Turcos voltam às urnas entre impasse político e receios de violência

Depois de o AKP do presidente Erdogan ter perdido a maioria absoluta em junho, estas são as segundas eleições em cinco meses.
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As eleições legislativas antecipadas de hoje na Turquia, as segundas desde junho, arriscam-se a eleger um parlamento muito semelhante ao que originou o atual impasse político, num país em profunda crise estrutural.

O Partido da Justiça e Desenvolvimento (AKP, islamsita e conservador) vai tentar recuperar a maioria absoluta que mantinha desde 2002 quando chegou ao poder sob a liderança do seu fundador e atual chefe de Estado, Recep Tayyip Erdogan.

"É óbvio nas eleições de hoje como a estabilidade é importante para a nossa nação e hoje os nossos cidadãos vão fazer as suas escolhas com base nisso", afirmou Erdogan depois de votar no bairro de Camlica, no lado oriental de Istambul. O presidente surgiu acompanhado da mulher, de veu dourado, e rodeado de fortes medidas de segurança, com snipers colocados nos telhados vizinhos.

Para chegar à maioria absoluta, que as sondagens continuam a contrariar, o partido islamita centrou o seu discurso na necessidade de defender a Turquia como a "ameaça terrorista", colocando as forças 'jihadistas' e curdas num plano similar.

O AKP, que obteve 40,9% dos votos em junho (258 dos 550 deputados num universo de 56,6 milhões de eleitores), desencadeou esforços redobrados para, no mínimo, recuperar os 18 lugares que lhe faltam para a maioria absoluta.

No entanto diversas sondagens indicam que o partido de Erdogan e do atual primeiro-ministro, Ahmet Davutoglu, poderá recuar de novo na votação, para além de preverem que a formação de esquerda e pró-curda Partido Democrático dos Povos (HDP, de Selahattin Demirtas e Figen Yuksekdag) - que entrou no parlamento em junho com uns surpreendentes 13,1% - conseguirá resistir a cinco meses de grande desgaste e tensão política e manter-se no parlamento, inviabilizando de novo o principal objetivo dos islamitas-conservadores e o desejo de um reforço do regime presidencial pretendido por Erdogan.

A impossibilidade de garantir acordos de coligação após as eleições de junho implicou a realização de novo escrutínio, mas num cenário de profundas alterações políticas e sociais que o país registou nos últimos cinco meses, numa pesada atmosfera de pré-guerra civil.

Todas as projeções indicam que apenas os quatro principais partidos - AKP, Partido Republicano do Povo (CHP, social-democrata, de Kemal Kiliçdaroglu, 25% em junho), Partido de Ação Nacionalista (MHP, liderado por Devlet Bahçeli, 16,3% em junho), e HDP - vão de novo superar a barreira dos 10% que garante representação no parlamento de 550 lugares.

O reinício da guerra em julho com o proscrito Partido dos Trabalhadores do Curdistão (PKK, a guerrilha curda), com 140 mortos entre soldados e polícias, muitas centenas de combatentes curdos abatidos e dezenas de civis mortos no fogo cruzado, fez recuar o país pelo menos até 2012, o ano mais sangrento da Turquia desde o início deste século.

A violência dos confrontos, que assumiu formas de guerrilha urbana em várias cidades do sudeste turco, com maioria de população curda, fez ainda recordar a década de 1990, quando povoações inteiras foram arrasadas.

Um cenário ao qual se associou a recente ameaça das redes 'jihadistas' associadas ao grupo Estado Islâmico (EI), alegadamente envolvidas nos três atentados desde junho que atingiram o HDP, incluindo o perpetrado em 10 de outubro em Ancara com um balanço de pelo menos 102 mortos, o mais grave da história da Turquia.

Estes sangrentos acontecimentos fazem recordar os capítulos mais obscuros do conflito curdo na década de 1990, quando os serviços secretos turcos associavam a organização islamita radical curda Hezbollah (sem ligações ao partido xiita libanês) a uma "guerra suja" de sequestros e assassinatos contra simpatizantes do PKK e de formações de esquerda.

Os recentes atentados atribuídos às redes do EI na Turquia também tiveram como alvo a esquerda pró-curda, com diversos políticos da oposição a acusarem diretamente o Estado de ser corresponsável pelos massacres.

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