Um dia com os líderes

A NS' acompanhou os candidatos a primeiro-Ministro nas suas viagens ao coração e à mente dos eleitores: 5 retratos de cinco líderes
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JOSÉ SÓCRATES'One man show'A campanha do líder socialista é um comício portátil animado por «jovens voluntários». A crise política é justificada com a «gula» da oposição, a crise financeira com a «ganância» dos mercados e a crise económica com a própria história. TEXTO ADELINO CUNHAJosé Sócrates apareceu sorridente no centro da Figueira da Foz, apesar das sombras escuras cavadas em redor dos olhos. A brigada de «jovens voluntários» começou a gritar «Pêésse! Pêésse!» quando viu o carro aproximar-se e a agitar bandeiras vermelhas e amarelas com frenesim cénico. Esperaram uns segundos em ânsias para que se abrisse a porta do Mercedes, colocaram-lhe um cravo vermelho no bolso do blazer azul e começaram a gritar «Vi-tó-ria! Vi-tó-ria!», abafando a tonalidade nasal do agradecimento. É esta brigada de intervenção rápida que ajuda a encenar as arruadas de poucos metros que José Sócrates ensaiou na primeira semana de campanha e que depois cerca o candidato em representação do povo socialista que tem aparecido nos comícios da noite.Sócrates tinha acabado de fazer 200 quilómetros depois de uma noite tornada mais longa por causa do frente-a-frente com Pedro Passos Coelho, mas parecia continuar confiante no sucesso da táctica que usara na véspera televisiva. Martelou no «radicalismo ideológico» do PSD e na sua «agenda ultraliberal» no jardim da Praça da República da Figueira da Foz, martelou depois no almoço no pavilhão de negócios de Ourém e ainda ao final da tarde na Praça do Giraldo, em Évora. Os dias seguintes foram exactamente iguais.O primeiro dia da campanha do PS começou assim no ponto exacto onde ficara na noite anterior com José Sócrates a elevar os níveis de testosterona sempre que falava no «radicalismo ideológico» do PSD e na sua «agenda ultraliberal».Chegou à primeira iniciativa da campanha atrasado 35 minutos, mas foi como se tivesse ali estado nas últimas duas horas e meia. Os carros de som do PS percorreram toda a cidade desde as 9 da manhã, com altifalantes a disparar os discursos de Sócrates. A exaltação da «obra socialista em curso» era brevemente interrompida por uma voz off que lamentava a crise política «logo agora que estávamos no bom caminho». Quando José Sócrates estava a chegar, a música mudou para o refrão de Roy Orbison: «Anything you want/you got it/anything you need/you got it/anything at all, you got it!» («Tudo o que quiseres/ é p'ra já/ tudo o que precises/ é p'ra já/ tudo e mais alguma coisa/ é p'ra já!») Foi com esta embalagem que a brigada de «jovens voluntários» o recebeu ao mesmo tempo que uma máquina disparava confetis para o ar. Sócrates caminhou durante pouco mais de 10 minutos dentro de uma espécie de «caixa de segurança». O povo estava nos passeios e raras vezes avançou para a comitiva que se deslocava compacta como uma legião romana. Sabe-se que a coreografia fica favorecida com os ângulos fechados desta formação que cerca o líder.O líder do PS acenou, sorriu e respondeu aos cumprimentos esticando o braço para se manter no percurso definido e no aconchego da multidão partidária. Insistiu que apenas o PS está em condições de defender o Serviço Nacional de Saúde e reivindicou o sucesso do programa Novas Oportunidades. Acusou o PSD de quer privatizar a saúde e o seu líder de ter passado um «certificado de ignorância» às pessoas que certificaram as suas competências.A palavra «defesa» e a frase «o PS é um partido popular» tornou-se na base de toda a narrativa eleitoral. Defesa da saúde pública, defesa da escola pública e defesa do Estado Social contra o «preconceito ideológico e social do PSD» e contra o «programa radical da direita». A crise política é justificada com a «gula» da oposição, a crise financeira com a «ganância» dos mercados e a crise económica com a própria história. Todo o discurso está centrado nos valores emotivos da «defesa» de Portugal e na projecção do «medo» perante o programa eleitoral do PSD.O Vader do fraqueFicou por dizer que Sócrates saiu da «caixa de segurança» apenas por breves instantes para dar uns passos na direcção de um transeunte que o insultou. Começou por franzir o sobrolho e a testa enrugou-se de desagrado quando ouviu a ofensa, mas uns segundos depois já estava à porta da loja Ocasião a sorrir e tentar responder ao insulto com um cumprimento seco. A cena haveria de repetir-se pouco mais tarde em Ourém, no primeiro almoço-comício da campanha eleitoral. Sócrates chegou novamente atrasado apesar de ter saído da Figueira da Foz com um rápido aceno de despedida depois de se encavalitar na porta do carro para ficar mais alto.Tinha à sua espera o «Vader do fraque». Trata-se de uma figura de «agit prop» patrocinada por um blogue e que tentou aproximar-se do líder do PS para o interpelar. Estava vestido com um fraque, uma mala de cobranças e uma máscara de Darth Vader, da Guerra das Estrelas. Os membros da comitiva começaram por afastá-lo com rispidez, mas rapidamente passaram aos empurrões e depois aos insultos. Rui Pereira, responsável pela caravana, argumentou mais tarde que estava combinado que deixaria a personagem cumprir o seu papel, «já que foste pago por eles para isso», sem que «eles» tenham sido especificados, mas com o compromisso de que Darth Vader se manteria afastado. A tentativa de abordagem legitimou a intervenção física e os desmandos de linguagem.José Sócrates tentou ignorar o incidente, mas um dos seus assessores políticos ainda ficou para trás e trocou mais insultos com a personagem da Guerra das Estrelas. O «Vader do fraque» chamou «palhaço» ao líder do PS em voz alta e Luís Bernardo respondeu indo um pouco mais longe na adjectivação. Os «jovens voluntários» da brigada de intervenção entusiasmaram-se e acrescentaram mais insultos. Só a presença de uma câmara da TVI evitou que a saga tivesse novos episódios.Sócrates já estava nesta altura sentado ao lado de Basílio Horta a depenicar bocadinhos de pão. António Serrano subiu ao palanque para acusar o PSD de ser «uma gente que não tem um rumo para Portugal» e Passos Coelho «alguém que não sabe o que fez na vida e que não tem nenhuma experiência de governação».O líder do PS tomou depois o seu lugar no palco e escolheu dois temas para falar durante trinta minutos: educação e saúde.A cena repete-se sempre assim: começa a abanar os braços para frente e para trás para acompanhar o ritmo das palavras iniciais e os polegares semi-flectidos vão marcando as passagens que exigem aplausos. Quando elogia as Novas Oportunidades, vocacionadas para os mais velhos, e depois as qualidades da escola pública disponíveis para os mais novos, repete o gesto e conquista aplausos.A primeira referência às críticas de Passos Coelho exige depois uma ligeira inflexão da cabeça para lamentar que o adversário tenha classificado este «movimento de esperança» e «vontade de progredir na vida» como uma «certificação da ignorância». Cumpre uma pausa para mais aplausos às Novas Oportunidades. As narinas ficam contraídas e a expressão do rosto logo se torna severa quando se avisa que pretende dirigir-se directamente ao líder do PSD. O tom torna-se agudo para marcar as palavras «esforço», «empenhamento», «trabalho» e «coragem» com que elogia os «500 mil portugueses» que estão a ser vítimas do «preconceito social» de Passos Coelho. A vaga seguinte de aplausos responde ao clamor do salmo e Sócrates ainda acrescenta que o PSD está contra tudo o que o Estado faz também por «preconceito ideológico».Amacia logo depois a voz para falar sobre os cuidados de saúde prestados aos idosos e às famílias que obtiveram finalmente os seus médicos de família. Diz que a isto se chama «melhorar o Serviço Nacional de Saúde» para de seguida recuperar o tom áspero para advertir que «há quem queira colocá-lo em causa, embora não tenha coragem de o dizer». É neste instante que se refere pela primeira e única vez ao debate da véspera frente a Passos Coelho com a frase «como ficou claro