Um gestor de muitas vidas que se perde de amores pelo Rio

Brunch com Vasco Perestrelo, CEO da MOP - Multimedia Outdoors Portugal.
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Vasco é uma pessoa que acredita. "Se tentarmos, há grandes probabilidades de conseguirmos chegar aonde queremos", diz-me, à mesa do Eric Kayser, enquanto bebemos café e me conta como sempre seguiu as suas paixões e por elas calibrou a vida profissional. Admite que hoje as coisas estão diferentes, mais complexas, o leque de escolha e alcance são quase infinitos e por isso torna-se mais difícil escolher. Mas feitas as contas, também se vê mais portas às quais se pode querer bater. Com ele, ainda assim, foi relativamente mais simples - até porque, como diz, é uma pessoa muito mais cerebral do que emotiva. O que não significa que não o apaixone o projeto que lidera na MOP, a definir e orientar a nova era da publicidade outdoor, muito marcada pelo imenso potencial da digitalização e da nova organização das cidades.

Há 13 anos como CEO da MOP, Vasco Perestrelo é formado em Gestão, pela Católica, mas ao contrário dos colegas a última coisa que queria era ir trabalhar para a banca. "Eu queria fazer alguma coisa de que gostasse mesmo. E tinha uma grande paixão pela música. Toco viola desde miúdo e lembro-me de estar ali com o gravador para a frente e para trás, a tentar acertar os acordes das minhas músicas preferidas... Hoje é tudo superfácil, basta ver um vídeo no Youtube para aprender a tocar um tema." Essa dualidade dos tempos que vivemos, entre o acesso fácil e a falta de filtro ou critério, entre o potencial e os riscos que encontra em temas como a Inteligência Artificial, fá-lo constantemente viajar em comparações e contraposições. Ponderar prós e contras, refletir sobre posições opostas. Sempre o cérebro a dominar-lhe o espírito.

Pego na "presença estrutural" que dá à música na sua vida e lanço-lhe uma provocação: Gosta mesmo de todos os géneros? Até de música pimba? Hesita antes de responder que "até a música pimba tem o seu encanto" e revelar que chegou a defender a sua presença numa editora de topo. Explica, recuando no tempo. "Quando saí da faculdade, decidi que era nessa área que queria trabalhar, na indústria da música." E se bem o pensou, melhor o fez: procurou quem pudesse abrir-lhe a porta e chegou à BMG, então liderada por Tozé Brito. Mas curiosamente, não foi trabalhar para a música. Com qualificações a mais para a área, não havia encaixe natural para ele na empresa, mas teve a sorte de a BMG começar por essa altura a investir em cinema, seguindo a tradição dos grandes grupos de entretenimento de juntarem música e filmes; e de repente Vasco fazia sentido ali, para montar a distribuidora de filmes.

"Foi o meu primeiro trabalho a sério. Eu fiz muitas coisas, mesmo enquanto estudava fui estagiando, experimentando o mercado financeiro, testando o que queria fazer e sobretudo o que não queria", ri-se. A Lusomundo era então quem dava cartas na área, tinha toda a cadeia de valor, da distribuição às salas. A Vasco cabia a missão de criar o departamento de cinema da BMG - e esse passo iria marcar-lhe o destino. Mas lá iremos... Agora, cortamos pelo atalho da música pimba. "O Tozé Brito convidou-me para ficar diretor de marketing e vendas do cinema e da música, e dos jogos também. Nós distribuíamos todos os géneros e eu era apologista de que devíamos ter um catálogo de música pimba."

A justificação era comercial, mas reconhece que o género se resume a uma fórmula conhecida e bem sucedida: "São letras muito catchy, para a classe média popular, e uma linha musical simples, mas não tão diferente assim de algumas coisas de bandas como os Beatles. O Martin Garrix é o tipo mais rico da música, tem mais direitos de autor que o John Lennon e o Paul McCartney, e escreve para toda a gente, incluindo Justin Bieber, Britney Spears e afins. E a linha dele é essa: são três ou quatro acordes trabalhados, que depois parecem músicas altamente complexas."

