Um dia, duas eleições
Para quem gosta de se olhar no espelho do mundo, como quem observa um desafio, o retrato que nos devolve a tabela classificativa não pode orgulhar os europeus, portugueses incluídos. Em 2000, a União Europeia comprometia-se a criar uma economia do conhecimento mais competitiva e dinâmica. E em vez de avançar, recuámos: enquanto no início deste século a Europa tinha 41 das 100 maiores empresas do mundo, hoje tem 15, depois de as nossas maiores empresas terem sido ultrapassadas pelos gigantes tecnológicos dos Estados Unidos ou da China. É verdade que continuamos imbatíveis nas promessas de futuro, mas a Europa definha: em 2000, representávamos um terço do PIB mundial. Hoje, um quarto. E mais baça, ainda, é a fotografia quando observamos os índices de desenvolvimento e coesão social. Se há indicador que retrate bem o mundo que estamos a construir, o da desigualdade é o mais triste e escandaloso: os ricos estão mais ricos e os pobres mais pobres, a um ritmo que cresceu mais rapidamente desde 2008 do que em qualquer outro momento desde a Segunda Guerra Mundial.
Prevenir o agravamento das desigualdades é, pois, uma tarefa vital que incumbe em particular àqueles que elegemos, dentro ou à escala da União Europeia, sob pena de permitirmos que essa desigualdade deteriore as instituições e que a própria democracia seja minada à medida que alguns grupos bem organizados ganham mais poder. Num apelo dirigido ao secretário-geral da ONU e ao presidente do Banco Mundial, 200 economistas de todo o mundo advertem que o aumento das desigualdades mina todos os nossos objetivos sociais e ambientais, corrói a nossa política, destrói a confiança, paralisa a prosperidade económica coletiva e debilita o multilateralismo. Além de que, "sem uma forte redução da desigualdade, os objetivos gémeos de acabar com a pobreza e prevenir o colapso climático, estarão em claro conflito".
O documento é destinado aos Governos de todos os países, mas os europeus deveríamos sentir-nos mais seriamente interpelados. Em particular, quando a tendência de declínio da social-democracia e da democracia-cristã, como forças tradicionais dominantes, em favor de forças da Direita mais nacionalista, por um lado, e Ultraliberal, por outro, dissipam o propósito solidário e a imagem da Europa como um lugar, não só de progresso, mas também de coesão e igualdade. E de todas as consequências do aumento das desigualdades nenhuma é mais preocupante do que admitirmos que a geração dos mais jovens vai ser mais pobre que a dos seus pais, ou o fatalismo que condena o filho de um pobre a continuar pobre e o filho de um rico a continuar a ser rico. Se está nas mãos da União Europeia garantir a mobilidade económica e social, acontece que a União resulta, afinal de contas, dos governos que cada um elege para o seu próprio país. Daí, a geminação de propósitos que se colocam no horizonte das próximas eleições legislativas e europeias e a responsabilidade que devemos imputar àqueles que elegermos.
Se aos Parlamentos Nacionais, ao Conselho e ao Parlamento Europeu continuarem a chegar políticos que preferem debilitar a capacidade fiscal e económica da União, e que não acreditam, nem apostam, na obrigação de promover a mobilidade e a coesão social, é a marca distintiva de uma Europa aberta e solidária que desvanece... e com ela a da modernidade. E voltaremos, porventura, à procura de inimigos externos para distrair a crescente frustração dos cidadãos hipotecados a presentes sem futuro. À nossa dimensão, e descontadas as questões da mercearia política caseira, o Presidente da República prestaria um bom serviço ao país se fizesse coincidir as eleições legislativas nacionais com as eleições europeias do próximo ano. Afinal, para além de nos sair mais barato, os principais problemas que afetam a cidadania, portuguesa e europeia, têm a mesma raiz e reclamam compromissos e soluções de escala que decidirão, uma e outra, que País e que União vamos ser. A campanha eleitoral já está aí.
Jornalista