Um aficionado dos cavalos que quer nova medalha olímpica cem anos depois da primeira 

Bruno Rente, presidente da Federação Equestre Portuguesa e CEO da OPAL.
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Era verão e o público de Paris aguentava em expectativa sob o sol a fazer-se mais quente. A prova final viria compensar esforços: José Mouzinho de Albuquerque, Aníbal Borges de Almeida e Hélder de Sousa Martins, todos oficiais de cavalaria, tornavam-se nos primeiros atletas olímpicos a trazer uma medalha para Portugal. Com a equipa a somar 53 pontos de penalização na prova de obstáculos, passava para trás da Suíça (50) e da Suécia (42,5), mas garantia o terceiro lugar no Prémio das Nações e a estreia medalhística do país, em bronze.

Doze anos depois, em Berlim, Domingos de Sousa Coutinho, José Beltrão e Luís Mena e Silva repetiam a proeza na mesma prova, e em 1948, em Londres, caberia a Fernando Silva Paes, Francisco Valadas Júnior e Luís Mena e Silva voltar a subir ao pódio (no mesmo ano em que os irmãos Duarte e Fernando Bello nos davam a primeira Prata).

Cem anos passados sobre essa estreia nos caminhos da glória olímpica, Bruno Rente quer voltar a pôr o hipismo no mapa das conquistas portuguesas. É o próprio presidente da Federação Equestre Portuguesa (FEP) que mo diz, à mesa da ainda deserta sala do Jockey. O restaurante só abre para servir o almoço, mas o senhor Rafael foi sensível aos argumentos de um habitué e amigo, que lhe pediu que nos preparasse um brunch adequado à presente rubrica. E o senhor Rafael não podia ter sido mais bem sucedido. Lá iremos adiante.

O cenário não podia adequar-se mais ao encontro com alguém como Bruno Rente, um aficionado confesso de cavalos quase desde o portuense berço, que descobriu o hipismo aos 9 anos e monta sempre que pode. E até tem "uma pequena eguada em Valença do Minho, na quinta da família", que serve também de poiso a equinos em fim de carreira, que é como quem diz aos "cavalos de amigos que ali os instalam para viver verdadeiras reformas douradas em ambiente de luxo".

Ao fim da alameda em que se sucedem as faculdades da Universidade de Lisboa, em pleno Campo Grande, a Sociedade Hípica Portuguesa é sempre um lugar de paz, uma fatia do maravilhoso mundo rural que subsiste no centro da cidade. E o clube que junta atletas hípicos e meros apaixonados por cavalos deixa-nos sempre um sentimento de conforto na alma. Ainda mais quando à mesa há um desfile de petiscos especialmente preparados para a ocasião.

O brunch do senhor Rafael inclui ovos mexidos, sumo de laranja, pão doce com fiambre e pães estaladiços, acabados de sair do forno, manteigas e requeijão com doce de abóbora. Enquanto vamos desbravando o caminho gastronómico, Bruno vai-me explicando porque razão ele, que tem a cargo a histórica OPAL, agência de publicidade fundada pelo pai em 1962, decidiu responder ao desafio que "alguns amigos desafiaram" a abraçar: liderar a Federação Equestre.

Bruno Rente tem a vida repartida entre o Porto, onde tem as raízes e a sede da agência, Coimbra, onde se situa a gráfica entretanto acrescentada ao grupo, tal como outros negócios complementares, inclusivamente no marketing, e Lisboa, onde vive com a mulher, que trabalha em tecnologia da saúde, e os três filhos: Salvador, de 12 anos, Mafalda, de 11, e Benedita, de 9. "Chego a pensar que estou sediado é no carro", brinca, com o mesmo ar seráfico, mais britânico do que português, com que vai relatando os seus objetivos para o hipismo português.

Apostado em trazer mais jovens para o desporto federado, em atrair mais atenções para uma modalidade que se desenha em traços profundos no próprio ADN português e em dar relevo a uma área em que somos histórica e comprovadamente valorosos, à frente da FEP, Bruno Rente desenhou um caderno de encargos ambicioso. Que passa por dar a conhecer o mundo dos cavalos a quem ainda está convencido que é preciso ter muito dinheiro e uma vida especial para ali se integrar.

"Ainda neste fim de semana trouxemos aqui uns 30 miúdos para montar, vamos fazendo ações com eles, trazemos o Comité Olímpico, que lhes transmite valores... porque nós temos pegada no desporto equestre, temos esta ligação ao campo, temos a tradição do cavalo lusitano, do garrano, e é preciso reavivar e dar eco disso. É preciso sairmos do picadeiro", resume.