ontem», a propósito dos co-pagamentos na saúde. «Isto agora é mesmo muito a sério», enfatiza esta frase que se tornou na punch line de todos os seus comícios.Duelos de bombosO compromisso de poupar dinheiro com outdoors tem inibido a tradicional exuberância eleitoral e as estruturas socialistas de Celorico da Beira viram-se na contigência de colocar três modestas faixas na rua principal. A coreografia haveria de repetir-se com brigada de «jovens voluntários» a tomarem a estrada da acesso à praça Sacadura Cabral, embalados pelo refrão de Roy Orbison «Anything you want/you got it/anything you need/you got it/anything at all, you got it!» Os confetis da Figueira da Foz deram lugar a pétalas de rosa que caíram sobre os ombros do líder.A JSD também aproveitou para marcar presença. Aproveitando a desertificação provocada pela hora do almoço, dois militantes locais encostaram uma carrinha a um prédio abandonado, sacaram de uma escada para subir à varanda e colocaram tarjas toscamente escritas recordando que «Portugal está falido» e «queremos mudar». A operação de «agitprop» não passou despercebida. Uma carrinha do PS estacionou depois diante do prédio para tapar a inscrição que se enquadrava no campo visual onde Sócrates iria discursar. André Figueiredo, director da campanha, mandou de imediato retirar a viatura e deixou que as faixas da JSD ficassem à mostra. A jornada decorreu normalmente e o PS continuou a seguir o guião à letra.Os dias repetem-se iguais na caravana do PS. Os jovens da brigada de intervenção rápida são transportados em carrinhas que se deslocam entre os locais de comício de maneira a serem os primeiros a chegar. Não são: porque umas horas antes já os carros de som tomaram as localidades de assalto para aquecer as massas. Os «jovens voluntários» são a pequena multidão portátil que serve de cenário a toda as iniciativas de rua. Pouco depois chega o camião com um écrã gigante e um pequeno palco acoplado para os discursos de circunstância. Fica estacionado por regra no ponto central das localidades. Começa então a emitir vídeos de propaganda reivindicando um superávit de 432 milhões de euros nas contas públicas do primeiro trimeste e logo acrescenta elogios de Nicolas Sarkozy e de Barack Obama ao primeiro-ministro português.Os «jovens voluntários» distribuem depois propaganda e as forças locais são também desafiadas a contribuírem com o seu colorido. A passagem pela serra da Estrela contou contou com o grupo de bombos de Almaceda. De resto, Sócrates debitou o mesmo discurso em Celorico da Beira em defesa da saúde pública, mas acrescentou o apoio aos idosos e só não repetiu que a oposição é responsável pela subida das taxas de juro porque uma nuvem cinzenta começou a largar bagas grossas de chuva. O céu que não tinha uma ruga de vento fechou-se de súbito sobre o comício e os bombos foram os primeiros a retirar para preservar as peles. Seguiram-se os mais idosos e em poucos minutos já toda a caravana tinha aportado em Mangualde. Quase toda a caravana porque a principal logística tinha ficado em Viseu para o comício da noite onde o povo socialista acorreu em massa.Os que esperavam por Sócrates em Mangualde tiveram de esperar mais de uma hora de atraso. Queimaram o tempo a assistir a uma disputa entre o grupo de bombos de Almaceda e os jovens de Silgueiros, com desvantagem para os primeiros por se terem penalizado no café durante parte da tarde.O aquecimento para o comício da noite em Viseu ficou marcado pelo discurso da secretária de Estado Elza Pais que citou Confúcio para garantir que só Sócrates sabe acender uma vela perante a escuridão e pelo discurso de Sócrates que, depois de acusar Passos Coelho de «ambição e ânsia de poder», ficou com as veias do pescoço a latejar. Teve ainda fôlego para uma promessa: «Vão ter uma lição.»Ao contrário dos outros líderes partidários, José Sócrates não respondeu ao inquérito da NS'.PASSOS COELHOA noite em que a crise começouUm dia na estrada com Pedro Passos Coelho, à conversa com pescadores em Sesimbra e com idosos num lar do Montijo.TEXTO ADELINO CUNHAA mensagem escrita chegou ao Blackberry através da secretária pessoal do primeiro-ministro solicitando autorização para efectuar uma ligação telefónica. Poucos segundos depois, José Sócrates estava a explicar a Pedro Passos Coelho pelo telemóvel as linhas gerais da quarta versão do Plano de Estabilidade e Crescimento (PEC), mas acrescentou uma sugestão: deviam encontrar-se pessoalmente nesse dia dado o melindre da situação. A reunião secreta entre o chefe do Governo e o líder do PSD decorreu no dia 10 de Março passado em S. Bento e foi neste encontro que a crise política em curso deflagrou.Passos Coelho começou a ouvir José Sócrates explicar que tinha decidido antecipar a revisão do PEC para tentar tranquilizar os mercados financeiros e, ao mesmo tempo, provocar uma reacção positiva nos parceiros europeus com quem iria encontrar-se na manhã do dia seguinte em Bruxelas. À mesma hora que a reunião secreta decorria, o Benfica jogava contra o PSG para a Liga Europa após as vitórias nessa tarde do FC Porto em Moscovo e do Braga contra o Liverpool. Os clubes do norte ainda estavam longe de imaginar que seriam ambos finalistas - e o Porto o vencedor -, mas Sócrates e Passos já sabiam que, por mais jogo de cintura que tivessem nesta final a dois, o resultado estava definido.O primeiro-ministro gosta de falar pausadamente e sublinha algumas frases mudando a posição das mãos ou fazendo pequenos trejeitos com os dedos. O líder do PSD percebeu a semiótica. Sentia que José Sócrates procurava escolher o terreno da batalha.Começou depois a detalhar as novas medidas de austeridade que tencionava apresentar na manhã seguinte e Passos Coelho concluiu sem dificuldade que o adversário forçava agora a confrontação por se tratarem exactamente das medidas que já rejeitara nas negociações do Orçamento em execução e por ignorarem o caminho alternativo proposto pelo PSD. O adversário já tinha escolhido o terreno da batalha e decidia agora o momento do confronto. Não era uma reunião secreta. Era um desafio para a luta. Um isco.Pedro Passos Coelho aprendeu nos musseques angolanos a cozinhar funge dentro de uma lata vazia para acompanhar o peixe seco em óleo de palma e ainda hoje se perde com um bom calulu. É apreciador de peixe e não deixou de se surpreender com a imponência de um tubarão-lusitano que os responsáveis da cooperativa Artesanal Pesca de Sesimbra lhe mostraram e fez várias perguntas sobre o assunto. O líder do PSD tinha-se deslocado às instalações da Docapesca de Sesimbra para mostrar esta cooperativa de pesca artesanal como um exemplo da produção nacional de qualidade e de organização económica eficiente. Sustenta a pesca em Sesimbra, patrocina inúmeras actividades no concelho, incluindo a recuperação do património religioso, e já se tornou no maior empregador logo a seguir à câmara municipal. Os seus pescadores garantem 90 por cento do peixe-espada negro consumido em Portugal. Pedro Passos Coelho anotou que o tubarão-lusitano pode atingir 1,20 metros de comprimento e aparece frequentemente nas redes lançadas para o peixe-espada negro. Os pescadores de Sesimbra capturam involuntariamente estes tubarões que depois são obrigados a devolver ao mar devido às restrições das quotas da União Europeia, mas a maior parte das vezes já vão mortos devido aos efeitos da descompressão. São capturados a mil metros de profundidade e, como são rapidamente puxados para a superfície, sofrem graves danos provocados pelo súbito aumento de volume dos órgãos internos. Foi um desses exemplares que o líder do PSD teve oportunidade de ver na visita.A rupturaQuando José Sócrates terminou as suas explicações, Passos Coelho deixou claro que não contava com o PSD. «Não se pode continuar a fingir mais tempo», insiste e com palavras ásperas. Justificou que as medidas representavam mais um aumento de impostos para pagar dívidas sem resolver os problemas estruturais, continuavam a evitar a urgente redução da despesa a nível da concepção do Estado e ainda congelavam as perspectivas de crescimento económico.O primeiro-ministro ouviu o esperado «não conte connosco», pediu apenas discrição até ao fim do Conselho Europeu do dia seguinte e combinaram manter a reunião em segredo resumindo tudo a um «telefonema». Quando Passos Coelho saiu da residência oficial do primeiro-ministro, o Benfica já ganhava aos franceses, mas a vitória de nada serviria porque Jesus iria tombar aos pés dos «guerreiros do Minho».No dia seguinte à noite, após o fim da reunião em Bruxelas, Passos Coelho anunciou a rejeição do PEC 4. Não foi preciso esperar muito para José Sócrates acusá-lo de ter desencadeado uma crise política, provocado a ira dos mercados financeiros contra Portugal, lançado o país para os braços do resgate internacional e deitado por terra todos os esforços do governo junto da Comissão Europeia e do Banco Central Europeu. Acrescentou mais tarde que Passos Coelho se esquecera de um detalhe: o «telefonema» tinha sido, afinal, uma reunião a dois. Como se, de facto, tivesse havido negociações. José Sócrates disse tudo isto ao país com o voz crispada, o sobrolho franzido e as rugas na testa a sobressaírem devido a tanto desagrado.Teria Passos Coelho sido apanhado na rede?