No Festival de Cannes , a competição não existe só entre os filmes. Também as festas dos filmes competem entre elas. Produtoras e estúdios reservam cada vez maiores fatias dos orçamentos para o marketing, e nos grandes festivais, uma festa sumptuosa, original, extravagante, memorável, é parte integrante, indispensável da promoção de um filme. No ano passado, a festa de Marie Antoinette, de Sofia Coppola, de um luxo, de uma fartura e de uma sofisticação dignas dos tempos da rainha do título, deu pano para mangas de conversas nas filas para os filmes e nas mesas dos restaurantes, dias a fio..Este ano, ainda o festival deu os primeiros passos, e a festa do filme de abertura da Selecção Oficial, My Blueberry Nights, de Wong Kar-Wai, já se tornou de referência. Aproveitando o mote do filme, que lança a personagem da cantora Norah Jones pela América profunda fora, a servir em restaurantes gordurosos, bares esconsos e casinos de beira de estrada, os organizadores da festa fugiram às luzes e à animação do centro de Cannes e montaram tenda em Mirandoles, uma cidade secundária..A cor dominante da noite foi a dos mirtilos do título do filme, que Jones não se cansa de comer nas tortas feitas pela personagem de Jude Law no seu restaurante. Vieram 200 quilos do fruto para as mesas, e foi expressamente criado um cocktail blueberry (mirtilo, uísque, limonada) para quem quisesse variar do champanhe. Os convidados tiveram também direito aos hambúrgueres (havia cinco mil) e aos cachorros-quentes (dois mil) tradicionalmente americanos, distribuídos de roulottes de comida iguais às que em Portugal servem bifanas, couratos e "imperiais" à saída dos estádios ou à beira das praias. E como no Festival de Cannes a mais aberta democracia anda de mão dada com a mais insolente exclusividade, a sala da discoteca La Palestre tinha uma zona "normal", outra reservada aos VIP, e outra ainda aos hiper-VIP..Mas não é preciso ter uma fita no Festival de Cannes para dar uma festa. Paralelamente às festas luxuosas, remediadas ou pobrezinhas, de bar à beira do passeio, dos muitos filmes das várias secções, e ainda às do Mercado do Filme, há ainda as dos ricos e muito ricos locais, parisienses ou vindos de todo o mundo de iate ou de jacto particular, as das personalidades e "cromos" da Riviera francesa e as de quem não tem cheta mas quer impressionar os amigos..No ano passado, um canal de televisão francês percorreu, numa noite, várias festas, e foi terminar à de um sujeito que tinha pedido um empréstimo ao banco para pôr 300 pessoas a dançar e a beber champanhe numa praia da Croisette, com banda ao vivo e seguranças de intercomunicador e cara de poucos amigos, e tudo. No dia seguinte, ainda mal curada a ressaca, o dono da festa ia começar a trabalhar num segundo emprego para pagar o empréstimo..Em Cannes , o dinheiro alheio, a lata e a imaginação tanto valem para os filmes como para as festas.