Tunísia: um presidente, um envelope e uma padaria!

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Na semana passada, os serviços da Presidência da Tunísia divulgaram ter havido uma tentativa de assassinato do presidente (PR) Kais Said. Há, no entanto, duas versões da mesma.

A primeira, de fonte oficial, Tunis Afrique Presse, dá conta de um envelope com ricínio dirigido ao gabinete presidencial, que vitimou quem o abriu, um colaborador do PR, entretanto internado. A segunda versão, mais rebuscada, do quotidiano Al-Chourouk, revela a existência de um complô para assassinar o PR, através de envenenamento. A autora do artigo no Al-Chourouk relata que um funcionário da padaria que fornece diariamente o pão ao Palácio de Cartago, sede da Presidência da Tunísia, denunciou ter sido contactado por um empresário local que lhe propôs envenenar a fornada de pão destinada ao referido Palácio, oferecendo-lhe "não menos de 6200 euros", segundo a notícia publicada. Esta versão/alegação foi de imediato negada pelo Ministério do Interior e pela Presidência.

Quanto ao PR, Kais Said, aproveitou para replicar um famoso episódio da Presidência de Habib Bourguiba (1957-1987), que em Março de 1964 se fez filmar a tomar um sumo de laranja durante o dia, em pleno Ramadão, passando a mensagem de que a luta pelo desenvolvimento e contra a pobreza isenta qualquer muçulmano do jejum, dito obrigatório. Ou seja, Kais Said fez-se fotografar numa padaria a comprar o seu próprio pão, tornando a imagem viral nas redes sociais.
Quanto a mim, creio que quem tem recursos e quer assassinar uma figura de primeiro plano investe sempre em várias frentes, com vários planos e equivalentes portas de saída. Este assunto terá desenvolvimentos na Tunísia, bem como neste rectângulo, sempre que se justifique.

Não poderia deixar de assinalar a morte, na madrugada deste dia 3, do Álimo bissau-guineense Malam Djassi, sobretudo pela felicidade que proporcionou a centenas de famílias na Guiné-Bissau. Famílias de hoje e famílias de amanhã, porque se tratou de um activista contra a mutilação genital feminina (MGF) e práticas nefastas no seu país. O Sheikh Djassi, como todos o tratávamos, foi uma peça fundamental na desmistificação da MGF enquanto preceito islâmico. Incansável nas deslocações aos bairros da capital e diferentes regiões do país, na organização e participação em palestras sobre o tema, engajou comunidades inteiras na defesa e protecção das suas filhas, bem como na reabilitação das fanatecas, as que praticam a excisão, popularmente o fanado. Nestas acções de sensibilização que ainda hoje decorrem na Guiné-Bissau, Djassi, enquanto autoridade religiosa, complementava as primeiras partes destas sessões, que esclareciam sobre a criminalização do fanado e respectivas consequências judiciais, com passagens corânicas e ditos e feitos de Profeta Maomé, os famosos hadiths, cujo peso junto de um crente muçulmano equivalem a um sunnah, ou seja, deve-se seguir-lhe o exemplo. Não se sabe quantas meninas Malam Djassi livrou da lâmina, mas toda a população bissau-guineense lhe deve agradecer por estas chegarem a mulheres completas, com direito ao usufruto e à fruição a que Deus lhes deu direito!

Se há muçulmano djannati, com direito ao paraíso, este é um deles. Até já Sheikh amigo, guarde-me um lugar a seu lado, que quero continuar a aprender.


Politólogo/arabista
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Escreve de acordo com a antiga ortografia

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