«Não negociei nada», garante Passos Coelho. «Há muito tempo que o primeiro-ministro vinha preparando o pedido de ajuda e arranjou o pretexto de que precisava para culpar o PSD, mas Portugal não aguentava a situação mais tempo e eu também não.»Ficaram a gostar ainda menos um do outro depois do bate-boca.A prenda de CarrapatosoTornou-se num hábito de nómada: todas as viagens de Passos Coelho são agora feitas na companhia do último modelo de iPad. Uma oferta de António Carrapatoso, líder do movimento Mais Sociedade, que o líder do PSD utiliza para verificar o correio electrónico, consultar o programa com a agenda do dia e espreitar os títulos dos jornais. Também guarda os memorandos que consulta antes das reuniões.No percurso entre a sua casa, num prédio em Massamá, e a Docapesca de Sesimbra aproveitou para estudar o historial da cooperativa que visitou nessa manhã. Tomou notas mentais sobre os temas mais relevantes e preparou algumas deixas para os contactos directos com os pescadores. «Não fazia ideia disto», comenta em voz alta sem se dirigir a ninguém, «a maior parte do peixe-espada preto consumido em Portugal é capturado em Sesimbra», continua. Volta a mergulhar no iPad nos poucos minutos que tem até ao destino.Antes de entrar na Docaspeca, uma voz roufenha ainda o aborda à distância: «Quando o senhor fizer o seu governo, mande-me chamar que eu ensino-lhe alguma coisa sobre pesca.» Os modos agrestes não eram antipatia nem falta de educação, mas apenas o hábito da rudeza dos homens do mar. Passos Coelho trava o passo e dirige-se ao interlocutor: «Ora, então diga-me lá.» Sorri, mas os cantos dos lábios continuam contraídos.Carlos Aldeia, 58 anos, aceita o desafio para o confronto e desfralda queixas contra o desmantelamento da pesca nacional. «A mim, deram-me 12 mil contos para abater o meu barco», é a frase com que pretende encerrar o monólogo. Passos Coelho ouve com a cara fechada. O armador começa a reduzir uns decibéis e termina a conversa a sorrir quando o líder do PSD reconhece as dificuldades dos pescadores e trata o sector como parte do futuro exportador nacional. Quando o líder do PSD já começava a despegar da conversa em passos furtivos, um membro da comitiva deixou-se ficar para trás e chamou a atenção de Carlos Aldeia para o tom exageradamente salgado. «É para ver se ele assim ouve melhor», responde o pescador com um sorriso a mostrar os dentes tostados da nicotina.Passos Coelho demorou-se na visita à Docapesca vestido com uma bata branca, a touca na cabeça e capas azuis nos sapatos. Quando repetiu em registo retórico a nota que tinha lido no seu iPad, «então a maior parte do peixe-espada preto consumido em Portugal é capturado em Sesimbra», ainda acrescentou um «não é?» para mostrar que se tinha interessado pelo assunto e nessa altura já tinha conquistado o entusiasmo dos interlocutores. Os pescadores explicaram que o pico da pesca ocorre entre Setembro e Dezembro e que essas 120 a 150 toneladas capturadas nesse período são escoadas no mercado a preços competitivos para os pescadores e consumidores e permitem ainda uma considerável reserva de congelados. Voltaram a falar da reduzida quota para pescar tubarões: as quatro toneladas permitidas esgotam-se rapidamente e são muitas mais as toneladas que vão borda fora.O líder do PSD ouviu com atenção, fez mais perguntas e no final reuniu com os dirigentes da Docapesca para reforçar a sua mensagem: acredita no potencial do sector das pescas como contribuinte para o renascimento económico do país e prometeu simplificar legislação e desburocratizar procedimentos.Dirigiu-se depois para o porto de pesca perseguido por uma pequena comitiva que ainda hesitou em segui-lo por uma plataforma instável onde Eduardo Fernando tinha acabado de ancorar o seu pequeno barco.Passos Coelho aproximou-se em passada larga, chegou à beira do Bela e perguntou como correu a pescaria. Ouviu uma breve explicação sobre as espécies mais frequentes e muitas queixas sobre a poluição. Os trabalhadores ficaram recentemente 12 dias em terra a reparar as redes sem terem sido ressarcidos dos prejuízos. «Veja lá se faz alguma coisa por nós», ouve novamente o líder do PSD. Eduardo Fernando tem as faces amarrotadas por 48 anos de mar e preferia não ter pedido nada no seu orgulho de pescador, mas o que disse era mais um desafio do que um pedido. «Só queremos trabalhar.»No dia seguinte, quando caminhava pelas instalações da Cruz Vermelha da Parede na sua postura erecta, Passos Coelho deixou-se entusiasmar pelo coro que o esperava e ensaiou uns tons baixos e médios que as televisões registaram com entusiasmo eleitoral. Foi com essa mesma voz nítida que depois criticou o governo pelo excesso da tolerância de ponto na Páscoa e logo voltou sem motivo aparente às conversas da véspera com os pescadores de Sesimbra: «Ontem aprendi como se pesca o peixe-espada negro e como se lhe tira a pele.» Seria um aviso de que só mordera o isco por quisera?O outro ladoAntónio Passos Coelho comemorou os 85 anos em Maio, entusiasmado pela vida que divide entre o seu gabinete médico, os jogos da liga inglesa de futebol a que assiste em casa sem falhas e as terras que continua a amanhar por convicção transmontana. É este exemplo do pai que Pedro invoca numa conversa de registo intimista quando se prepara para almoçar com os idosos residentes no Lar de S. José, da Santa Casa da Misericórdia do Montijo.O líder do PSD despachou primeiro os comentários às notícias do dia antes de iniciar a visita e depois dedicou-se a conversas soltas com os idosos enquanto o provedor o guiou demoradamente pelas instalações. Ficou para almoçar. Passos Coelho sentou-se numa mesa discreta no refeitório com os idosos que habitualmente comem naqueles lugares e foi-se deixando ficar pelo início da tarde.Quando regressou, finalmente, à sede do PSD, já tinha no seu gabinete Miguel Relvas e Carlos Moedas em frenesim para articularem mais uma resposta aos ataques do PS. O ex-ministro Braga de Macedo também já estava sentado na sala de espera para a reunião seguinte, onde combinaram a visita do líder do PSD a Londres para contactos com investidores financeiros internacionais. Os estragos provocados pelas polémicas declarações de Diogo Leite Campos nessa manhã, dizendo que o sistema de apoios sociais beneficia «os mais espertos e aldrabões», tinham sido resolvidos na viagem entre Sesimbra e o Montijo com uma clarificação do próprio. O PS capitalizou o deslize e obrigou Passos Coelho a corrigir o seu vice-presidente.O assunto já estava resolvido quando o líder do PSD tratou com Moedas e Relvas do segundo ataque dos socialistas nesse dia. Desta vez tratava-se de clarificar o que tinha sido acordado na viabilização do Orçamento em curso. Passos Coelho foi ouvindo enquanto carregava a sua caneta de tinta permanente. Ouviu e decidiu depois quem devia responder, o que devia ser responder e acrescentou o desagrado com a situação em que o PS deixou Portugal.As pessoas que o confrontaram nessa mesma manhã numa pastelaria de Sesimbra tinham-lhe dito com animosidade que estão «cansadas de tanta crise», «cansadas de tanta promessa» e «cansadas de tanta mentira dos políticos». Quiseram saber quando é que o calvário termina e interpelaram-no directamente sobre o que pretende fazer além de toda a retórica eleitoral.Passos Coelho estava a comer uma merenda ao balcão e parou por uns instantes para perceber a reclamação. Acenou afirmativamente com cabeça, mas as pessoas ficaram sem saber se prestou mesmo atenção às queixas quando se afastou com um «vamos ver o que se consegue fazer». As explicações dos pescadores de Sesimbra sobre a urgência de incentivos específicos e de simplificação de leis e procedimentos para incentivar a economia exportadora, o contributo do provedor do Lar de S. José sobre os inúmeros exageros legais que travam o contributo das instituições de solidariedade nos planos de emergência social e até os comentários da pastelaria contra os políticos apareceram depois no programa eleitoral do PSD. Apareceram na frase «está na hora de mudar» e foram detalhados em medidas concretas.