Um capitão também serve para afirmar umas tantas verdades
"Nunca pensei que podia ser campeão do mundo, sinceramente. Temos de ser humildes e reconhecer a capacidade que temos" (...) "Se analisarem a qualificação, o "play-off", não há milagres. Por isso sabíamos que íamos ter uma fase de grupos complicada" (...) "Seleção média? Se calhar, sim. Seria mentir da minha parte se dissesse que éramos uma seleção de "top"" (...) "Há que levantar a cabeça, perceber que há melhores seleções do que a nossa e jogadores melhores do que nós"
Cristiano Ronaldo depois do empate (2-2) com os EUA
Há verdades que embora entrando pelos olhos dentro precisam de ser reconhecidas por quem de direito. Por isso, Cristiano Ronaldo (CR) fez bem em falar. Só ele tem estatuto para dizer o que disse sem ser questionado sobre as motivações. Ele di-lo porque é claro que a seleção portuguesa não pode continuar a ser vergastada pelas responsabilidades que outros, sobretudo os adeptos e alguns jornalistas, querem colocar-lhe sobre as costas. Quanto ao timing, é claro que Cristiano Ronaldo não o podia dizer antes. E depois do último jogo seria um pouco tarde. Disse-o. Está dito. Fez bem. Parabéns.
O problema está em que muita gente continua a olhar para a seleção como se Cristiano Ronaldo ainda estivesse escoltado por Figo, Deco e Rui Costa - já para não falar de Ricardo Carvalho, Jorge Andrade, Costinha, Tiago, Pauleta, Maniche, Paulo Ferreira, etc., - como estava em 2004 e, até, 2006. Não está. E essa equipa será irrepetível nas décadas mais próximas, porque não é racional admitir que uma seleção de um país de dez milhões de pessoas possa voltar a juntar tantos talentos sem que decorra um largo espaço de tempo. As coisas acontecem. E acontece que, neste caso, falhámos a nossa janela de oportunidade: a final do Euro 2004 e o Mundial 2006. Logo a seguir, a Espanha não falhou. Mas também esse projeto acaba neste Mundial do Brasil. Tudo tem o seu tempo e não há drama nenhum. É da vida e, no desporto, da biologia.
Agora há que esperar pela renovação percebendo que a seleção se apurou sempre in extremis para os dois últimos Mundiais e para o Europeu de há dois anos, no qual o inesperado foi que tivesse conseguido chegar às meias-finais. Mesmo esta geração estava na altura num plano superior. Hoje, Cristiano Ronaldo transporta os problemas físicos que estão à vista (e sobretudo se confirmam quando o "capitão" finalmente reconhece que podia ter ficado sossegado em casa a desfrutar da boa temporada no Real Madrid em vez de ter ido dar a cara por um projeto de que indubitavelmente gosta). João Moutinho acabou sendo suplente no Mónaco e eleito a transferência mais falhada da Liga francesa. Raul Meireles nem sempre joga na sua equipa. Nani, idem. Veloso é indiscutível na Ucrânia. O meio-campo não tem alternativas. E podíamos continuar por aí. No fim, a conclusão é a de CR: a equipa tem qualidade média mas nas grandes competições não é de top. Em consequência, não se impõe e depende de demasiadas circunstâncias. Essa realidade tem de ser vista sem dramas porque o futebol é apenas um jogo.
Restam as circunstâncias pontuais. Muita gente gostaria de ter visto Paulo Bento colocar CR a ponta-de-lança. Se o jogador está com problemas e não intervém nos processos defensivos, essa opção teria defendido melhor a equipa, que passou o jogo a defender com nove (sem CR nem Éder). É pena que não tivéssemos visto também Varela mais cedo (quando saiu Postiga), tal como William e Veloso na posição de Meireles. Mas tudo isto, francamente, talvez não tivesse mudado o que quer que fosse. Afinal de contas, a equipa de Paulo Bento ao intervalo ganhava por 1-0. E a outra, a que gostávamos de ter visto, perdeu 1-2 na segunda parte...
Tudo somado: obrigado a Ronaldo por devolver a seleção à realidade das coisas simples. Um agradecimento extensivo a todos os jogadores por terem tentado. Ainda assim, nas suas atividades, eles continuam acima da média nacional.