Turquia põe fim a sonho presidencialista de Erdogan
Do sonho da maioria de dois terços ao pesadelo de nem sequer chegar à maioria absoluta. O Partido da Justiça e Desenvolvimento (AKP), do presidente Recep Tayyip Erdogan, foi o mais votado mas não conseguirá governar sozinho a Turquia, como acontece há 12 anos. O resultado negativo deve-se não só à perda de votos (de quase 50% em 2011 para 41%), mas também à entrada dos curdos do Partido Democrático Popular (HDP) na Assembleia Nacional, depois de terem conseguido ultrapassar a fasquia mínima de 10%. Dessa forma, anularam o bónus de deputados que inflacionava os números das outras formações.
O AKP deverá conquistar 258 deputados (num total de 550), ficando a 18 da maioria absoluta (até agora tinha 311). O desejo de Erdogan, que foi eleito presidente em agosto com 52% dos votos após mais de uma década como primeiro-ministro, era conquistar a maioria de dois terços para proceder à revisão constitucional. O objetivo seria dar mais poderes ao chefe do Estado, transformando a república parlamentar num regime presidencialista.
"A decisão do povo é a decisão mais correta", disse o primeiro-ministro Ahmet Davutoglu (que sucedeu a Erdogan na liderança do AKP), na primeira reação aos resultados. "Os eleitores disseram claramente não ao presidencialismo", defendeu Murat Karayalcin, dirigente do Partido Republicano do Povo (CHP) em Istambul. A formação laica e social-democrata volta a ser o principal partido da oposição, ao conquistar 25% dos votos e 132 deputados.
Festa curda
Na cidade de Diyarbakir, a principal do Curdistão turco, os 13% de votos do HDP foram recebidos com fogo--de-artifício. O partido liderado por Selahattin Demirtas conquistou 79 deputados, um resultado surpreendente para a formação que em algumas sondagens nem chegava aos 10% necessários para entrar na Assembleia. "A discussão de uma presidência executiva e ditadura chegaram ao fim na Turquia", afirmou Demirtas, considerando o resultado do HDP uma vitória "para quem quer uma nova constituição pluralista e civil".
O HDP fez campanha não só a pensar nos curdos (20% da população da Turquia) mas também nos eleitores de centro-esquerda e laicos que estão desiludidos com Erdogan. Mas a sua entrada na Assembleia poderá ser um passo em frente para o processo de paz no Curdistão, que conheceu avanços e recuos desde o início das conversações em finais de 2012. Em 1984, o Partido dos Trabalhadores do Curdistão (PKK), de Abdullah Ocalan, pegou em armas pela independência e, nas três décadas de conflito, morreram mais de 40 mil pessoas. Ocalan está preso desde 1999.
Coligação ou minoria?
O Partido de Ação Nacionalista (MHP), de direita, poderia ser um eventual parceiro de coligação do AKP, depois de ter arrecadado quase 17% dos votos. Mas um responsável do partido de Erdogan disse à Reuters que esse cenário é pouco provável. O AKP, explicou, deverá optar por formar um governo minoritário e conquistar o apoio para antecipar as eleições. "Se houvesse uma coligação AKP-MHP, então nem sequer conseguiríamos atingir esta percentagem de votos na próxima eleição", afirmou.
O próprio MHP indicou ontem ser muito cedo para pensar numa coligação. "Seria errado para mim falar de coligações, o partido tem de avaliar isso nos próximos tempos", adiantou à Reuters o vice-presidente do MHP, Oktay Vural, dizendo que o AKP terá de fazer a sua própria análise dos resultados.
Durante a campanha, tanto Erdogan como Davutoglu alertaram para o risco que implicava a perda da maioria, lembrando os anos de coligações frágeis, instabilidade económica e golpes. Mas, para os investidores ouvidos pela Reuters, um governo de minoria do AKP é o cenário mais favorável, já que evita a incerteza de uma coligação, mas também afasta a hipótese de ter Erdogan com poderes reforçados. Contudo, ontem, a lira turca estava em queda em relação ao dólar.