UM HUMANISMO DE PRENDAS
Troca de votos e de presentes, convívios e reuniões familiares, gestos de boa vontade e campanhas de solidariedade. É todo este ambiente natalício que estes dias se respira no mundo, mesmo naqueles países onde o cristianismo é marginal, como o Japão, a China ou a Coreia. No ocidente cristão, no entanto, o presépio vai ainda estando presente. É preciso recordar que o Natal é também a celebração do nascimento de Jesus de Nazaré, a figura que mais contribuiu para a formatação do pensamento ocidental.
A Coreia e a China, por exemplo, permitem que os Pais Natal desfilem, mas castigam e proíbem a presença de figuras de Jesus. Nestes e noutros países sem cultura cristã promove-se, contudo, a troca de prendas, estimula-se o convívio, com bom proveito para o comércio. Isto não é muito diferente do que acontece onde o cristianismo está implantado desde há vinte séculos. O atitude religiosa de celebrar o nascimento do Filho de Deus, em todo o mundo, é cada vez mais transformada num atitude humanista da partilha, de convívio, de promoção de gestos de solidariedade. O Natal, cada vez mais, um gesto de humanismo e menos uma manifestação de crença. As iluminações, as decorações, a árvore de natal e o presépio, a música-ambiente, promovem um ambiente franterno. Mas o consumo é cada vez mais um elemento central.
No entanto, para cerca de 1,085 mil milhões de pessoas (17,2% da população mundial), correspondente ao número de católicos baptizados, o Natal deveria ser também a memória de um nascimento. A distribuição de católicos por continentes é a seguinte: América, 50%; Europa, 26,1%; África, 12,8 %; Ásia, 10,3%; Oceânia, 0,8 %. Três quartos dos católicos vive, portanto, fora da Europa. A estes, o papa Bento XVI deixou ontem um desafio: "Que todos os cristãos e todas as comunidades sintam a alegria de partilhar com os outros a Boa Notícia de que 'Deus amou tanto o mundo que lhe deu o seu Filho unigénito para que o mundo seja salvo por seu intermédio'. É este o autêntico sentido do Natal, que há que redescobrir e viver intensamente sempre de novo", indicou. As palavras de Bento XVI apelam para um Natal centrado na figura de Jesus. Mas este quase passa desapercebido entre o monte de prendas junto à árvore. Prendas cheias de boa vontade, mas cada vez mais longe do espírito original da quadra. |
Pai Natal
O Pai Natal é inspirado na imagem de São Nicolau, bispo de Bari, Itália, que na época natalícia distribuía presentes às crianças pobres. A generosidade e bondade desse homem do século IV gerou lendas. É o santo padroeiro da Rússia e da Grécia, de instituições de caridade, de crianças, marinheiros, mulheres solteiras, comerciantes. Milhares de igrejas europeias foram-lhe dedicadas. O Pai Natal, com a rena, o trenó, que voa e aterra em telhados, é um história que Clement Moore escreveu em 1882 para a sua família. Entre 1863 e 1886, a Harper's Weekly (famosa revista da época) publicou uma série de gravuras de Thomas Nast, com o Pai Natal a ler as cartas dos meninos que pediam prendas. A imagem do Pai Natal, hoje institucionalizada, foi usada nas propagandas da Coca Cola entre 1931 e 1964.
A meia, a bota e o sapatinho
De acordo com uma tradição bem antiga, o bispo S. Nicolau de Bari deixou os seus primeiros presentes, moedas de ouro, nas meias de três meninas pobres que precisavam de dinheiro para comprar os seus dotes de casamento. Elas tinham pendurado as meias perto da lareira para que ficassem secas. Até há bem pouco tempo, era normal colocar pequenas oferendas, como frutas, nozes e doces nas meias que as crianças deixavam junto à chaminé. Mas, na maior parte das famílias isso já foi substituído, sobretudo a partir de meados do século XX, por presentes mais caros. E a meia muitas vezes substituída por um sapatinho ou mesmo uma bota. Em Itália resiste a tradição de colocar um pedaço de carvão nas meias de crianças desaparecidas.
Missa do galo
Liturgicamente, a solenidade do Natal é caracterizada por três missas: a da meia-noite ou do galo (ad noctem ou ad galli cantum) que remonta, parece, ao papa Sisto III, por ocasião da reconstrução da basílica liberiana no Esquilino (Santa Maria Maior), depois do concílio de Éfeso, em 431; a da Aurora (in aurora), originariamente em honra de Santa Anastácia, que tinha um culto celebrado com solenidade em Roma no século VI e, na liturgia actual, conserva ainda uma oração de comemoração; a do Dia (in die), a que primeiro foi instituída, no séc. IV. A missa do galo é a mais típica, e a que continua a motivar uma saída do aconchego do lar, depois do jantar, para, à meia-noite, celebrar na igreja paroquial o nascimento de Cristo. De regresso a casa, só então se abrem as prendas. Tradicionalmente, é dito às crianças que foi naquele interregno que o Pai Natal por ali passou.
