Um disco como a música nunca antes tinha ouvido
Título: "Sgt. Pepper's Lonely Hearts Club Band"
Data de edição: 1 de junho de 1967
Editora: Parlophone
Produtor: George Martin
É, para muitos, o "melhor" disco dos Beatles e há quem já o tenha defendido como o maior álbum da história do rock'n'roll. Naturalmente não é escolha unânime, mas a verdade é que o disco que os Beatles lançaram em julho de 1967 acabaria por ser reconhecido como o mais emblemático e célebre de toda a sua obra. Meses antes - em fevereiro - ainda as gravações estavam longe de concluídas, o single com as canções Penny Lane e Strawberry Fields dava conta de sinais de continuava evolução face ao que os dois últimos discos dos Beatles tinham colocado em cena. Mas ninguém certamente imaginava então que o álbum iria bem mais longe...
Aprofundando mudanças de hábitos que já se tinham verificado desde os dias de Rubber Soul, os Beatles faziam do estúdio (e às horas que lhes conviesse) o seu espaço de trabalho. Depois da edição de Revolver, em 1966, tinham voltado à estrada para nova digressão com expressão mundial. Mas a evolução em complexidade das suas canções não permitira aos temas do novo álbum uma representação em palco, impossível que era ali a recriação do haviam criado em estúdio. A frustração de repetir uma vez mais velhas canções frente a um público que, de tanto berro, mal deixava escutar a música, fez com que decidissem colocar um ponto final nas suas agendas de palcos. Daí em diante seriam apenas uma banda de estúdio, centrada no seu trabalho criativo. E o novo álbum que então criaram foi dessa nova política um exemplo perfeito, surgindo ao longo de nunca antes vistos 129 dias de trabalho, somando mais de 400 horas de sessões.
Tecnicamente mais complexa, a composição desafiou os músicos, o produtor George Martin e o engenheiro de som Geoff Emerick a imaginar soluções e truques capazes de criar os sons, texturas, paisagens e elementos desejados para as canções. Apesar dos trabalhos iniciados ainda em finais de 1966 - a primeira canção a ser registada, When I'm 64 começou a ser trabalhada a 6 de dezembro - só em inícios de 67 surgiu a ideia de conduzir a criação do disco através de um alter ego, uma entidade fictícia que os quatro Beatles "vestiram", decisão que amplificou a noção de uma construção ficcional além do quadro então habitual em cenário pop/rock. A construção das personagens e a progressiva composição e moldagem das canções a uma agenda assim definida acabou por conduzir o disco que então nascia no sentido de se tornar numa obra conceptual. Com o título Sgt. Pepper's Lonely Hearts Club Band (sendo também esse o nome da banda fictícia criada, e da qual a imagem que vemos na capa do disco será uma materialização) , o oitavo álbum dos Beatles transportou a música a uma nova dimensão. Mais desafiante, versátil e surpreendente que o que os evidentes sinais de revolução já nos haviam dado entre Rubber Soul (1965) e Revolver (1966), a música atingia uma dimensão que transcendia as fronteiras habituais do espaço pop/rock para incorporar elementos da vivência do musical, uma carga narrativa mais habitual na música de palco e uma profundidade cénica nunca antes vista, conferindo às canções um sentido nunca antes visto de espaço. E tudo isto criado com apenas quatro pistas na mesa de gravação...
Entre a visão pop caleidoscópica de Lucy In The Sky With Diamonds ou With A Little Help From My Friends, o mergulho ainda mais profundo em diálogos com formas e sons da música indiana em Within You Without You, a dinâmica algo circense de Being For The Benefit of Mr Kite, o abismo realista da narrativa que comanda She's Leaving Home ou a visão quase sinfónica do magistral A Day In The Life, o álbum apresentou uma visão musical com uma complexidade como a pop nunca então conhecera. A própria capa, onde os quatro Beatles surgem (nas peles dos músicos da sua banda fictícia) entre uma colagem com fotos de nomes como os de Oscar Wilde, Bob Dylan, Pablo Picasso, Marilyn Monroe, Karlheinz Stockhausen, Carl Jung, William Burroughs, Marlon Brando ou Mae West, juntando ainda o velho parceiro Stuart Sutcliffe, inscreveu ainda um marco na história do design gráfico. Daí em diante o mundo não podia ser mais o que antes havia sido.