Um filme desarrumado sobre o caos de Nápoles

O IndieLisboa exibe hoje, às 21.45 (São Jorge 1), 'Napoli, Napoli, Napoli', de Abel Ferrara. A cidade, os seus habitantes e o crime
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Dean Martin, que tinha uma garganta de mel e ouro, pode ter imortalizado Nápoles como destino romântico de sonho numa famosa canção (In Napoli), mas muitos dos napolitanos que dão depoimentos sobre a cidade em Napoli Napoli Napoli, do realizador italiano Abel Ferrara (filme que passa hoje no festival IndieLisboa, no Cinema São Jorge 1, às 21.45), não vêem a hora de sair de lá com as famílias.

O chefe de redacção do maior jornal local, que mora numa das melhores zonas de Nápoles ("há menos assaltos do que nas outras e pouca gente é da Camorra", esta é a sua definição de "melhor zona") está desejoso de ir com a mulher e os filhos para outro lado; e o velho e prestigiado empresário e industrial, que fala na dificuldade que é trabalhar honestamente naquela cidade e ter que resistir às tentativas de extorsão e às ofertas de "protecção", recorda o carismático padre napolitano que certa vez deu aos seus paroquianos o seguinte conselho: "Saiam daqui o mais rapidamente que puderem!". Quem não tem saída possível são os moradores das hediondas torres sociais do bairro de Scampia, viveiros de promiscuidade, criminalidade e tráfico de droga, cujos arquitectos deviam ser condenados a habitar até ao fim dos seus dias nos prédios de estrutura penitenciária que conceberam.

Com estreia mundial no Festival de Veneza do ano passado, o filme de Abel Ferrara nasceu de uma série de entrevistas que o realizador fez numa prisão de mulheres de Nápoles, onde a maior parte das detidas, desde jovens na casa dos 20 anos até septuagenárias, foram condenadas ou por tráfico e consumo de droga, ou por roubo.

Às imagens de arquivo, documentais e entrevistas com várias figuras e personalidade napolitanas (incluindo a actual presidente da Câmara, uma senhora de idade a deslizar para o caquético, que confessa a sua total incapacidade para resolver os problemas da cidade), Ferrara juntou três - ténues - ficções, escritas por outros tantos ex-delinquentes, membros de uma associação de cariz social, o que acaba por tornar o filme um bocado desarrumado, fazendo-o andar numa jiga-joga constante entre realidade e encenação (além disso, é muito difícil filmar algo de novo ou de perturbante sobre Nápoles ou a Camorra, depois de Matteo Garrone ter praticamente "secado" o tema no seu formidável Gomorra).

Apesar dos muitos napolitanos ouvidos pelo realizador neste filme descreverem com rigor e de forma perfeitamente articulada, os vários males que minam dia-a-dia a sua cidade (à cabeça estão o caos urbano, o desemprego galopante e o crime organizado omnipresente - "até quando vamos beber um simples café estamos a dar dinheiro à mafia", explica um dos interlocutores de Ferrara), e até apresentarem propostas de soluções, a sensação geral é de desalento, impotência, pessimismo e amargura.

No final, o realizador Abel Ferrara aparece em palco, nos concertos que aproveitou para dar em Nápoles quando lá esteve a filmar Napoli Napoli Napoli, e é caso para dizer que quem o convenceu que sabia cantar, devia receber a visita de um camorrista armado de pistola e garrote.

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