Um festival à procura do cinema do futuro
O filme de abertura da 16ª edição do LEFFEST tem um título de simbolismo deliciosamente ambíguo: Crimes do Futuro é, afinal, uma aventura cinematográfica com que o canadiano David Cronenberg vislumbra um futuro perturbante em que "a cirurgia é o novo sexo", ao mesmo tempo que, por certo com alguma ironia, repete um título da fase inicial da sua própria filmografia, lançado em 1970. Cronenberg estará nessa sessão inaugural (Tivoli, amanhã, 21h00) e o mínimo que se pode dizer é que se trata de um dos grandes filmes de 2022 - o lançamento no circuito comercial está agendado para o dia 24.
O Lisbon & Sintra Film Festival vai decorrer até ao próximo dia 20, com projeções e diversos eventos repartidos por quatro salas: Teatro Tivoli BBVA e Cinema Medeia Nimas, em Lisboa; Museu das Artes e Centro Cultural Olga Cadaval, em Sintra. Mais do que nunca, este é um acontecimento que aposta na diversidade da oferta, com muitas produções recentes e várias memórias organizadas em ciclos temáticos, nessa medida problematizando e discutindo as fronteiras de uma perceção convencional da história do cinema.
Nesta perspetiva, valerá a pena ter em conta algumas das conversas que irão pontuar os dias do festival, a começar por um encontro com Bella Freud: trata-se de assinalar o centenário do nascimento do seu pai, o pintor Lucian Freud (1922-2011), incluindo a passagem do filme Omnibus - Lucian Freud (1988), de Jake Auerbach (Nimas, dia 12, 10h30). Sem esquecer que Crimes do Futuro terá outra projeção (Nimas, dia 12, 13h00), precedida de um diálogo com Cronenberg.
A destacar também será o regresso de John Malkovich ao festival: primeiro, para interpretar, em estreia mundial, The Infamous Ramírez Hoffman, um espetáculo teatral concebido em colaboração com Anastasia Terenkova, adaptado do livro A Literatura Nazi nas Américas, de Roberto Bolaño (Tivoli, dia 12, 21h00); depois, numa conversa sobre a atualidade de cinema e teatro, com especial incidência na sua relação de trabalho com Raúl Ruiz, de quem será exibido o filme O Tempo Reencontrado (1999), adaptado de Marcel Proust (Nimas, dia 13, 11h00).
A secção competitiva será avaliada por um júri presidido pelo cineasta francês Olivier Assayas, integrando a produtora e realizadora americana Julie Dash, a atriz portuguesa Joana Ribeiro, o realizador e produtor venezuelano Lorenzo Vigas, e o escritor e jornalista americano Dana Vachon.
Alguns títulos que marcaram os festivais de Cannes e Veneza integram essa secção, incluindo Leila"s Brothers, uma saga familiar assinada pelo iraniano Saeed Roustaee, Nostalgia, drama intimista do italiano Mario Martone, e Padre Pio, o mais recente trabalho do americano Abel Ferrara, um dos "habitués" do festival. De outro certame europeu, Locarno, provêm o português Nação Valente, de Carlos Conceição, e o russo Fairytale, de Aleksandr Sokurov.
O lote de títulos a exibir fora de competição servirá também para, de modo necessariamente incompleto, mas muito sugestivo, desenhar um mapa de alguns vetores fundamentais da atual produção cinematográfica. Um destaque especial vai para EO, a mais recente realização do polaco Jerzy Skolimowski (84 anos de espantosa energia criativa!). A personagem central é um simpático burro que, através de mil e uma atribulações, vai conhecer os contrastes nem sempre muito edificantes da natureza humana... Moral da história: nestes tempos de tantas máscaras e ilusões virtuais, ainda há quem, literalmente, se mantenha ligado à terra.
A ter em conta também será, por exemplo, Close, do belga Lukas Dhont, retrato íntimo da amizade de dois adolescentes, desafiando os lugares-comuns de muitas ficções contemporâneas sobre a descoberta da sexualidade. Ou ainda R.M.N., crónica sobre os enigmas de uma aldeia da Transilvânia na atualidade, onde os locais se cruzam com migrantes provenientes da Hungria ou da Alemanha, que o cineasta romeno Cristian Mungiu vai transfigurando numa epopeia contida sobre as atribulações da nossa Europa. Como ele próprio disse em Cannes: "Parto sempre de um caso banal para compreender o modo como reflete o que somos e o estado do mundo..."
Para lá das retrospetivas e outras zonas temáticas (ver texto aqui ao lado), o LEFFEST apresenta um espectáculo de dança A Minha História não É Igual à Tua, gerado no projeto artístico Corpoemcadeia, em colaboração com a Companhia Olga Roriz, com um grupo de reclusos do Estabelecimento Prisional do Linhó (Centro Cultural Olga Cadaval, dia 13, 17h00). Ligado ao ciclo "Romper as Grades", Dino D"Santiago recria o seu álbum Badiu (2021) em concerto (Centro Cultural Olga Cadaval, dia 11, 21h00).
Aproveitando a presença de Olivier Assayas, o festival exibe a sua série Irma Vep, protagonizada por Alicia Vikander. Inspirada no filme homónimo de Assayas (lançado em 1996), trata-se de uma "farsa" mais ou menos policial com oito episódios que serão exibidos em duas sessões (Nimas, dia 19, 10h00 e 14h00) - na segunda dessas sessões, Assayas e Vikander terão uma conversa com os espetadores.
Notícia de última hora é a primeira exibição em Portugal do novo filme de Steven Spielberg, Os Fabelmans (Tivoli, dia 13, 17h00) - estará nos cinemas a partir de 22 de dezembro. A cerimónia de entrega de prémios realiza-se no sábado, dia 19, às 21h30, no Centro Cultural Olga Cadaval. O filme vencedor será projetado no dia seguinte, às 21h30, no Nimas.
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