro das utopias", Jean Baudrillard, nascido em Reims a 20 de Junho de 1929, reconhecido fundamentalmente nas áreas da sociologia e da filosofia, era um germanista de formação e dedicara-se a traduzir obras de Karl Marx ou de dramaturgos como Bertold Brecht e Peter Weiss. Também fotógrafo conhecido, próximo de Guy Debord e do situacionismo nos anos 60, foi professor de sociologia na Universidade de Paris X - Nanterre de 1966 a 1980, o local exacto de partida para as movimentações de Maio de 1968.
Mas Jean Baudrillard viria a entrar em ruptura com o marxismo - consumada no livro Le Miroir de la Production, de 1973 - e a procurar novas vias. Distinguiu-se sobretudo pela desmontagem dos simulacros e a dissecação dos fenómenos comunicacionais. Em 1986-1990 foi director científico na Universidade de Paris IX. O ano de 1986 foi o da publicação de América, na sequência duma viagem aos EUA que deixou o autor deslumbrado, a escrever: "A América é a versão original da modernidade, nós somos a versão dobrada e com legendas" (...) "A América é a utopia realizada".
Le Système des Objets (1968) e A Sociedade de Consumo (1970) foram os primeiros livros publicados por este intelectual franco-atirador, que se via como resistente e sustentava que "a cobardia intelectual se tornou a verdadeira disciplina olímpica do nosso tempo". Vivamente interessado pela actualidade nas suas várias facetas, os atentados contra as torres gémeas de Nova Iorque, em 11 de Setembro de 2001, resultaram-lhe em artigo no Le Monde (O Espírito do Terrorismo, edição Campo da Filosofia), no qual salientava uma "lógica" do terrorismo, e no livro Requiem pour les Twin Towers.
Naquele mesmo ano, Baudrillard dedicava, no diário Libération, várias crónicas à polémica emissão de TV Loft Story (o Big Brother francês), que definiu como "laboratório duma convivialidade de síntese, duma sociabilidade telegenicamente modificada". Ora tido por niilista ora por moralista, alvo de críticas ferozes, como as de Alan Sokal e Jean Bricmont, no livro As Imposturas Intelectuais (1997), introduzia o humor e a irrisão nas suas análises. Sem prejuízo de ser chamado "extremista preguiçoso" e podendo admitir-se que extremista fosse, pelo radicalismo de algumas formulações, o autor duma obra ensaística cujo último título foi, com Enrique Valiente-Noailles, Les Exilés du Dialogue (2005), deixou um diário por aforismos, em cinco volumes, Cool Memories, 1987-2005.
Além dos títulos citados com referência editorial nacional, ainda se publicaram em Portugal: Palavras de Ordem, As Estratégias Fatais, A Ilusão do Fim, O Paroxista Indiferente e A Violência do Mundo .