«Quem vai governar Portugal é o próximo governo, não é o FMI. O programa de ajustamento indica um caminho, mas somos nós que o faremos e de livre vontade», explicou Passos Coelho já depois de ter carregado a sua caneta de tinta permanente. «Não se podia continuar a fingir mais tempo», repete, «não se podia continuar a fingir e também não se podia continuar viver de mão estendida.»Prato preferido? Gosto especialmente de comida africana, sobretudode uma boa moamba.Hobbies? Ler e ouvir música, por vezes cantar, passear/viajar.Para férias: praia ou campo? As duas coisas, em alturas diferentes do ano.Dia de descanso perfeito? Com a minha mulher e sem agenda.Cidade de eleição? Vila Real. As minhas memórias mais gratas einesquecíveis estão ligadas a esta cidade transmontana, que me acolheu quando regressei de Angola com a minha família, em 1974.Sonho de criança cumprido? Ver os meus pais envelhecerem com qualidade de vida.Sonho que nunca concretizará? Acredito que todos os sonhos importantes estão em aberto na vida.Primeira memória de infância? Talvez o Natal aos 3 anosQue livros leva para ler durante a campanha? A campanha exigirácomprometimento a 100% e o tempo livre, escasso, deve ser aproveitadopara descansar e desanuviar, ou seja, ouvir música e conversar comfamília, quando possível. Mas viajo sempre com livros, sobretudoensaios e biografias, e desta vez não será excepção.Um herói de banda desenhada: Capitão Haddock.Alguma vez se absteve ou votou em branco? Não.PAULO PORTASO outro lado de Paulo PortasO líder do CDS é o actual chefe partidário há mais tempo no poder. Tem 48 anos e pretende encerrar a carreira política em breve, mas primeiro quer chegar a primeiro-ministro. Vai começar a ler as memórias do Duque de Palmela na campanha eleitoral e só depois acabará de escrever o próprio romance que começou numas férias passadas em Alexandria.TEXTO ADELINO CUNHAÉ a secretária do CDS no Largo do Caldas quem transfere a chamada de Miguel Portas, em viagem algures pela Europa, para o carro em que o irmão se desloca entre Almeirim e Lisboa. O motorista conduz o Audi ao som de um grupo de new wave dos subúrbios de Londres chamado XX. Paulo Portas cumprimenta o irmão com entusiasmo e propõe organizarem uma surpresa para comemorarem o Dia da Mãe com Helena Sacadura Cabral. Enquanto conversa ao telemóvel, faz um gesto ao motorista para repor a primeira música do disco. Falaram da mãe com ternura durante alguns minutos e passaram rente pelos livros de banda desenhada que ambos adoram. Paulo Portas apaixonou-se por Corto Maltese pela qualidade dos desenhos de Hugo Pratt e pela capacidade de sonhar deste marinheiro errante filho de uma cigana espanhola e de um marinheiro inglês. Os dois irmãos mergulharam depois na conversa da política que só na aparência os separa entre esquerda e direita. O eurodeputado deu conta do seu empenho na organização da convenção do BE e o líder do CDS lamentou com alguma ironia os sucessivos esforços de Pedro Passos Coelho para explicar aos jornalistas como identificou um regresso à salazarista União Nacional nos apelos à «unidade nacional» ensaiados pelo Presidente da República e pelos seus antecessores nas comemorações do 25 de Abril. Paulo Portas contraiu os ombros e simulou um ligeiro esgar enquanto relatou a agitação doméstica provocada pelo PSD e logo se despediu com afecto do irmão tratando-o por «migas». Pediu depois ao motorista que lhe emprestasse o isqueiro para acender mais um cigarro. Trocou o SG Filtro pelo Lucky Strike quando leu um artigo sobre os níveis de alcatrão usados por esta marca.Estava a contar que o facto de o maço ser 30 cêntimos mais barato também contribuiu para a mudança quando se lembrou que um amigo lhe recomendou um músico chamado Paravo Stelar, mas também não se demorou muito tempo na recomendação porque logo começou a citar de cor a quantidade de líderes do PSD com quem se cruzou. O tema tinha surgido na sequência da conversa telefónica com o irmão a propósito da vertigem da pré-campanha eleitoral e da «dispersão táctica» que tem impedido os social-democratas de capitalizarem o desgaste do governo socialista com uma mensagem «focada». «Não percebo o que se passa ali», encolhe os ombros, «Pedro Passos Coelho é o sétimo líder do PSD que conheço, mas não tenho a certeza de que a culpa seja minha», graceja Paulo Portas mostrando os dentes brancos.Aventurou-se numa aliança pré-eleitoral com Marcelo Rebelo de Sousa, que estoirou antes de chegar às urnas, confiou em Durão Barroso durante dois anos de governo de tanga e ainda arriscou mais seis meses de tensão com Santana Lopes. Evitou depois compromissos com Marques Mendes, Luís Filipe Menezes e Manuela Ferreira Leite, prescrevendo para si próprio «prudência, cautela e caldos de galinha», mas já negoceia com Pedro Passos Coelho os termos de um governo de coligação pós-eleitoral com o PSD.Paulo Portas sobreviveu a esta longa maratona, mas a experiência com os dois primeiros-ministros do PSD que tombaram antes do fim da legislatura reforçou a convicção nas suas próprias capacidades pessoais de liderança de um governo.«Tu queres ficar na diplomacia, mas vais ter de ir tratar dos bandidos na administração interna», troçou Ângelo Correia quando se cruzou há pouco tempo com Paulo Portas nas instalações da SIC. O líder do CDS respondeu à provocação com uma gargalhada antes de entrar para o estúdio para ser entrevistado. A brincadeira do influente barão social-democrata antecipa que Paulo Portas está destinado a ser novamente ministro nos termos decididos pelo PSD. Ou será que não?Romance em AlexandriaPaulo Portas já escreveu metade de um romance que iniciou numas férias em Alexandria, mas ainda não se convenceu com a estética de escrita e com a densidade de algumas personagens. Pretende voltar ao trabalho criativo para publicar o seu primeiro livro quando deixar a política activa. Sim, tenciona deixar a política e até já alterou os estatutos do CDS para separar a presidência do partido da comissão directiva em caso de ascensão ao governo. Depois talvez vá frequentar o curso de cinema em Londres de que a irmã Catarina lhe falou há pouco tempo e escrever o argumento para um filme. Já devia ter sido dito que é fanático por cinema e que tem um pequeno grupo de amigos que o acompanha duas vezes por semana nas sessões da meia-noite. «Já viram o filme Adeus Lénine?», pergunta aos alunos da escola secundária Marquesa de Alorna, em Almeirim. Está sentado, em mangas de camisa, e gesticula em compasso com as palavras que pretende sublinhar. A maioria responde em silêncio e Paulo Portas conta uma ou duas cenas do filme com uma dinâmica narrativa que provoca gargalhadas entre os estudantes. Sente que tem a audiência conquistada e passa como Messi para as diferenças entre esquerda e direita numa escola onde existem duas facções: «O PS e a esquerda», brinca Diogo Pascoal, 17 anos, dirigente da juventude do CDS e organizador do ciclo de palestras com dirigentes dos partidos parlamentares.Deve ser por causa deste sentido de humor que picaram a sua cara no cartaz que anunciava a iniciativa com Paulo Portas. «Muito sofre a juventude centrista», insiste no mesmo registo provocador à passagem da presidente do conselho executivo com quem teve uma recente peleja na Direcção-Regional de Educação da Lisboa por causa de um acto eleitoral. «Vencemos com base na tolerância democrática», conclui Diogo Pascoal enquanto se fixa nos olhos picados da sua fotografia. «Os outros ficaram com a lista impugnada e nem foram a votos. Nem consigo imaginar quem fez isto à minha fotografia», repete.