Um filme de vampiros autobiográfico
A figura do vampiro e os mitos que lhe estão associados andam a sofrer tratos de polé no cinema, vulgarizados, adulterados, proletarizados e infantilizados numa sucessão de filmes. Em Só os Amantes Sobrevivem, Jim Jarmusch resgata o género de toda esta poluição naquilo a que se poderia chamar um filme de vampiros indie-hipster-chic. Tom Hiddleston e Tilda Swinton interpretam Adam e Eve, um casal de vampiros com centenas de anos. Ele é um compositor e músico rock que vive recluso em Detroit, ela uma literata que mora em Tânger e convive com o poeta isabelino Christopher Marlowe (John Hurt), também ele um vampiro. Ambos recusam-se a matar humanos para se alimentarem e dependem, ele de um médico venal, ela do fornecedor de Marlowe. Só os Amantes Sobrevivem é tudo aquilo que se poderia esperar de um filme de vampiros filtrado pela sensibilidade de Jim Jarmusch: noturno e lânguido, elegantemente coole decadente, um tudo nada precioso e poseur, cravejado de referências pop e culturais, do rock alternativo à física quântica e à poesia - tudo interesses genuínos do realizador e músico, frise-se. Este será também o filme mais autobiográfico de Jarmusch, o último e mais teimoso resistente da sua geração de cineastas indie americanos, que se revê na figura de Adam, um sobrevivente da sua espécie, que se mantém discreto e agarrado às suas paixões e convicções (na parede da sala do vampiro há retratos de ídolos de Jarmusch como Mark Twain, Buster Keaton, Thelonius Monk ou Joe Strummer), por mais anacrónicas que possam parecer. E que, tal como sucede com o sangue vital à sobrevivência de Adam, cada vez tem mais dificuldade em angariar dinheiro para filmar: Só os Amantes Sobrevivem levou sete anos a financiar.