Tudo é como parece, menos a Alemanha

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Tudo acontece como sempre no Mundial, onde o comentário geral fala de surpresas e emoção. Surpresas na primeira fase? Menos do que em outras edições. No Brasil 2014, a sangria de favoritos foi maior. Inglaterra, Itália e Espanha - campeã em 2010 - caíram na primeira ronda. Na África do Sul 2010, Itália e França também se despediram cedo. Em 2002, França, com Zidane, Henry, Thuram e um fabuloso elenco de estrelas, saiu eliminada da primeira fase depois de ganhar o Mundial anterior. A única novidade na Rússia foi o descalabro da Alemanha, que historicamente tem exercido de padrão universal da fiabilidade. A sua eliminação transcende o futebol. Se a Alemanha se afunda tão cedo é porque o mundo já não é o que era. E é verdade, basta ver o que se passa ao nosso redor para o comprovar.

O fracasso alemão não foi contagioso. Brasil, Espanha, França, Argentina, Inglaterra, Uruguai, Portugal, Croácia e Bélgica continuam no torneio. Pela história ou porque algumas destas equipas encontraram uma geração dourada, todas estavam entre os favoritos. Nada do que aconteceu na primeira ronda modifica a sua situação. A maioria, de Espanha à Argentina, passando por Portugal e Brasil, atravessaram situações dramáticas, mas é com este emocionante material que se fabrica Mundiais. Raramente uma equipa dominou a competição do princípio ao fim. A Holanda, por exemplo, deslumbrou em 1972 com um sistema de jogo, golos e vitórias que cativou o mundo, mas perdeu a final frente à Alemanha, uma deceção durante todo o torneio. É um relato muito comum no Campeonato do Mundo.

Tão-pouco se viram novidades futebolísticas. Nenhuma equipa surpreendeu no capítulo tático. Nem despontou algum jogador desconhecido. Em geral, este Mundial confirmou na primeira fase o que sabíamos das equipas e dos futebolistas. Qualquer adepto sensível admira há anos Luka Modric, o melhor médio do mundo desde que Xavi se retirou. Algo semelhante se passa com Rakitic, irregular extremo nos seus inícios no Schalke 04, bom interior de ataque no Sevilha e agora um excelente centro-campista total no Barça. Os dois fazem a diferença na Croácia, uma equipa que ninguém quer ver pela frente.

O mesmo se passa com o Uruguai, que se parece com o Uruguai de toda a vida, mas com mais recursos do que nunca. Dois magníficos centrais - Giménez e Godín -, dois goleadores implacáveis -Luis Suárez e Cavani - e um par de prometedores médios: Vecino e Bentancur. Nestes dois jogadores pode residir o destino uruguaio. Durante décadas foi uma equipa áspera, difícil de digerir, extremamente competitiva. Agora também tem qualidade.

À Bélgica sobra-lhe tanta qualidade que jogadores como Dembelé, que faria feliz os adeptos espanhóis, e o avançado Mertens são mais suplentes do que titulares. Talvez nunca mais disponha de uma geração como a atual, liderada por Hazard e De Bruyne, dois futebolistas tão fascinantes como opostos.

Os velhos favoritos apuraram-se entre críticas. No entanto, todos corresponderam ao previsto. No Brasil impressiona o peso da camisola, a habilidade e a coragem de Neymar, os diabólicos tiros de meia distância de Coutinho, o timing de Paulinho para chegar à área a partir da sombra e eficácia de Miranda e Thiago Silva no jogo aéreo, mais na área contrária do que na própria. O jogo do Brasil não impressiona ninguém. Faz tempo que o Brasil não seduz os adeptos e o mito do jogo bonito está a ponto de evaporar-se.

Os ingleses querem jogar bem. Até o guarda-redes Pickford joga com passes curtos. O central Stones circula a bola com critério. É uma equipa que quer fazer boa figura. Está claro que o futebol inglês começa a absorver a influência de Pep Guardiola na Liga inglesa. Outra coisa é a sensação de naturalidade. Aos ingleses o corpo pede bola e contacto. Em qualquer caso, têm duas coisas a favor: uma equipa simples e Harry Kane, o melhor avançado britânico desde Jimmy Greaves.

A Argentina continua continua onde está, a discutir Messi. Ou seja, o único sobre quem não há nada que discutir. A França é uma equipa de portentos físicos, com dois jogadores de primeira linha mundial - Mbappé e Griezmann - e outro que funciona como um interruptor de jogo. Trata-se de Pogba, um futebolista muito raro.

A Espanha não conseguiu recuperar do choque que provocou a contratação de Lopetegui pelo Real Madrid três antes de começar o Mundial. Se não fosse este episódio seria temível, e ainda por cima com um Isco na sua melhor versão. Com Portugal já se sabe, depende tanto de Cristiano Ronaldo que se produz um paradoxo: avança quando outros assumem o papel de protagonistas. Assistiu-se a isso no último Europeu (Pepe foi o Obdulio Varela português) e no angustiante jogo com o Irão, onde a solução esteve em Quaresma.

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