As paredes da Associação Naval de Lisboa estão cheias de história. Tem a data de 1854 o "Regulamento das Regattas do Tejo" que ali está exposto. E é de 1856 o cartaz emoldurado que dá a conhecer o programa de uma regata em Paço d'Arcos "sob a proteção de Sua Magestade Fidelíssima o Rei D. Pedro V". Nos dois anos que passaram entre um e outro foi constituído aquele que é atualmente o clube desportivo em atividade mais antigo de Lisboa e do país, além de ser o clube náutico mais antigo da Península Ibérica..A influência britânica ainda se fazia sentir em Portugal, depois das invasões francesas e da guerra civil entre liberais e absolutistas, quando se realizaram as primeiras "corridas de barcos" no Tejo. Os grandes impulsionadores dessas primeiras "regatas" conseguiram o apoio do infante D. Luís e a 6 de abril de 1856 criaram a então designada Real Associação Naval, a qual só nasceu formalmente no dia 30 desse mês, depois de o rei D. Pedro V ter assinado os estatutos. Hoje, com 165 anos, a associação está organizada em duas secções: a de vela, com sede na Doca de Belém, e a de remo, sediada na Doca de Santo Amaro.."Os fundadores do nosso clube foram os reis. Foram os barcos à vela da corte, que começaram a fazer as primeiras regatas. Com os marinheiros desses barcos à vela faziam regatas de remo, competiam entre eles para ver quem tinha a tripulação mais forte... E começou assim o remo e a vela em Portugal, há mais de 200 anos", realça Luís Reis, presidente da secção de remo da associação. "O clube, naturalmente, passou por épocas difíceis", admite Eduardo Marques, o homólogo da secção de vela. "Imagine o que foi a implantação da República, criou algum distúrbio", exemplifica, lembrando que, em 1911, a Real Associação Naval foi obrigada a mudar de nome e passou a chamar-se Associação Naval de Lisboa, como hoje. Agora as dificuldades são outras.."Não é fácil. Vamos sobrevivendo", admite Eduardo Marques. "A captação de patrocínios é difícil" e a associação vive sobretudo dos praticantes, dos cursos, de algum apoio da câmara e dos cerca de 600 sócios. Sentem-se verdadeiros "ocupas", no que respeita à sede da secção de vela, um edifício construído para a Exposição do Mundo Português, em 1940, que lhes foi atribuído mas que não lhes pertence. "É um edifício provisório. É construído em estafe, portanto é uma estrutura de ferro e umas paredes de gesso", realça Eduardo Marques. Luís Reis chama a atenção para o fresco da autoria de Miguel Barrias que ilustra a embaixada de D. Manuel ao Papa Leão X em 1514 e que está logo à entrada do edifício. "Queremos preservá-lo", garante Eduardo Marques. Mas não há verbas e procuram um mecenas para aquela empreitada.."Nós temos um grande passado, com muita história, e também gostaríamos de ter um grande futuro. Para isso, gostaríamos de ter novas instalações com mais espaço, com mais dignidade, para que não sejam clubes náuticos com instalações do tempo da segunda guerra mundial", diz Luís Reis. O presidente da secção de remo realça, contudo, que a associação não requer grandes infraestruturas. "Não precisamos de grandes instalações náuticas, nem de pavilhões, nem de piscinas, nada de estruturas complexas". Para a modalidade que lhe diz respeita precisam "de um hangar para guardar barcos, uns balneários, algum espaço para o ginásio e do rio. Gostaríamos de ter instalações modernas e, com isso, conseguirmos projetar Lisboa e as atividades náuticas em Lisboa", apela Luís Reis, salientando que isso não se faz apenas com sedes novas..Num país que se diz de marinheiros e numa cidade abraçada pelo Tejo, as dificuldades estruturais são muitas. "O rio, desde Pedrouços até à Expo tem uma muralha. Esta muralha é ótima para andar a passear a pé ou de bicicleta, mas impede o acesso à água de embarcações ligeiras. Isto é um facto que dificulta muito o desenvolvimento da vela ligeira em Lisboa. Temos aqui uma pequena rampa onde entram ao fim de semana cerca de 100 barcos. Se cada um demorar um minuto a entrar na água estamos a falar em horas para pôr toda esta gente dentro de água", constata o presidente da secção de vela. A secção de remo só há pouco tempo conseguiu uma rampa na doca de Santo Amaro e graças ao orçamento participativo da Câmara. "Para Lisboa ter mais atividade náutica, mais desportos náuticos precisamos de francos acessos, bons acessos à água em diversos pontos da cidade", alerta Luís Reis..E precisam também que se acabem com os preconceitos acerca dos custos destas modalidades. "A vela hoje é um desporto acessível. Não digo toda a gente, mas qualquer pessoa de classe média pode ter o seu barco. Mas há também a vela ligeira em que há os clubes, como nós, que disponibilizamos embarcações para os sócios poderem usufruir, para poderem velejar, para aprenderem", realça Eduardo Marques, que se chateia sempre que vê a imagem de um barco associada à ideia de riqueza. "Passaram 165 anos, mas o estigma nem sempre é fácil"..Pensar no futuro.As embarcações da secção de remo estão avaliadas em 300 mil euros. "Nós temos um grande património de barcos. Era possível pôr 250 pessoas a remar ao mesmo tempo", congratula-se Luís Reis. E indica a "joia da coroa", uma embarcação feita de fibra de carbono, apropriada para as águas do Tejo, que custou 25 mil euros e que é igual a uma outra feita para o príncipe do Mónaco..Apesar de diferentes, ambas as modalidades, remo e vela, "são importantes para o clube, para a literacia náutica, para as pessoas conhecerem o rio", defende Luís Reis. "O clube dá a oportunidade de conhecer estas duas variantes náuticas, que são os desportos mais antigos a nível mundial. Remar e velejar são desportos que há desde sempre. Estão no início dos Jogos Olímpicos"..Vários sócios da associação integraram, aliás, equipas olímpicas e trouxeram medalhas para Portugal. Conquistas que orgulham o clube, mas que não deixam os dirigentes agarrados ao que passou. "É certo que os irmãos [Mário e José] Quina foram medalha de prata em Roma, mas Roma já foi em 1960, já foi há uns anos... Isso é passado, queremos pensar mais em futuro", remata Eduardo Marques.