"Turcos e europeus sabem que este acordo não vai funcionar. Ele é vergonhoso"

Sami Nair, politólogo, filósofo e sociólogo francês é especialista em migrações e aceitou ser consultor de Pedro Sánchez para o programa eleitoral do PSOE na questão dos refugiados
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Porque aceitou fazer parte da equipa que vai redigir o programa eleitoral do PSOE de Pedro Sánchez?

Vivo entre França e Espanha. Quando Pedro me propôs trabalhar com ele sobre um tema que é importante para mim, a questão da imigração, agradeci-lhe. Não podia recusar ajudar este partido e transmitir as minhas ideias. Em França tiveram uma função importante na era de Lionel Jospin. Se puder fazer evoluir a sociedade na forma como olha para os imigrantes, que hoje em dia são vistos como uns desgraçados, isso é uma boa ação intelectual.

Este governo-sombra, como chamam os media aos 20 consultores eleitos por Sánchez, poderá fazer que o PSOE ganhe as eleições ou pode repetir-se o impasse do pós-20 de dezembro?

À data de hoje ninguém pode dizer qual será o resultado das eleições. Mas desta vez terá de ser encontrada uma solução política. Haverá uma mudança. Agora se essa mudança dará a vitória à esquerda, PSOE, Podemos ou a outras forças, isso, francamente, não sei. O que é importante é que o PSOE deve fazer tudo para dar uma imagem de esperança, de progresso, de solidez no seu projeto político. Não teremos o direito de nos enganarmos uma segunda vez. A situação económica é muito difícil.

Com esta atual crise dos refugiados e dos imigrantes seria necessário que nos governos europeus houvesse um ministro apenas para tratar deste assunto?

Não sei, pois temos uma política europeia muito confusa. A UE é corresponsável pelo que está a acontecer e pela imigração não controlada que é o resultado das falhas do Acordo de Schengen. Eu costumo dizer que caiu o muro de Berlim e em seguida criámos outro muro, que é Schengen, um muro invisível, mas muito eficaz e com consequências dramáticas para o seu envolvente. Não digo que não haja uma política de abertura, está claro que é preciso ter uma política fronteiriça, mas a política de gestão dos fluxos migratórios não se elabora apenas em função dos nossos interesses, mas também em função dos que nos rodeiam e as necessidades dos que não estão no espaço europeu. Temos de ter isso em conta, senão haverá sempre a imigração ilegal, as máfias que gerem aquilo que as instituições europeias não gerem. Então digo que precisamos de uma política europeia comum em matéria de gestão dos fluxos migratórios e refugiados, precisamos de reformar Schengen, instrumentos como o de Dublin e, sobretudo, pôr em marcha uma grande política de ajuda aos países que fazem fronteira com a UE.

Mas já vimos também que não basta pagar a um país terceiro - como por exemplo a Turquia - para que seja ele a resolver o problema dos refugiados...

Isso não vai funcionar. Os turcos e os europeus sabem disso. Uma coisa é dizer que vão dar dinheiro e outra coisa é dar o dinheiro. Há dois anos que prometemos dar três mil milhões de euros à Turquia e ainda quase nada chegou. Há uma grande diferença entre promessas e o que se passa no terreno. Não é um problema de dinheiro, é um problema de deslocação de populações inteiras. A responsabilidade dos políticos europeus é conseguir ver mais para além do que pensa a sua opinião pública.

Então o presidente turco, Recep Erdogan, tem razão quando se queixa da falta de seriedade da UE?

Nesse aspeto acho que tem razão. E eu não defendo a Turquia nem o seu governo, que viola os direitos humanos, mas sobre a questão dos refugiados aquilo que diz é verdade. Não podemos negá-lo. Eles têm 2,5 milhões de sírios nas suas fronteiras. Têm de dar comida a essa gente, proteção...

A UE erra ao tratar esta questão como um problema de segurança?

A UE sempre vinculou a imigração à segurança. Então a ligação imigração-Ministério
do Interior-segurança é quase estrutural. A imigração não é uma questão de segurança, mas de fluxos, fluxos dinâmicos e estanques, isto é, gente que não quer ficar e gente que fica. Outro problema é que, além de ligarem imigração e segurança, agora relacionam terrorismo, imigração e segurança. Isso condena o imigrante, é um suspeito, suspeito de que vai pôr bombas nalgum lugar. Temos de sair dessa loucura. Não há outra palavra. A UE a 28, com 507 milhões de habitantes, dizer que vai receber 160 mil refugiados, quando há três milhões na Turquia, é uma vergonha.

Então, desse ponto de vista, tem razão Angela Merkel quando diz que é necessária a integração dos refugiados e que essa pode ser benéfica para quem os acolhe?

A atitude de Angela Merkel mudou. Primeiro disse que não reconheceria o seu país se ele não aceitasse essa gente. Chegaram muitos e a extrema-direita e a direita mais conservadora tomaram o problema em mãos. Depois também houve problemas com os imigrantes, em Colónia, etc... Em três semanas a opinião pública mudou. Não toda, porque o movimento solidário continua a ser muito forte na Alemanha. Mas os partidos, vendo o apoio crescente à extrema-direita, começaram a mudar a posição. E Merkel, face ao seu partido, teve de mudar de discurso e fez um acordo com a Turquia. Esse acordo é vergonhoso.

Mas o apoio à extrema-direita vê-se também noutros países, como a Áustria, a Hungria, etc... É um fenómeno momentâneo ou pode ser um problema maior no futuro?

Essa questão é muito importante. E vamos para além dos temas dos refugiados e da imigração, pois acredito que servem apenas de pretexto para o desenvolvimento da extrema-direita. O que penso, espero enganar-me, é que estes movimentos vão desenvolver-se de forma muito importante nos próximos anos. Primeiro, a globalização destruiu as identidades estáveis em toda a parte, segundo, o modelo da UE fracassou. Ninguém acha agora que a Europa é a solução. Se tivéssemos de comparar, podemos dizer que estamos mais ou menos - mutatis mutandis - numa situação parecida com a dos anos 30 do século XX.

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