Um compromisso incontornável em novembro

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O mundo tem um encontro marcado na manhã de 9 de novembro. Nesse dia, ou algumas semanas depois, se a votação for muito aproximada e os votos precisarem de ser recontados, os americanos darão o tom para o futuro das nossas vidas políticas, profissionais e pessoais.

As eleições intercalares dos EUA a 8 de novembro costumam ser um referendo sobre o partido no poder e, historicamente, o partido do presidente geralmente perde lugares, se não o controlo de uma ou de ambas as câmaras.

Desde há muitos meses que os republicanos têm estado confiantes na vitória tanto na Câmara dos Representantes como no Senado e, num ambiente político polarizado como o atual, isso significaria matar a agenda do presidente Biden.

De qualquer forma, a agenda de Biden sofrerá um duro golpe, o que terá repercussões em todo o mundo, muito além dos impactos dos eleitores em seis ou sete estados-chave nos EUA, que desta vez refletem com precisão a expressão americana "campo de batalha".

O mundo, nas últimas semanas, recebeu um novo baralho de cartas.

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A guerra na Ucrânia piorou, com uma mudança para táticas sírias dos russos contra infraestruturas e algumas façanhas ousadas da Ucrânia em perigosos bombardeamentos e sabotagens. O tema sobre as consequências nucleares foi levantado.

O inverno aproxima-se e, embora as reservas estejam cheias, a incerteza envolve o abastecimento futuro de combustíveis fósseis. O rearranjo das cadeias de fornecimentos para a máquina de exportação da Alemanha desacelerou a indústria automobilística e a maioria dos setores. O resto da Europa vai atrás.

Os rumores e a desinformação estão a ganhar um novo alento. Apenas um terço dos adultos nos EUA confia no que lê ou vê na comunicação social. Muitos preferem as frases curtas do Tik Tok para explicações políticas. Basta pensar que o Washington Post tem 1,5 milhões de assinantes no seu feed do Tik Tok. E uma afirmação memorável da Web Summit de Lisboa, da prestigiada Universidade MIT de Boston, foi que 70% das notícias imprecisas ou falsas são retuítadas. Entretanto, as notícias corretas levam seis vezes mais tempo para se espalharem pela internet. Uma característica sintomática é que as redes de televisão americanas estão a preparar Mesas da Democracia para desmascarar mitos e invenções na própria noite das eleições em tempo real. Isso é inédito.

Claro, a questão principal diz respeito à economia e aos orçamentos pessoais dos americanos. Embora haja oficialmente apenas 3,5% de desemprego e 10 milhões de empregos tenham sido adicionados à força de trabalho americana, muito mal-estar permanece na bomba de gasolina, assim como uma inflação desenfreada de quase 10%.

Uma sondagem da CNN nesta semana mostrou que os americanos consideram a economia como a principal questão - 51%. Enquanto questões sociais como o aborto estão a ficar em segundo plano com cerca de 15%.

Assim, está a perfilar-se um cenário de "A economia encontra a guerra". Novos setores do Partido Republicano estão de acordo com o possível novo líder maioritário da Câmara dos Representantes, Patrick McCarthy, que promete que o "cheque em branco não é automático para a aprovação de novas armas para a Ucrânia" - palavras suas.

Conseguirão os Estados Unidos travar uma guerra em duas frentes - uma contra a Rússia e outra iminente contra a China -, e continuar a financiar assistência médica, previdência social e fundos de emergência para impulsionar a economia?

A resposta provavelmente está contida nas urnas de seis ou sete estados, e uma vitória republicana provavelmente impediria Biden de sonhar com um novo mandato presidencial em 2024 nas eleições gerais.

Uma boa noite para o Partido Republicano teria duas consequências. A mais trivial seria o regresso de uma situação de xeque-mate em Washington. Os republicanos tentariam destituir Biden e os democratas fingiriam importar-se com isso. Mas o verdadeiro dano seria se os republicanos cumprissem a sua ameaça de não aumentar o teto da dívida dos EUA, o que poderia desencadear um crash do mercado em Wall Street.

Os seis estados a merecerem atenção são Arizona, Geórgia e Nevada, que os democratas precisam para manter os seus senadores, enquanto Ohio, Pensilvânia e Wisconsin são os lugares no Senado ocupados pelos republicanos.

Tomemos apenas dois estados, Arizona e Pensilvânia.

No Arizona, a disputa é entre o titular Mark Kelly (ex-astronauta e marido da ex-congressista democrata Gabrielle Giffords) e Blake Masters, um trumpista e um dos candidatos republicanos mais controversos. Ele abraçou o apelo para negar a legitimidade das eleições presidenciais de 2020 e tem feito uma campanha consistente contra o aborto. Kelly é moderado e um dos melhores angariadores de fundos dos democratas.

A Pensilvânia está a atrair a maior atenção da comunicação social. Os republicanos nomearam o famoso médico da televisão Mehmet Oz, nascido na Turquia e o primeiro candidato muçulmano a ser indicado por qualquer um dos partidos para o Senado. O seu adversário democrata, o vice-governador John Fetterman também é um personagem peculiar: uma figura fisicamente imponente, ele é tatuado e faz campanha de sweatshirt com capuz e calções de ginástica. Ele apoia políticas que o alinham com a ala liberal do seu partido, como a da saúde. A recuperar de um acidente vascular cerebral, ele usou um sistema de teclado digital para o auxiliar no debate televisivo com Oz.

A acrimónia e os insultos a nível estadual também se traduziram em violência física.

A ansiedade sobre o espectro de uma guerra civil nos EUA vem em crescendo desde a invasão do Capitólio em 6 de janeiro de 2021. A tentativa de ataque da última sexta-feira à líder da maioria Nancy Pelosi, na qual um suposto sequestrador empunhando um martelo invadiu a sua casa em São Francisco, deixou as pessoas a pensar. O seu marido de 82 anos foi hospitalizado com o crânio fraturado. Isso alimentou mais medos.

Então, porque é que tantos eleitores americanos veem uma democracia saudável como algo "bom de se ter", mas não decisivo? Esta é principalmente a preocupação das elites. Os preços da gasolina na bomba e a segurança física (quando a taxa de homicídios em todo o país está a aumentar) estão num lugar muito mais cimeiro nas prioridades dos eleitores.

Professor e especialista em media internacional, foi correspondente estrangeiro em Portugal e vive agora em Lisboa.

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