Um amor vulcânico

Com selo National Geographic, Vulcão: <em>Uma História de Amor</em>, de Sara Dosa, é menos um filme científico do que uma crónica romântica do casal de vulcanólogos Katia e Maurice Krafft. Um documentário nomeado para Óscar, disponível no Disney+.
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A primeira vez que ouvimos falar de Katia e Maurice Krafft foi no documentário Into the Inferno (2016), com o sempre incansável espírito curioso de Werner Herzog, acompanhado pelo vulcanólogo britânico Clive Oppenheimer, na perseguição da força e mitologia dos vulcões. É um tema absolutamente legítimo no universo do cineasta alemão, que voltou a ele - ou melhor, ao referido casal de vulcanólogos franceses - no recente The Fire Within: A Requiem For Katia and Maurice Krafft. Por alguma razão, este último título passou despercebido na imprensa internacional. E a razão chama-se Vulcão: Uma História de Amor, da americana Sara Dosa, objecto documental lançado no mesmo ano e centrado nos mesmos protagonistas, que claramente ofuscou a existência do filme de Herzog... Agora nomeado para o Óscar de melhor documentário, este conto de lava amorosa pode ser visto no Disney+.

É, de facto, de amor que se trata. Dosa mergulhou nos arquivos de Katia e Maurice Krafft para tentar "escrever", através de imagens captadas pela própria dupla, a história mágica da sua relação inscrita num autêntico mapa vulcânico. Desde os anos 1960, quando começaram juntos a percorrer vulcões em atividade, até 1991, quando morreram na erupção de um deles (no Monte Unzen, Japão), o casal pioneiro criou uma mística à volta da ideia de perigo. Em entrevistas, davam a entender que não se importavam com a morte, preferindo uma vida curta e intensa a longa e monótona. Nas palavras de Katia: "A curiosidade é mais forte que o medo". Ou seja, uma coisa anula a outra. E foi mesmo o impulso da curiosidade que os levou na incessante observação de vulcões - cada um com o seu estilo dentro do trabalho conjunto -, tornando óbvio o desígnio científico assente numa obsessão romântica.

Enquanto documentário, Fire of Love (no título original) inclina-se para uma visão que deve menos à tal vertente científica do que à interpretação poética. E nesse sentido, Dosa usa as imagens impressionantes recolhidas pelos Krafft como matéria especificamente emotiva, qual espetáculo de conotação íntima, enquadrado pelo culto que une duas pessoas numa espécie de eternidade performática. Fica bastante claro que eles nutriram o seu próprio mito.

Por vezes, o facto de o filme não "pesquisar" muito mais do que a psicologia do casal, e o seu amor alicerçado no trabalho científico, pode parecer pouco para sustentar o retrato, mas a verdade é que a realizadora consegue manter a chama até ao fim com o tratamento meditativo das imagens. Desde logo sugerindo a fatalidade deste amor, entre o tom trágico (mas sereno) e a doçura do texto lido em off por Miranda July. Se podia aprofundar o seu estudo sobre uma certa fixação pelo perigo, que implicava a busca constante da vertigem por parte dos protagonistas, isso é outra história... Seja como for, aquilo que Dosa faz com a sua montagem narrativa e passional dos materiais disponíveis é mais do que suficiente para provocar um sentimento de fascínio face ao mistério Katia e Maurice Krafft e sua devoção extrema: a linguagem violenta da Natureza em forma de lava e fumo.

dnot@dn.pt

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