Um 'nerd' mulherengo que adora pesadelos
Numa tarde igual a qualquer outra, o pequeno James Cameron muniu-se de um balde de tinta e de um frasco de maionese vazios e improvisou um submersível. Rumou à ponte sobre o rio Chippawa, que banha a vila canadiana homónima, colocou um rato no interior da sua invenção e não pensou duas vezes: atirou-a à água. "Depois puxei-a. O rato estava bem de saúde", brincou o cineasta anos mais tarde.
Ninguém diria nesses idos anos 1960 que, cerca de meio século depois, o rio Chippawa daria lugar ao vale Challenger Deep, na fossa das Marianas, no oceano Pacífico, e o próprio cineasta viria a substituir o pequeno roedor. Foi no passado dia 26 de março, a bordo do Desafio Deepsea, um veículo submersível especialmente desenvolvido para essa tarefa, que Cameron mergulhou a uma profundidade de mais de 11 quilómetros. Aquela inocente brincadeira de menino, movida apenas pela sua necessidade de descoberta, acabaria por se tornar um marco na história da ciência. James Cameron foi o primeiro humano a viajar sozinho ao local mais profundo da Terra. "É um lugar muito lunar, muito desértico, muito isolado. Tive a impressão de ter passado de um planeta para outro e de regressar ao primeiro no espaço de um dia. Bater no fundo nunca soube tão bem!", exclamou. As imagens que recolheu ao longo de três horas vão fazer parte do documentário que realizou para o National Geographic Channel e que em Portugal será emitido na quarta-feira, dia 11.
A paixão pelo desconhecido marcou a infância passada em Chippawa. Apesar de ter nascido em 1954 em Kapuskasing, também em Ontário, no Canadá, Cameron cresceu naquela vila junto às cataratas do Niágara. O pai, Philip, era engenheiro eletrónico. "O científico", contou. A mãe, Shirley, era uma artista que exercia enfermagem. "Ela era o verdadeiro espírito livre, a apaixonada, a louca, a criativa", resumiu, admitindo que recebeu "influência dos dois". Afinal, foi a mãe quem o levou a pintar, chegando mesmo a conseguir que o filho fizesse uma exposição numa galeria local, e o pai quem lhe suscitou uma "curiosidade insaciável pela ciência".
Aliás, os passatempos de Cameron tinham apenas duas vertentes. "Em miúdo era basicamente um nerd que passava o tempo todo embrenhado nos bosques perto da casa dos meus pais. Adorava estar sozinho a recolher insetos e rãs. Só sabia fazer uma de duas coisas: andar a explorar coisas ou dedicar-me à arte. Um sábado ideal para mim era passado em museus.
Garanto que isto não era ser popular", disse Cameron em entrevista a James Lipton no programa Inside the Actors Studio.
Essa "curiosidade insaciável pela ciência" nunca o abandonou. Nem quando em 1997 realizou Titanic, filme que na época conseguiu a maior receita de bilheteira da história do cinema - marco apenas ultrapassado em 2009 com Avatar, também de Cameron. "Fiz o Titanic não porque quisesse fazer o filme, mas porque a minha obsessão era chegar aos restos mortais do navio. Foi uma penitência para mim começar a realizá-lo. Claro que depois me apaixonei pela história e pelas personagens. Mas o meu objetivo era conseguir dinheiro para financiar a expedição", revelou depois o cineasta.
A paixão pelo cinema surgiu muito antes, mais precisamente em 1968, tinha James Cameron 14 anos. Nesse ano Stanley Kubrick levou ao grande ecrã o clássico 2001: Odisseia no Espaço e o então jovem nerd percebeu que conseguiria unir duas das suas paixões: ciência e arte. "Foi quando vi esse filme a primeira vez que entendi que o cinema não é só ciência, jogos de luzes e linhas que se cruzam de forma pensada. É também arte. Umas semanas mais tarde estava a construir modelos de naves espaciais, a colocar luzes em seu redor, um pano de veludo preto por detrás e a pegar na câmara de 8 mm do meu pai. Estava a fazer um filme", recordou.
Estava traçado o seu futuro. Passados mais de 30 anos a realizar sucessos como O Exterminador Implacável (1984), Aliens (1986), O Abismo (1989), Titanic (1997) e Avatar (2009), Cameron revelou um dos seus segredos: os pesadelos. "Foi assim que nasceu o 'exterminador'. Sonhei com ele. Adoro pesadelos. São excelentes porque acordo e começo logo a escrever o que sonhei. É sempre bom material!"
As mulheres da sua vida... e o mau feitio
Os filmes de James Cameron são geralmente protagonizados por mulheres com uma personalidade forte. Já na vida real, o realizador vai atualmente no seu quinto casamento. Depois de se ter divorciado da colega de escola Sharon Williams, da produtora Gale Anne Hurd, da intérprete Kathryn Bigelow e da atriz Linda Hamilton, Cameron parece finalmente ter encontrado a mulher ideal para si. "Casei cinco vezes. Sou um perfeccionista, por isso fui tentando até acertar. O que já consegui, posso adiantar! Suzy Amis é um bom partido", afirmou o cineasta em 2009 em entrevista à revista Playboy.
Cinco casamentos, dos quais resultaram um filho... e quatro filhas. Mais mulheres na sua vida. "Se há um ou dois temas que percorrem toda a sua vida e carreira, as mulheres estão no topo dessa lista. Elas e a autodeterminação", explicou William Wisher, um dos seus grandes amigos. Já Vanessa Thorpe explicou que o próprio Cameron justificou "este seu longo rol sugerindo que, como se sente atraído por mulheres fortes, elas depressa percebem que não precisam dele".
Porém, e apesar do seu sucesso, nem todos os profissionais que com o cineasta trabalharam querem repetir a experiência. O escritor Orson Scott Card, autor de um livro baseado na história de O Abismo, apelidou-o de "egoísta e cruel" e afirmou que trabalhar com Cameron "é o inferno na Terra". Também Kate Winslet, depois de ter protagonizado Titanic, decidiu não voltar a ser dirigida por James Cameron, a não ser que lhe paguem muito bem. Porquê? Porque "ele é ótimo no que faz, mas tem uma personalidade muito complicada de se lidar", explicou.
A este propósito, James Cameron, que já se tinha afirmado uma pessoa em busca da perfeição, afirmou: "Se vives a perseguir o dragão do dinheiro, não o ganharás. Se seguires o teu coração e fizeres as coisas com paixão, o dinheiro e os elogios chegarão porque trabalhas de uma forma pura."