Um encontro misterioso na Praia das Maçãs

Entre as várias obras em que José Malhoa usou a Praia das Maçãs como cenário, À beira-mar (Praia das Maçãs) tornou-se a mais conhecida
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Frequentada pela burguesia e intelectuais , "a Praia das Maçãs foi uma descoberta para José Malhoa, em 1911. Era uma novidade e um motivo de trabalho. Neste ano, revelava em carta ao pintor Augusto Gomes (1910-1976) que explorara o tema do mar "a valer, demais a mais... marinhas coisa que nunca tinha feito", e interessava-se também pela "natureza mundana"", contextualiza Maria de Aires Silveira, curadora no Museu Nacional de Arte Contemporânea -Museu do Chiado, sobre a pintura À beira-mar (Praia das Maçãs).

Apresentada por José Malhoa na 23.ª exposição da Sociedade Nacional de Belas-Artes (SNBA), em 1926, foi logo comprada pelo então diretor do Museu Nacional de Arte Contemporânea, Columbano Bordalo Pinheiro, "que certamente apreciara a cumplicidade de pintura intimista e o contraste intenso dos jogos de sombreados e luz, através de círculos luminosos", diz a curadora. Na obra, comprada por 18 000$00 e atualmente depositada e em exposição no Museu José Malhoa, "destaca-se uma figura feminina pela postura jovial e pouco conveniente na época a uma senhora, de perna traçada e em expressiva confissão perante o olhar atento do rapaz". "A maresia e o colorido, a ondulação marítima, bem captada, e este misterioso encontro", são os elementos que fizeram desta "a mais encantatória" obra de Malhoa na Praia das Maçãs, defende Maria de Aires Silveira. E chama a atenção para outro detalhe: "A tonalidade salmão do vestido comprido, exemplar da moda da primeira década do século XX - um pormenor que poderá questionar acerca da morosidade da realização da pintura, eventualmente iniciada nesta altura e terminada em 1926, ou simplesmente, poderá tratar-se de um modelo antigo do vestuário feminino... Na verdade, a obra não está datada e deverá situar-se cerca de 1926 pela sua apresentação, neste ano, na exposição da SNBA."

A curadora explica ainda que todos os anos, no caminho entre Lisboa - onde morava, na casa que mandou construir na Avenida Fontes Pereira de Melo (hoje Casa-Museu Dr. Anastácio Gonçalves) - e Figueiró dos Vinhos, onde passava os verões, Malhoa detinha-se uns dias na Praia das Maçãs, pela qual se encantara. E foi no "Casulo", a sua casa de verão de Figueiró, que Malhoa "elaborou o núcleo mais significativo da sua produção naturalista a partir dos acontecimentos mais marcantes do historial de uma vila e do país no registo das procissões, das festas, das vindimas, de momentos dramáticos".

Neste quadro, "afasta-se destas preocupações e capta um ambiente de conversa informal, na Varanda do Grego, e uma intensidade cromática e luminosa de um dia quente, através de uma pincelada impressiva e do contorno sublinhado da figura, muito trabalhada em estudos preparatórios. No entanto, parece tratar-se de um instantâneo pela narrativa implícita e algo sensual da cena, numa cumplicidade afetiva que se convida a compreender, sem nunca se perceber o motivo do encontro", aponta a curadora.

O quadro pode ser visto no Museu José Malhoa, nas Caldas da Rainha, de terça-feira a domingo, das 10.00 às 19.00 (horário de abril a setembro)

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