«Temos de evitar o fanatismo ideológico», dirá Paulo Portas na sua palestra ao citar as críticas de Francisco Louçã à toxicidade do capitalismo financeiro e industrial e ao bicar com generosidade retórica nos liberais do PSD que confundem o que é ser liberal nos Estados Unidos com a realidade portuguesa. Defendeu depois as privatizações porque o Estado não consegue ser um bom gestor por estar dispensado de apresentar bons resultados e porque não são as empresas públicas que garantem o crescimento económico. Ergueu o braço direito com o cotovelo apoiado na mesa, apontou o dedo indicador para a assistência e franziu ligeiramente o sobrolho. A pausa pretendia chamar a atenção para a advertência: «Mas o mercado também não resolve tudo.» É isto que o distingue dos liberais obsessivos: responsabilidade ética e dimensão social.Está bom de ver o filme que se segue. Paulo Portas estava a falar num registo sereno e sóbrio, mas interrompeu-se a si próprio e depois da pausa cénica já tinha mudado a expressão facial e o tom tornou-se cúmplice. «Já viram o filme Homens de Negócios? Vão ver!», ordena com desvelo paternal.Volta a antecipar o argumento, alicia com os nomes de Ben Affleck e Tommy Lee Jones e aconselha uma segunda vez os jovens a verem o filme para perceberem o descalabro financeiro que rebentou nos Estados Unidos por causa do banco Lehman Brothers e da cumplicidade velhaca das mesmas agências de notação que agora transformaram Portugal num protectorado financeiro do FMI.O momento pede que Paulo Portas associe o colapso do BPN e do BPP em Portugal e acuse José Sócrates de estar em completo estado de negação por ter assumido no seu programa eleitoral a versão do défice que ignora o cheque público que tapou os crimes praticados pelos banqueiros portugueses.«O PS não é competente, mas o PSD não é convincente», sintetiza.A frase escrita no seu caderno vermelho de apontamentos tinha sido preparada para as televisões, mas ninguém o confrontou quando depois disse que «em algumas matérias, o CDS até está à esquerda do PSD». Estava a pensar na pobreza e na insensibilidade dos social-democratas para com os beneficiários das chamadas pensões de sobrevivência. «Estas pessoas existem e não podem ser abandonadas.»Paulo Portas quer aproveitar as fragilidades do PS e do PSD para consumar a conquista de votos que as sondagens antecipam para o CDS, mas estará condenado a ser novamente ministro ao fim de sete líderes do PSD e depois de 16 anos de exaustivo trabalho político. Ou será que não? A temperatura eleva-se no carro parado à porta da sede, no Largo do Caldas, em Lisboa, enquanto fuma um último cigarro. Primeiro sorri, mas depois aperta ligeiramente os cantos dos lábios e contrai as sobrancelhas. Concorda com um ligeiro aceno de cabeça e um gutural «hum, hum» que se estivesse no PSD já teria sido primeiro-ministro. Contém-se. Desvia o olhar por uns segundos e os dentes voltam a aparecer com um sorriso. Se Paulo Portas tivesse respondido à pergunta nestes segundos de turbulência interior, teria assumido pela primeira vez a convicção de que será primeiro-ministro antes de abandonar a política. «Não comecei na política e de certeza que não acabarei na política.»O bom alunoJá se tornou um hábito, mas um hábito apreciado por Paulo Portas: sempre que comete um erro recebe uma carta no dia seguinte a corrigi-lo. Edmundo Vaz Mourão, professor de português em Santarém, raramente deixa passar uma falha e depois envia uma nota simpática, escrita com uma letra elegante que agrada ao líder do CDS, apesar da reprimenda. «Da última vez, disse-me que referi erradamente "dignatários" e não "dignitários"», conta Paulo Portas aos professores que o aguardam à saída da escola de Almeirim.Usou um tom coloquial nos breves cumprimentos de despedida. Tinha acabado a palestra onde aconselhara os alunos a respeitarem a autoridade dos professores e deixou claro que estão num nível diferente dos docentes. Complementou a ideia com um incentivo ao trabalho e ao estudo e prometeu reactivar o «elevador social» para reconhecimento da meritocracia. Paulo Portas também se dirigiu aos professores presentes, defendendo que a sua própria avaliação é indispensável para premiar quem mais trabalha e recuperou a defesa do sistema existente no ensino privado e cooperativo.«Esta palavra tem que ser dita e bem explicada: avaliação», começou por dizer em tom sério, como mote para desenvolver as suas ideias em defesa dos bons professores e falando da sua própria experiência. «Sei o nome de todos os bons professores que tive na minha vida.» Quando depois falou aos docentes sobre das cartas de Edmundo Vaz Mourão à saída da escola, já estava convencido de que tinha triunfado na palestra.«O novo eleitorado é disputado essencialmente entre o CDS e o BE», recordou mais tarde Paulo Portas, enquanto acendia o primeiro cigarro da manhã. Nas últimas eleições, conseguiu duplicar a votação entre o eleitorado jovem chegando aos 22 por cento e de imediato todos os deputados receberam instruções para aceitarem todas as solicitações para intervirem nas escolas. «Eu dou o exemplo com o maior prazer», afirma, sem esconder a satisfação do dever cumprido.Este entusiasmo revelou-se quando se despediu de Margarida Netto como a líder distrital «mais gira» do CDS e de seguida mostrou ao deputado Filipe Lobo d"Ávila uma fotografia que tirou com o seu telemóvel com a frase «Portas Drinks». «É uma saída profissional em caso de derrota eleitoral», clamou a rir-se, antes de entrar para o carro. A frase abreviada foi tirada à entrada do bar Portas do Sol, perto da sede do CDS. É sentado com vista para os telhados de Alfama e para o recorte dos cacilheiros do Tejo que tenciona terminar muitas das suas tardes de trabalho antes das eleições de 5 de Junho. Uma vitória do PSD abre-lhe as portas do governo, mas uma guinada eleitoral do CDS pode projectá-lo para um papel decisivo na estabilidade política dos próximos quatro anos.Paulo Portas tem uma relação pessoal e política com Passos Coelho suficiente para estabelecer uma aliança pós-eleitoral. Os dois chefes partidários tratam-se por tu e ligam directamente para os respectivos telemóveis para falarem sobre questões de intendência quotidiana ou para marcar conversas pessoais para discutir os assuntos mais relevantes. «É um bom sinal não haver registo público desses encontros entre nós», nota Paulo Portas com habilidade. Ainda se deixa surpreender por o PSD não estar a conseguir capitalizar sozinho o avançado estado de erosão do governo. Admite que os social-democratas podiam estar a arrasar nas sondagens, mas não estão. As propostas desarticuladas e a inconsistência da narrativa deixam a diferença para o PS pouco acima dos 5 por cento. O que só pode ser bom para o CDS.