Não é que as provas de saltos, dressage e raides estejam propriamente em vias de extinção: há hoje 8500 atletas federados, além de todos os apaixonados que até aos 80 anos ou mais continuam a montar. "Temos grandes atletas no topo do ranking na casa dos 50 anos", frisa Bruno, lembrando ainda que se trata de um desporto totalmente igualitário, já que homens e mulheres competem nas mesmas provas em conjunto, "de igual para igual", e mais do que representado pelo lado feminino: em Portugal, em cada cinco atletas, quatro são mulheres e um homem.

E mesmo em ano de covid e com uma pandemia semelhante nos equídeos - a AIV, herpes vírus, obrigou a Federação Equestre Internacional a cancelar uma série de eventos -, o país teve um incremento de 15% no número de atletas federados.

Mas Bruno Rente quer muito mais do que isso, quer os cavalos a fazer parte da vida de cada vez mais portugueses, a substituir os jogos eletrónicos nos gostos e atividades dos mais novos. "Qualquer miúdo que faça uma festa a um pónei esquece logo a PlayStation"; o que é preciso é convencer os pais de que há um mundo muito mais saudável e bom à espera deles. E acessível a todos os que queiram entrar neste universo.

"A competição, nesta como noutras modalidades, é cara, claro; implica muito investimento e poucos apoios. Mas a prática do hipismo não, não é algo elitista", desconstrói. E para melhor o provar, está a empreender esforços junto de autarquias, escolas e clubes para aproximar crianças e jovens dos cavalos. "Esposende, por exemplo, tem um programa em que assume todos os custos de alunos", relata, exemplificando ainda com os raides, que só se praticavam de Montemor para baixo e que ele está a espalhar ao centro e norte do país, com a equitação de trabalho, em que já fomos campeões do mundo e que quer disseminar pelos clubes, com a Semana Equestre da Juventude, que vai juntar, na Páscoa, miúdos de escolas e ATL para competir e aprender, para conhecer e experimentar este mundo.

Se a vida dos cavalos é o que hoje mais o ocupa, empenhado que está em levar a bom porto a estratégia que desenhou e a atingir o objetivo da medalha olímpica em 2024 - "por causa da covid, este é o único mandato que inclui dois ciclos olímpicos e consegui-lo cem anos depois da estreia seria fabuloso" -, gerir a agência portuguesa mais antiga ainda em atividade não é trabalho menosprezado. "OPAL queria dizer Organização de Publicidade Artística, Lda, e era isso mesmo, são artistas, donos de uma criatividade extraordinária que tanto se aplica num dia a vender detergentes como no outro automóveis ou vinho."

"A diversidade é enorme e adoro esta vertente", confessa Bruno Rente, que tem hoje a seu cargo 40 pessoas na agência. E se sentiu o impacto da covid, primeiro no fecho de toda a atividade - "as pessoas não saíam, logo não viam outdoors, não compravam jornais, não consumiam produtos" -, depois pela falta de chips e pela crise da logística ("já havia vontade de comunicar e vender, mas não havia produto"), não foi coisa que fizesse perder muito gás à OPAL. "O volume de negócios quebrou um pouco, mas compôs-se."

E como se consegue coordenar as duas atividades? "Com rigor, organização para juntar tudo e boas equipas", diz, sem hesitação. E garante que as tem. Além de amigos que foi fazendo por toda a parte. Depois de estudar no colégio Helen K, no Porto, e na Universidade Fernando Pessoa, foi na Católica de Lisboa que Bruno juntou a Gestão à Publicidade e Marketing .

Aos 47 anos, o profissional e apaixonado hípico garante que ainda tem muito que fazer, sobretudo motivado pelo "talento que temos, pelos bons cavalos que temos e pela capacidade incrível que se acumula aqui". Com os cafés a chegar para dar quase por terminada a nossa conversa, confessa que gostaria de deixar "mais federados, mais presença equestre no dia a dia dos portugueses, desenvolver clubes e hipódromos (hoje a rede tem 250), certificar formação, infraestruturas, criar pilares de desenvolvimento". É a missão que assume nestas funções de valorizar o mundo equestre.

É a paixão que o move, uma paixão tão antiga que se confunde com a sua história, e sempre tão íntima que quando lhe perguntavam se tinha aquecido (numa fase em que sofreu uma lesão nas costas), respondia com os exercícios de aquecimento que tinha feito o cavalo.

"O bem-estar do animal é fundamental para nós neste mundo, investimos muito mais e, veterinários e ferradores do que em qualquer outra coisa porque queremos que estejam bem. Somos uma equipa e se o cavalo não estiver bem nós também não estaremos."

É esse princípio que aplica aos seus dez animais, treinados diariamente quando estão a perfilar-se para competições, observados desde poldros a adivinhar-lhes o potencial.

Talvez um deles ainda lhe traga um presente especial. "Os meus três filhos montam, mas a do meio é muito aficionada, faz provas de dressage e obstáculos..." Profissionalizar-se é um objetivo? "Eu só quero que eles sejam felizes", garante, antes de nos despedirmos.

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