Um dos novos cardeais desafiou o vice de Trump acolhendo refugiados

Em novembro serão criados 17 novos cardeais oriundos de 14 países. Apenas 13, por terem menos de 80 anos, são eleitores
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Na catedral de Tirana, Ernest Simoni tinha acabado de narrar a sua história. Na audiência estava Francisco. O padre albanês contou como foi preso em 1963 pelo brutal regime comunista de Enver Hoxha. Os 27 anos seguintes passou-os na prisão, tendo sido sujeito a vários tipos de tortura. Por duas vezes foi condenado à morte, mas a sentença nunca foi concretizada. Quando acabou de falar dirigiu-se ao Papa para lhe beijar a mão. Francisco levantou-se e ele ajoelhou-se. Mas Jorge Bergoglio puxou-o para cima, encostou a sua cabeça à de Simoni e deu-lhe um longo abraço. No fim teve de tirar os óculos e limpar as lágrimas. O episódio passou-se em setembro de 2014. No próximo mês, no Consistório de 19 de novembro, Ernest Simoni, de 88 anos, será um dos novos 17 cardeais criados pelo Papa.

As escolhas de Francisco chamam a tenção pela diversidade geográfica. Entre os 13 novos cardeais eleitores - aqueles que têm menos de 80 anos e que por isso podem participar na eleição do novo Papa - há representantes de 11 países: três são da Europa (Itália, Espanha e Bélgica), três da América do Norte (todos dos EUA), três da América Latina (Brasil, Venezuela e México), dois de África (República Centro-Africana e ilhas Maurícias), um da Ásia (Bangladesh) e um da Oceânia (Papua Nova-Guiné). Entre os quatro não eleitores, além de Ernest Simoni, da Albânia, há um do Lesoto, um da Malásia e um de Itália.

Com estas novas nomeações, os eleitores do colégio cardinalício passam a 121 (ao todo são 228), mas por pouco tempo. Théodore-Adrien Sarr, do Senegal, completará 80 anos a 28 de novembro, fazendo o número baixar para 120. Entre os cardeais eleitores, a Europa continua a ser o continente com mais peso (passou de 52 para 54), representando 45% do total. Ainda assim, Francisco, durante o pontificado, em muito tem contribuído para alargar a diversidade geográfica do Colégio Cardinalício. Os 115 cardeais eleitores que no conclave de 2013 o elegeram como Papa eram oriundos de 48 países. Agora são 57 as nações representadas. A República Centro-Africana, o Bangladesh, a Papua Nova-Guiné, o Lesoto e a Malásia nunca tinham tido um cardeal. Até agora.

"Estou muito feliz com as escolhas do Papa porque traduzem a universalidade da Igreja, com vários cardeais vindos de novos países", sublinha ao DN Saraiva Martins, 84 anos, um dos três prelados portugueses com assento no Colégio Cardinalício.

Depois de um em 2014 e de outro em 2015, este é o terceiro Consistório da responsabilidade de Francisco. Com as novas nomeações, mais de um terço dos cardeais eleitores (44) foram já escolhidos pelo atual Papa. Do tempo de João Paulo II restam 21 e 55 ascenderam ao Colégio Cardinalício pela mão de Bento XVI.

Os homens agora escolhidos por Jorge Bergoglio são, em regra, padres que se têm destacado pelo pensamento progressista, muito na linha do atual Sumo Pontífice. Um dos que chamam a atenção é o norte-americano Joseph William Tobin. O arcebispo de Indianápolis ficou conhecido por ter enfrentado Mike Pence, governador do Estado de Indiana e agora candidato a vice-presidente dos EUA ao lado de Donald Trump. Tobin acolheu uma família de refugiados sírios desafiando a proibição imposta por Pence. Na disputa em tribunal, o padre levou a melhor sobre o político. Entre os cardeais nomeados pelo Papa está também o italiano Mario Zenari, que ocupa uma das posições mais perigosas na Igreja. Desde 1980 é o núncio papal na Síria.

Com as escolhas que fez, estará Francisco a tentar moldar o Colégio de forma a garantir que o seu sucessor partilha a sua linha de pensamento? "Terei de conhecer melhor os novos cardeais para perceber as sensibilidades, mas claro que nestas opções o Papa transmite o seu pensamento sobre a Igreja e olha para a biografia de cada um ", sublinha ao DN o cardeal Manuel Clemente, bispo de Lisboa, de 68 anos.

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