«Pedro Passos Coelho é o sétimo líder do PSD que conheço», repete, mãos atiradas para a frente, sentado no banco de trás do Audi, «mas não tenho a certeza de que a culpa seja minha».Prato preferido? Arroz de pato, antes de saber que sou diabético, agora, sushi.Hobbies? Cinema.Para férias: praia ou campo? Mar.Dia de descanso perfeito? Descanso perfeito.Cidade de eleição? Roma.Sonho de criança cumprido? Voar de ultraleve.Sonho que nunca concretizará: Tirar o brevet de piloto de avião.Que livros leva para ler durante a campanha? Memórias do Duque de Palmela, de Maria de Fátima Bonifácio, e Yalta: The Price of Peace, de S.M. Plokhy.Um herói de banda desenhada: Corto MalteseAlguma vez se absteve ou votou em branco? Nunca.JERÓNIMO DE SOUSAO comunista de rosto humanoMesmo para quem está nos antípodas das suas opções políticas é quase unânime que Jerónimo de Sousa tem uma presença cativante.TEXTO EVA CABRALDepois de Álvaro Cunhal e de Carlos Carvalhas, saídos das fileiras intelectuais, o PCP recuperou em pleno as suas raízes operárias com Jerónimo de Sousa, várias décadas passadas sobre o também operário Bento Gonçalves. E já depois de o Mundo ter sofrido os sobressaltos da dissolução da URSS, a opção tem-se mostrado acertada.Mas se este regresso às origens operárias tem em Jerónimo de Sousa uma imagem de marca, o actual secretário-geral do PCP conseguiu conciliar a fama de ortodoxo com uma personalidade extrovertida e próxima do homem comum.A primeira vez que fez campanha eleitoral na pele de líder do PCP, Jerónimo cortou com a tradição de contenção e secretismo em relação à vida privada cultivada pelos seus antecessores. Em campanha responde a todas as perguntas e os discursos são pontuados por várias «buchas» que, normalmente, coincidem com os momentos de maior receptividade por parte de quem o ouve. Depois de anos e anos em que os comunistas se queixavam de má imprensa, o novo líder tinha seduzido os media. Mesmo assim, como o partido tinha encomendado os tradicionais outdoors do Avante! a sugerirem que os jornais «tinham calado os comunistas», estes foram afixados. Foi também a última vez que o fizeram.Uma vida transparenteMas qual o segredo de Jerónimo de Sousa em campanha? Acima de tudo a sua forma espontânea de reagir à rua e o facto de ter uma vida transparente, cortando com o histórico da clandestinidade e a sua justificada carga de secretismo - Jerónimo só entrou formalmente para o PCP depois do 25 de Abril, apesar de os contactos datarem desde a sua entrada na fábrica, como ainda hoje se refere à MEC, na Póvoa de Santa Iria, dedicada à aparelhagem industrial.A 10 de Maio, já em pré-campanha para as legislativas de 5 de Junho, a NS' acompanhou o líder comunista à Basílica da Estrela, em Lisboa, para um encontro com membros da Juventude Operária Católica (JOC), uma organização com mais de 75 anos de história.Elisabete Silva é presidente da JOC há pouco tempo e recebeu Jerónimo nas instalações que funcionam nos claustros da Basílica da Estrela, um espaço onde a degradação do edifício é visível nos tectos a cair, que servem para os pombos fazerem os ninhos, e as paredes pintadas de várias cores, com a particularidade de, nalgumas zonas, estarem a descascar. Até a singela horta interna dos claustros tem apenas meia dúzia de plantas, e o seu viço não era muito. Ao fim de uma hora de reunião, Jerónimo e a líder da JOC coincidiram no diagnóstico de que a precariedade e o desemprego são os dois grandes problemas da juventude.Elisabete Silva tem no gabinete de trabalho uma frase de Kant, lapidar nos dias que correm: «A dignidade humana está relacionada com a capacidade dos seres humanos fazerem as suas próprias escolhas.» Já o líder do PCP lembra a sua entrada na fábrica, aos 14 anos, a sua escola de vida e de solidariedades várias que lhe indicaram o caminho até ao PCP.Jerónimo de Sousa não tem dúvidas em enumerar os grandes problemas que pressionam os jovens dos dias de hoje: «Precariedade, endividamentos, congelamento de salários e direitos sonegados.»Quando lhe pedimos para recuar aos seus tempos de juventude e às dificuldades que então se viviam, Jerónimo reconhece que «se os salários eram baixíssimos, não existia qualquer problema para se arranjar trabalho». «A cintura industrial de Lisboa tinha muitas unidades fabris, e quem tinha de ir trabalhar acabava com facilidade por arranjar colocação. Em certo sentido, se a vida era muito difícil, não existia a insegurança dos dias de hoje», recorda. Explica que quem entrava para a fábrica como aprendiz «ia subindo na complexidade dos trabalhos a desempenhar» e que o ambiente «era de solidariedade e de ligação com a empresa». Uma vida de luta que o levou a ser sindicalista e a concorrer, em 1973, então com 25 anos, à direcção do Sindicato dos Metalúrgicos de Lisboa.No encontro com a JOC, Jerónimo de Sousa faz questão de deixar uma mensagem de esperança, adiantando que se deve «puxar pelo que a juventude tem de melhor e apostar no seu papel como motor do desenvolvimento».O seu olho clínico para as matérias do mundo sindical indicam-lhe que se a taxa de sindicalização dos jovens é baixa, a precarização laboral é a grande responsável pelo fenómeno.«Se um jovem está uns meses num escritório, passa de fugida por uma fábrica e depois vai mais uns tempos para um call center como se vai sindicalizar?» - questiona Jerónimo de Sousa, que teve a infância e a adolescência marcadas pelo ambiente operário da zona onde nasceu e onde ainda hoje vive, em Pirescoxe.Tradição operáriaJerónimo de Sousa nasceu em Abril de 1947, perto de Santa Maria da Azóia, mais concretamente em Pirescoxe, uma espécie de aldeia urbana onde ainda hoje tem a sua casa.A família era operária e Jerónimo reproduz o modelo casando com Ovídea, também ela operária, de quem tem duas filhas já adultas que lhe deram dois netos: Rui Pedro, de nove anos, e Rita, de quatro.Avô babado, o secretário-geral comunista não exibe mas também não esconde os netos. Rita, então com três anos, correu para os braços do avô mal o viu no palanque montado em pleno Marquês de Pombal, numa acção de campanha das últimas legislativas.É esta maneira à vontade de estar na vida que acaba por aproximar Jerónimo de Sousa do homem comum. Ainda em recente entrevista ao Expresso, o líder do PCP assumia a sua personalidade. «Procuro ser genuíno, convicto, determinado naquilo que idealizo e ter uma posição séria na política.» Uma postura que admite ter tudo a ver com a sua personalidade e a sua maneira de encarar a vida.Tal como todos os quadros do PCP, Jerónimo de Sousa vive com o salário da sua profissão, no caso afinador de máquinas. Segue-se o princípio de que ninguém deve ser prejudicado nem beneficiado pelo facto de estar a desempenhar um cargo político. Por isso, o que «sobra» do salário de deputado face aos cerca de 850 euros daquele salário vai para os cofres do PCP.O líder comunista vive como os seus vizinhos. Gosta do que tradicionalmente se gosta em Portugal: da comida, da bebida, do bom tempo, de futebol, da família e do convívio com os amigos com quem descontrai a jogar às cartas.Jerónimo de Sousa transmite alegria de viver, e essa é boa parte do seu carisma pessoal. Nas muitas acções de campanha vê-se o prazer que tem em comer os petiscos «que as camaradas cozinham» para o secretário-geral. Diga-se, aliás, que nas iniciativas do PCP a boa comida é ponto de honra. Nas recentes eleições presidenciais, disputadas por Francisco Lopes, no Alentejo profundo uma das cozinheiras explicou à repórter que «era o amor ao partido» que levava a que as refeições fossem tão saborosas. Jerónimo de Sousa faz sempre questão de agradecer às cozinheiras os mimos que lhe preparam. Reconhece que, além do tal amor ao partido com que temperam as refeições, as camaradas sabem, como todas as portuguesas, que apostar na tradição de conquistar os homens pelo estômago é uma receita segura.Ele próprio contou recentemente que também faz alguns petiscos, e que aprendeu com Álvaro Cunhal a fazer umas caracoletas gratinadas que costumam ser muito apreciadas.O futebol é outra das suas paixões e o Benfica o seu clube de eleição. Como todos os portugueses, o líder comunista é também um treinador de bancada. Ainda na campanha para as últimas legislativas, em 2009, contou ao jornalista Norberto Lopes, do JN, o qual devia ser a composição da equipa do Benfica, jogador a jogador, e com tácticas de jogo bem definidas.O líder comunista tem, em suma, uma história tradicional para um homem da sua geração, que passou também pela tropa na Guiné, onde esteve na Polícia Militar. Apesar de ser desde sempre contra a guerra colonial, Jerónimo de Sousa, como era da tradição nos quadros próximos do PCP, nunca pensou em desertar.Deputado constituinteApesar dos contactos com o PCP serem uma constante desde que entrou na