Árvore de Natal
A tradição da árvore do Natal vem das encenações, que se faziam nas igrejas, como alegoria da "árvore da vida", sempre verde e cheia de frutos. Trata-se também de uma tradição pagã. Os romanos enfeitavam árvores em honra de Saturno, deus da agricultura, mais ou menos na época em que hoje se celebra o Natal. Os egípcios levavam galhos verdes de palmeira para dentro de casa no dia mais curto do ano (que é em Dezembro), como símbolo de triunfo da vida sobre a morte. Nas culturas célticas, os druídas tinham o costume de decorar velhos carvalhos nas festividades desta mesma época. Relativamente à árvore de Natal tal como hoje a conhecemos, decorada e junto ao presépio, é aceite que terá sido uma ideia de Martinho Lutero (1483-1546), o fomentador da reforma protestante, divulgada depois pelos monarcas alemãs.
Bolo-rei
Não se pode falar da doçaria típica do Natal sem evocar o tradicional bolo-rei. Trata-se de uma homenagem aos três Reis Magos que na noite de Natal levaram presentes ao menino Jesus. A côdea simboliza o ouro oferecido por Belchior; as frutas, secas e cristalizadas, representam a mirra oferecida por Gaspar; o incenso oferecido por Baltasar está representado no aroma do bolo. Segundo a tradição, o bolo-rei terá surgido no tempo de Luís XIV (1638-1715), em França, para comemorar o dia de Ano Novo e o Dia de Reis. A iguaria foi proibida depois da Revolução Francesa, acontecendo o mesmo em Portugal com a implantação da República. Proibições que não vingaram.
Luzes
O anúncio do Messias como sol-nascente e luz das nações
As tradicionais iluminações decorativas, que fazem do Natal a festa da luz, estão em sintonia com as profecias do Antigo Testamento, que anunciam o Messias, como o sol nascente, a luz das nações. O que é confirmado pelo Prólogo do Evangelho de S. João: "Aquele que é a Palavra fez-se homem e veio morar no meio de nós" (Jo 1, 14), para ser a luz verdadeira que ilumina toda a humanidade (cf. Jo, 1, 9). Foi a luz de uma estrela que guiou os três Reis Magos até ao estábulo onde o Menino nasceu. O símbolo da luz está presente em todos os momentos da vida de Jesus. O círio pascal é um deles. Neste caso, a luz significa o próprio Cristo, morto e ressuscitado.
Prendas
A tradição dos presentes parece ter sido iniciada com os presentes que os reis magos levaram para Jesus. Conforme relata a Bíblia, no Evangelho de S. Mateus: "E entrando na casa, viram o menino com Maria sua mãe e, prostrando-se, adoraram-no e abrindo os seus tesouros, ofereceram-lhe dádivas: ouro, incenso e mirra." Ninguém tinha o hábito de trocar presentes até o final do século XIX. A história do Pai Natal, combinada com o incrível fenómeno de vendas que têm crescido desde meados do século XX, com o consumismo a impor-se, fez do acto de dar presentes um costume no Natal. Hoje, é difícil desligar a festa do nascimento de Jesus da festa do Pai Natal, sendo este o símbolo das prendas.
Bacalhau
O fiel amigo está em extinção e a tradição vai ter de mudar
É um dos símbolos de Natal, apesar de ser, também, um dos símbolos da Nação. Dizem dos entendidos que existe, em Portugal, uma receita para cada dia do ano. Mas, é na época natalícia que o nobre pescado é rei. Infelizmente, começa a dar sinais de extinção. Nos próximos natais, se calhar, só mesmo bolinhos de bacalhau. A sua entrada em cena na época do Natal regista-se, sobretudo, a partir da Segunda Guerra Mundial, altura em que a escassez de alimentos em toda a Europa levou à subida de preço e o seu consumo restringiu-se aos ricos. Os mais pobres apenas se davam ao luxo do seu consumo nas principais festas cristãs, o que também contribuiu para a tradição na ceia de Natal. O bacalhau estava ligado também ao jejum dos pobres, que não comiam carne em determinados tempos litúrgicos. Mas isso foi no tempo em que o fiel amigo ainda era alimento dos menos favorecidos.