Um conto moral sobre um homem e um elefante
Uma história de um homem e o seu elefante?... Que filme é este?... As perguntas justificam-se porque, de facto, Pop Aye (estreia-se hoje) não parece pertencer a este tempo. Porquê? Porque somos muitas vezes compelidos a adorar "heróis". Aliás, no cinema, o marketing mais poderoso vai continuando a massacrar-nos com regulares e ruidosas campanha em torno de "super-heróis", engalanados com as mais recentes proezas dos departamentos de efeitos especiais...
Para além do heroísmo dos vencedores, não valerá a pena dar alguma atenção aos vencidos? Não será sensato dar-lhes, ao menos, a oportunidade de fazerem ouvir a singularidade da sua voz? Na atual temporada de prémios, Pop Aye é um desses vencidos. E logo na arena principal: os Óscares. Foi o representante de Singapura (trata-se de uma coprodução com a Tailândia) na corrida a uma nomeação para a categoria de melhor filme estrangeiro, mas ficou de fora, uma vez que não surge na lista de nove títulos, anunciada em meados de dezembro, da qual sairão os cinco nomeados. Em qualquer caso, registe-se que Pop Aye não deixou de obter um reconhecimento importante - prémio de melhor argumento dramático - no prestigiado Festival de Sundance.
Como é óbvio, não se trata de avaliar o filme (qualquer filme) em função dos prémios que teve ou não teve - Alfred Hitchcock também nunca ganhou um Óscar e essa não parece ser uma boa razão para pormos em causa a genialidade da sua obra. Acontece que Pop Aye constitui um belo exemplo de um valor, de uma só vez estético e humanista, que o cinema pode conter: a capacidade de contar histórias de lugares distantes, muitas vezes reduzidos a um certo pitoresco turístico, conferindo-lhes outra ressonância e emoções universais.
Escrito e dirigido por Kirsten Tan, uma jovem cineasta de Singapura, Pop Aye poderá resumir-se através de uma insólita sinopse. Assim, no seu centro encontramos a figura amargurada de Thana (Thaneth Warakulnukroh), arquiteto de prestígio, desiludido com a lógica de crescimento da sua empresa e enfrentando uma crise conjugal; um dia, numa rua, reconhece o elefante Pop Aye, cujo crescimento acompanhou na sua infância (e a que deu o nome, por sugestão de um desenho animado do marinheiro Popeye); imbuído de um misto de nostalgia e utopia, Thana decide devolver Pop Aye à aldeia onde ambos viveram...
É bem provável que o nosso bom senso (ocidental?) nos segrede ao ouvido que a história de Thana e Pop Aye é de tal modo inusitada que não aguenta qualquer avaliação realista. Talvez. Mas porque é que devemos encarar o realismo como uma exigência para contar uma história com um elefante? Vamos começar a demonizar o maravilhoso Dumbo (1941), uma das obras-primas de Walt Disney?
Seja como for, Pop Aye nada tem que ver com Dumbo, muito menos com desenhos animados. Pode mesmo dizer-se que o tal gosto realista existe na realização de Kirsten Tan, em particular na descrição dos lugares nem sempre muito felizes por onde os protagonistas vão passando. O certo é que o desejo de regressar às origens, vivido por Thana, pontuado pela elegância dos movimentos de Pop Aye, vai introduzindo no filme uma delicada dimensão de conto moral sobre a infância como eterno ponto de fuga do nosso mapa existencial.
No limite, Thana descobre-se, afinal, um peão algo desamparado no meio dos contrastes de uma sociedade em ziguezague entre o impulso do progresso e a energia da tradição. Em termos cinematográficos, conseguir sugerir tudo isso através de um elefante é mesmo uma ideia de peso.