fábrica, Jerónimo de Sousa só aderiu formalmente depois do 25 de Abril de 1974. Envolveu-se de imediato na vida política e, em 1975, foi eleito deputado à Assembleia Constituinte. Chegou ao Palácio de S. Bento com uma linguagem em que marcava a sua origem operária. Depois de um interregno, voltou ao Parlamento em 2002, já com os tempos truculentos do pós-25 de Abril deixados para trás na história.Membro da Comissão Política dos comunistas desde 1992, é secretário-geral do PCP desde 2004.As legislativas de 2011Em fase de aceleração da campanha para as legislativas de 5 de Junho, o secretário-geral comunista não deixa de frisar que PSD, PS e CDS têm um «programa comum resultante da imposição da troika». Os comunistas defendem, por seu lado, «a renegociação da dívida e uma política que promova a produção nacional».Os seus discursos de campanha estão muito marcados pelo ataque às políticas da troika. O líder comunista tem feito o seu diagnóstico da actual situação do país. Considera que se está perante «uma crise que conhece em Portugal o agravamento decorrente de mais de 35 anos de política de direita e onde se acentuam as contradições de um processo, no seio da UE, em que as grandes potências e o grande capital assumem cada vez mais o comando de uma política que visa a extorsão dos recursos e a subjugação de tipo colonial dos chamados países periféricos, entre eles Portugal».Para Jerónimo de Sousa, o que a realidade hoje demonstra «é o aprofundamento do fosso de desenvolvimento económico e social no espaço europeu». Existe hoje «uma União Europeia a duas ou a três velocidades, que liquida por completo as teses e a propaganda da chamada coesão económica e social e que confirma que a actual moeda única e as condições que lhe estão associadas, ao mesmo tempo que são um factor de deterioração da situação económica e social de países como Portugal (com uma recessão já anunciada para os próximos três anos), beneficiam países como a Alemanha, cujas taxas de crescimento são as mais elevadas da União Europeia», denuncia o líder comunista.Nestas legislativas antecipadas, Jerónimo de Sousa partiu para campanha animado por sondagens que lhe dão a hipótese de o PCP voltar a ser a quarta força política no Parlamento, uma posição relativa que em 2009 perdeu para o Bloco de Esquerda.Se as eleições não representam para os comunistas o mesmo peso que assumem noutros partidos - o PCP privilegia outros palcos de afirmação - o certo é que em 2011 o optimismo reina. E é o próprio secretário-geral que empunha a bandeira de que «é possível pela luta mudar Portugal». E garante: «Ainda não desisti de concretizar todos os sonhos.»Prato preferido? Um peixe assado. Existem muitos bons pratos com produtos portugueses - como a posta mirandesa ou as migas com entrecosto - mas reconheço que gosto mais de peixe do que de carne.Hobbies? Jogos tradicionais e um bom jogo de cartas com os amigos. Além de dar uns toques na bola com o meu neto Rui Pedro.Para férias: praia ou campo? Muitas vezes, quando os camaradas me convidam para passar uns dias no Algarve acabo por preferir a serra à praia. Mas claro que também vou até à praia.Dia de descanso perfeito? É o dia seguinte a ter cumprido uma tarefa com êxito. Serve para reganhar forças na companhia da família e dos amigos e para superar um pouco a ausência e as saudades que tenho dos netos.Cidade de eleição? Lisboa, sem dúvida. Existem outras cidades mas para mim Lisboa é especial.Sonho de criança cumprido? Desenvolver uma vida de luta e de solidariedade para mudar a vida dos mais fracos e desprotegidos.Sonho que nunca concretizará? Ainda não desisti de concretizar todos os sonhos.Primeira memória de infância? A minha entrada na fábrica, aos 14 anos.Que livros leva para ler durante a campanha? Em campanha só temos tempo para ler discursos e alguns jornais.Um herói de banda desenhada? Sandokan e o Cavaleiro AndanteAlguma vez se absteve ou votou em branco? Desde o 25 de Abril que voto. Antes disso só não votei quando nos recusávamos a participar numa farsa eleitoral.FRANCISCO LOUÇÃO revolucionário tranquiloFrancisco Louçã, 54 anos, tem um percurso de vida em que a militância política sempre seguiu em paralelo com a carreira académica. O actual professor catedrático de Economia e líder do Bloco de Esquerda recebeu o prémio de melhor aluno do liceu no início dos anos setenta, altura em que já estava envolvido nos protestos contra o regime e a guerra colonial e em que foi detido pela PIDE na Capela do Rato.TEXTO EVA CABRALGuimarães, Julho de 2009. Vivia-se a campanha para as eleições europeias em que a lista do Bloco de Esquerda (BE) era encabeçada por Miguel Portas mas quem as pessoas verdadeiramente queriam ver, tocar e falar era Francisco Louçã. Antes de dar início a uma arruada, o líder do BE é interpelado por um homem de meia-idade. Tem para lhe contar um intrincado problema burocrático com a Segurança Social que lhe atormenta a vida e o impede de receber uma pensão de reforma a que se sente com direito. Francisco Louçã, mesmo pressionado pelo ritmo alucinante de uma campanha eleitoral, ouviu-o como se tivesse todo o tempo do Mundo. Com calma, querendo saber dos pormenores, Louçã foi dando sugestões e só ao fim de algum tempo delegou num activista local do BE o «acompanhamento» do caso daquele cidadão.Francisco Louçã tem uma paciência que parece inesgotável quando se trata de ouvir o relato de um caso humano. Ou até quando lhe é pedido que interceda num problema concreto. Por contraditório que a definição possa parecer, Louçã é um revolucionário tranquilo. Na política desde sempre - aos 16 anos esteve três dias detido pela PIDE na incursão que a polícia política fez à Capela do Rato, em 1972. Hoje lidera o BE e está envolvido a cem por cento nas eleições legislativas antecipadas de 5 de Junho. OvibejaA NS' acompanhou-o a 5 de Maio, um mês antes das eleições. O dia começou nos corredores alcatifados do Palácio de S. Bento - para uma declaração sobre o acordo assinado entre o Governo e a troika - mas o líder do BE logo a seguir ao almoço rumou ao que é hoje um must da política portuguesa, a Ovibeja. Uma feira agropecuária onde todos marcaram presença este ano, do Presidente da República aos líderes partidários, tal como, aliás, costumam fazer mesmo em alturas em que o calendário político é mais folgado.No carro - acompanhado do assessor de Imprensa, Pedro Sales, e por Paulete Matos, a fotógrafa que alimenta o site do BE -, o dia político era tenso, não só pela contagem decrescente para as eleições, mas também pela divulgação do resultado de sondagens. Após doze anos sempre a crescer desde a sua fundação, as intenções de voto indiciam agora que a sorte dos bloquistas pode já ter tido melhores dias. Francisco Louçã sabe isso mas adverte para o facto de o acordo com a troika só então ter sido acabado de conhecer. Para o líder bloquista começava nesse momento a contar a hora zero em que arrancava para a campanha. «Está tudo em aberto, as pessoas sabem que quem nos trouxe à beira da bancarrota foi José Sócrates» assegurava, quando estávamos prestes a entrar no parque da Ovibeja. O núcleo do BE de Beja recebe-o à porta da feira, numa tarde quente de Primavera. O cabeça de lista é um médico, Dinis Cortes, e Francisco Louçã faz questão de nos explicar as razões pelas quais este é tão popular na zona. «É um médico que conhece os seus doentes e que se desloca a terras muito pequenas do distrito de Beja, o que hoje só alguns poucos fazem. Tem um conhecimento do terreno e dos problemas das pessoas», frisa, enquanto Dinis Cortes cumprimenta muitos dos que já então visitavam a Ovibeja, apesar de a grande enchente da feira ter sempre como ponto alto a noite.Acompanhado por um dos responsáveis da organização da Ovibeja - a maior feira agropecuária do Sul do país - Francisco Louçã começa a percorrer os pavilhões das máquinas, os stands institucionais, passando pelos que vendem produtos tradicionais como os azeites, queijos e enchidos, e que a par dos de comes e bebes são sempre os mais animados destas iniciativas. Entre provas e cumprimentos, o líder do BE ainda