Recordar esses dias deixa-lhe um sorriso na cara, mas confessa que o conceito de trabalhar naquilo que gostava acabou por traí-lo: em vez de ter prazer no trabalho passou a contaminar o prazer com o trabalho. "Passei a ouvir música sempre numa lógica comercial. Ouvia rádio e estava sempre atento, a ver se eram as "minhas" músicas a tocar - porque era a coisa mais importante como ferramenta de marketing, para as pessoas quererem comprar os discos." Depois aprendeu a lidar e repetiu a fórmula noutro formato que o fascinava, a televisão. Estavam a arrancar os canais por cabo e Vasco foi, uma vez mais, atrás da oportunidade que queria, conseguindo entrar na equipa fundadora da SportTV, como diretor de marketing e vendas. "Foi um exercício muito giro, foi a primeira vez em que o futebol era pago e isso deu que falar... - nessa altura era José Sócrates o ministro com o pelouro da comunicação social. E eu, que sou sportinguista, às tantas queria sempre que o Benfica ganhasse, para não fazer cair as assinaturas." Ri-se com a recordação da estreia, que depois o levou à PT Conteúdos num momento-chave: decidir que canais devia ter a oferta que se preparava para os potenciais clientes. "Tinha o mundo para escolher e a missão era criar um catálogo ajustado ao que achava que os consumidores portugueses queriam. De todas as áreas. Foi uma experiência incrível", conta.

Quando se inaugurou a publicidade nos canais cabo, Vasco viu-se a olhar esse mundo com outro interesse e isso levou-o ao que considera "um movimento estranho": mergulhar de cabeça na publicidade pura e dura. Era uma área que lhe agradava e até já tivera outras propostas de agências, mas a Euro RSCG (hoje Havas) era uma noiva mais atraente do que todas as demais - e o gestor estava a fazer a dolorosa descoberta de quão cobiçada mas também politizada era a PT.

Estávamos em 2004, com o Euro a jogar-se nos estádios, e Vasco recomeçava a sua vida, agora como vice-presidente de uma grande agência, com a missão de diversificar todos os serviços de marketing dentro do grupo. "Foi um choque brutal, porque passei para o lado do vendedor, que anda atrás das pessoas. Isso muda muito a perspetiva, porque enquanto comprador de serviços era eu que tinha toda a gente atrás de mim..." Ainda assim, divertiu-se. Até que, em 2009, teve a grande desilusão e a grande oportunidade embrulhadas numa só. O MBO que os gestores portugueses queriam fazer à RSCG foi rejeitado pelos franceses, mas no processo conheceu os investidores da Explorer, numa fase em que o fundo estava a analisar entrar na então MCO - hoje MOP - e pediram-lhe consultoria. Quando o negócio se cumpriu, o sócio fundador, Rodrigo Guimarães (1962-2021), fez questão de o levar para o projeto.

É o outdoor que tem dominado a atividade de Vasco nos últimos tempos, mas agora que o concurso de Lisboa (2017) se resolveu com um acordo de partilha dos ativos entre a MOP e a JC Decaux é tudo "mais entusiasmante". "A conquista de Lisboa modifica estruturalmente o plano do setor - isso até influenciou o ciclo do private equity, que ronda os cinco anos, mas foi alargado pelas possibilidades que se abriram para a empresa gerar mais valor -, permite-nos sonhar com a liderança. E acontece numa altura muito boa, não só por todo o potencial da digitalização como porque, entre os meios tradicionais, o outdoor tem-se conseguido manter em crescimento, uma vez que é unskippable." Valorização que é fundamental para a venda que o private equity planeia para a MOP: "Tivemos de esperar este desfecho de Lisboa, para agora fazermos os investimentos desta nova fase."

E agora o que é que seria um desafio? "Não sei, o private equity é muitas vezes visto como um bicho papão, mas tem é uma perspetiva de criação de valor muito rápida. E é o que eu gosto de fazer: pegar em coisas que aparentemente estão estruturadas e pensar fora da caixa de forma a valorizá-las." É o que faz também nos investimentos que tem em nome individual, participações em imobiliário e startups que lhe despertam particular interesse na atividade de mentoria. "Sou mentor da Startup Lisboa e interesso-me muito pelas de tecnologia, coisas pequenas em que vejo interesse e que não giro mas em que me meto, quer emprestando o meu know-how para ajudar os gestores a desenvolverem as suas ideias e planos quer entrando no capital. "Está tudo interligado."

Diz-me que está seguro de já ter passado ao lado de grandes oportunidades, mas não se atém muito a isso. "Nos tempos em que investir na bolsa americana era uma complicação, eu investi nos IPO de todas as big tech: Google, Amazon, etc. E ganhei dinheiro, mas se não tivesse vendido logo, hoje era trilionário - portanto, esse comboio passou-me todo." Ri-se sem sombra de arrependimento, deixando claro que muito mais gozo lhe dá poder partilhar o que sabe. "Também sou mentor dos alunos da Católica, naquela fase em que estão a entrar no mercado de trabalho, e faço muito este exercício com eles. Digo-lhes que listem as 20 empresas e as 20 posições que gostavam de ter um dia. Porque as pessoas limitam-se logo à partida, mas havendo determinação e querer, as coisas acontecem."

Casado com alguém que lhe traz o equilíbrio essencial - "conheci a Mónica e começámos a namorar aos 16 anos, depois afastámo-nos e quando reencontrámos nunca mais nos separámos. ela é o contrário de mim, eu sou todo cabeça, ela é toda coração, e por isso é muito naturalmente uma ótima pessoa", diz, com admiração óbvia - e com quatro filhos, Vasco tem muito por onde distribuir conselhos. Mas garante que os filhos são "ótimas cabeças", bons alunos sem precisarem de os forçar a nada. Faz a nota curricular: "Somos muito originais, a mais velha (23) chama-se Mónica como a mãe - está a fazer o MBA em Nova Iorque - e o mais velho (21), a fazer engenharia em Bath, é Vasco como eu. Depois tivemos de inventar, com o Afonso (20, na Nova SBE) e o Manuel (16, nos Salesianos)." Tem memória de também com ele ter sido assim. "Eu tinha 3 anos quando foi o 25 de Abril e a família se mudou para o Brasil e só voltei do Rio de Janeiro com 10, e todos os dias antes de ir para a escola ia uma hora à praia, em Ipanema - um luxo!"

Diz que, apesar de tudo, não lhe custou o regresso a Lisboa, para cumprir o 7.º ano nos Salesianos e o secundário no Maria Amália. Trazia a ginga e a viola do Brasil... "Entrei bastante bem na sociedade portuguesa", ri-se. "Mas o Brasil tem aquela coisa do calor, que faz as pessoas mais felizes, mais alegres. Eu voltei, mas sempre que posso vou lá. E é lá que me quero reformar, é um objetivo de vida." Os pais - o pai criou a Interpress e a Branope, a mãe realizou-se e dedica-se ainda às artes plásticas - continuam ativos, mas o envelhecimento é algo que o incomoda. E por isso, racionaliza-o. "Acho que o Rio é dos poucos sítios onde eu vi pessoas velhinhas com um prazer de viver enorme. Eu sou agnóstico, apesar de ter tido educação católica, e chateia-me imenso a probabilidade de morrer mal, a debilidade física, a ideia de me tornar dispensável. Quando se chega a velho, a sociedade relega-nos para uma coisa que não interessa muito, no máximo tem uma certa condescendência connosco. E o sentimento de passar por isso é uma coisa horrível. Devíamos planear mais a velhice, como fazem os americanos. O fim devia ser mais feliz. "

Quanto a ele, se tiver alguma coisa a dizer sobre o assunto, há de lá chegar com o sol do Rio na pele e os conselhos ainda vivos na voz. "Não me estou a ver simplesmente sem fazer nada." E o que é que lhe falta fazer? "Falta-me ser uma pessoa humanamente melhor. Ser muito racional dificulta... a minha mulher tem um caminho mais fácil, ela é intrinsecamente uma pessoa boa", conclui, já mais para si próprio do que para mim.

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