teve tempo para sussurrar ao seu assessor de Imprensa que lhe comprasse dois queijos de Nisa e de nos confessar que lamentava «não ter tempo para levar mais alguns daqueles produtos».Mas apesar de o tempo escassear, Louçã esteve ainda compenetrado para ouvir as explicações de um especialista sobre como cortar uma peça de presunto. Ele próprio pegou numa faca afiada para tirar umas lascas, para satisfação do batalhão de fotógrafos que na Ovibeja estavam escalados para apanhar a sucessão de políticos e outras caras conhecidas. Louçã sorri e, apesar de ser evidente que aquele não é o seu género preferido de campanha, assegura que «para primeira vez» não lhe correu mal e que o presunto era «delicioso».Pouco antes de chegar ao stand dos animais vivos, um funcionário perguntou em voz baixa ao engenheiro da Ovibeja que servia de cicerone à comitiva do BE se «mandava tosquiar uma ovelha». Em boa hora o fez pois poucos instantes depois Francisco Louçã assistiu a uma tosquia moderna, bem diferente das imagens bucólicas de outros tempos. O tosquiador cumpriu a tarefa a uma velocidade impressionante que contrastava com a calma e aparente alívio com que a ovelha ia perdendo a lã. Os tempos do PSRAs ovelhas acompanham, aliás, o líder do BE há muitos anos. E não só por a experiência da Ovibeja ter antecedentes noutras edições da feira. Na verdade, em Dezembro de 1998, Francisco Louçã era líder do PSR (Partido Socialista Revolucionário) cuja comunicação com os portugueses passava por cartoons onde uma ovelha negra era a ilustração escolhida para dar corpo a slogans como «Fora do rebanho - Vota PSR» ou «Contra o muro de S. Bento - Vota PSR». Em entrevista então dada ao jornal Público, Louçã assegurava que a característica principal de uma pessoa de esquerda era «ter curiosidade perante a vida» e reconhecia que a militância política - que começou aos 17 anos na LCI (Liga Comunista Internacionalista) - o prejudicou «em termos profissionais». «Mas se voltasse atrás faria exactamente o mesmo», disse.O percurso de Francisco Louçã esteve marcado desde muito cedo pela actividade política. Facto que nunca o impediu de ser um estudante muito acima da média. No início dos anos 70 ganhou mesmo o prémio D. Dinis por ter sido o melhor aluno do Liceu Padre António Vieira, em Lisboa. Recusou receber a distinção das mãos do então Presidente da República Américo Tomás, mas canalizou a pequena fortuna dos 1500 escudos da distinção académica (7,5 euros na moeda actual) para pagar a renda de uma casa clandestina que a LCI tinha em Paço de Arcos. Precoce no liceu, já andava a distribuir panfletos contra a guerra colonial e tinha uma actividade política cada vez mais intensa, o que o levou a ser preso na vigília da capela do Rato, em Dezembro de 1972. Desses três dias que passou na prisão de Caxias recorda ter sido interrogado por Barbieri Cardoso, um dos inspectores mais temidos da PIDE. E lá ganhou Louçã uma das tristemente clássicas fotos da polícia política, com a data de 2 de Janeiro de 1973. Saiu quando os pais pagaram uma fiança de seis contos, dinheiro devolvido após o 25 de Abril. OrigensMas voltemos ao início. Francisco Louçã nasceu numa família da classe média-alta, com o pai oficial da Marinha e a mãe, Noémia Anacleto, uma das primeiras advogadas portuguesas. O avô materno, Alberto Neves, foi anarco-sindicalista e fundador do PCP. Foi precisamente este avô que passou por Moçambique, país de que Francisco Louçã guarda as primeiras memórias de infância (ver questionário). Anos depois, Alberto Neves afastou-se do comunismo tendo mesmo sido deputado constituinte pelo PPD de Sá Carneiro, depois de regressar a Portugal após o processo de descolonização.Francisco tem dois irmãos e uma irmã. Casado com Ana Campos, irmã do ex-ministro da Saúde Correia de Campos, tem uma única filha, Joana, neste momento no estrangeiro por razões académicas. Apesar de todas as reservas em falar da família quando se lhe sugere que a filha Joana é facilmente identificada na mesa de voto por ser uma quase réplica do pai, Francisco Louçã sai do registo e não consegue conter um sorriso de satisfação. O apoio da família é discreto mas activo. Dias depois, na VII Convenção do Bloco, realizada em Lisboa a 7 e 8 de Maio, a mulher e a mãe estiveram juntas na sessão de encerramento. No plano académico e científico, o percurso de melhor aluno do liceu foi repetido no ISEG, escola em que terminou o curso com 19 valores e onde hoje é professor catedrático. Os prémios são uma constante de uma história pessoal iniciada a 12 de Novembro de 1956 e em que a militância política segue, como se disse, sempre a par com uma profunda ligação à Academia. Louçã diz que o contacto com as gerações mais novas é «um permanente estímulo», e reconhece que «Portugal tem hoje jovens notáveis em termos de preparação científica».Enquanto professor, o líder do BE tem igualmente uma vasta obra publicada, desde os textos mais densos e virados para a Academia até outros em que o rigor do catedrático anda em paralelo com o sentido de oportunidade do político. Nestes escreve numa linguagem acessível a todos os potenciais leitores e eleitores. O mais recente exemplo deste permanente estar na crista da onda foi o lançamento da obra Portugal Agrilhoado - A economia cruel na era do FMI, editado precisamente no dia a seguinte a Portugal ter pedido ajuda em Bruxelas. A obra de Francisco Louçã tem um objectivo claro, o de contrariar a ideia algo dominante da teoria económica de hoje que considera que o combate ao desemprego se faz através da diminuição dos salários. Uma tese que Louçã assegura ser desmentida pela prática.A ideia deste livro surgiu entre o Natal e o fim do ano, quando o líder ficou com gripe e esteve em casa, mas o certo é que o tema escolhido indicia uma evidente capacidade de antecipação política. Logo na introdução, o livro denuncia que «estamos a assistir a uma campanha impiedosa contra o salário. Uma campanha que aponta para uma só solução: Salvar a economia com a redução do salário com a sua transferência para o capital», diz. Trata-se de uma receita antiga, que vem dos anos de 1983-84, quando o FMI foi chamado, pela segunda vez, a intervir em Portugal. Louçã lembra que essa «vibrante» transferência de salários para o capital não funciona «porque os custos financeiros são iguais ou maior do que os custos salariais». Também o livro Donos de Portugal, editado o ano passado, e que faz uma história dos grupos económicos do país, já vai na 7ª edição e vendeu 12 mil exemplares. Com a campanha para as legislativas a aquecer, a VII Convenção do BE foi o palco para lançar algumas das linhas de orientação para os próximos dois anos. «O Bloco saí desta Convenção com mais força e com mais garra pois a escolha da democracia é a 5 de Junho», assegurou o líder do BE no discurso de encerramento. Em contagem decrescente para as eleições de 5 de Junho, Francisco Louçã pediu mesmo que se consiga eleger um maior número de deputados. O líder do BE disse ser necessário ir ter com as pessoas que «já votaram no PS, bem como as que votaram à direita», para pedir hoje o seu voto e dessa forma fazer crescer a bancada de deputados. Apelou à construção de «uma maioria contra o Estado brutal imposto pela troika e de um 25 de Abril novo». E com a energia de toda uma vida prometeu que o partido vai às eleições legislativas «disputar cada voto».Prato preferido? Bacalhau Espiritual é o meu preferido, apesar de existirem outros pratos de que gosto bastante.Hobbies? Cinema e leitura.Para férias: praia ou campo? Praia.Dia de descanso perfeito? Não sabia que isso existia.Cidade de eleição? S. Francisco, Nova Iorque e Lisboa.Sonho de criança cumprido? Visitar Veneza.Sonho que nunca concretizará? Não responder mais a estes inquéritos.Primeira memória de infância? Passeios em Moçambique, em Nacala.Que livros leva para ler durante a campanha? Na campanha eleitoral só há tempo para ver jornais.Um herói de banda desenhada? Corto MalteseAlguma vez se absteve ou votou em branco? Nunca. Votar é uma grande responsabilidade.

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