Tsipras garante que vai aplicar o plano exigido, mas admite que o 'grexit' ainda é possível. Bancos devem ficar fechados mais um mês

Primeiro-ministro grego diz que não abandona o cargo e que vai aplicar plano de austeridade, mesmo não acreditando nele. E até elogiou a solução proposta por Passos Coelho para o fundo exigido por Merkel.
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O dia em que foi conseguido o acordo com medidas de austeridade que permitam desbloquear um terceiro resgate grego "foi um mau dia para a Europa", disse hoje o primeiro-ministro grego, Alexis Tsipras, em entrevista ao canal de televisão ERT. Assumiu todas as responsabilidades do que está a acontecer, garante que não abandona o país e até afirmou que a Grécia pode sair da crise em três anos. Vai aplicar o plano exigido pela Europa até porque, admitiu, mais ninguém pode ajudar o seu país.

"Fui à Rússia, à China, aos Estados Unidos. Não há outras opções", disse.

Nem a saída do euro é opção, segundo o primeiro-ministro: "[A Grécia] não ter reservas suficientes para regressar a uma moeda nacional".

Também a hipótese de uma saída temporária da moeda única, como chegou a estar escrito como opção num documento do Conselho Europeu, no domingo, é rejeitada pelo líder grego, que acabou por tirar credibilidade à tese do seu ex-ministro das Finanças, Yanis Varoufakis, que nos últimos dias tem defendido ser esse o objetivo da Alemanha. "Contactei [a chanceler ] Merkel e ela disse-me que não era sua intenção".

Aliás, ainda relativamente a Varoufakis, Alexis Tsipras admitiu que o antigo responsável das Finanças "cometeu erros". "Ser um excelente académico não faz necessáriamente um bom político".

Mas faz questão de assumir "todas as responsabilidades" pelas opções tomadas ao longo de todo este processo.

De qualquer forma, acabou por assumir, o 'Grexit' ainda não é uma opção totalmente excluida. "Não posso dizer nada com certeza até que o acordo esteja assinado".

O acordo é, aliás, essencial para a própria normalização da atividade bancária no país. "A reabertura dos bancos depende da ratificação do acordo, que deverá acontecer no prazo de um mês", disse Alexis Tsipras.

"O [acordo] foi o resultado de uma pressão muito grande", disse Tsipras.

Particularmente difícil de 'engolir', assumiu, foi a imposição de criar um fundo de 50 mil milhões de euros com o resultado de privatizações, como Merkel exigiu. Um plano que, disse, podia "ser pior": "Numa primeira fase, os resultados das privatizações destinavam-se apenas a pagar dívida. Agora também vão para a recapitalização dos bancos", disse.

Fica assim implícito um elogiu à ideia assumidamente avançada pelo primeiro-ministro português, Pedro Passos Coelho.

O chefe de governo insistiu, no entanto, que o referendo da semana anterior deu maior força negocial à Grécia e que as reformas a que o país está agora obrigado "são duras", mas a situação não está no "impasse" que estava antes.

"As posições anteriores não mudaram após o referendo. Precisamos ser honestos acerca disso. Mas agora temos um período maior de financiamento e alívio da dívida", afirmou.

Alexis Tsipras admitiu que a Grécia precisa de reformas no sistemas de pensões. E defendeu que as subidas no IVA a que está obrigado - designadamente a passagem do IVA da restauração dos 13% para os 23% - serão compensadas com "outras medidas".

Tsipras defendeu que a Grécia poderá sair da crise em apenas três anos, ainda que não concretize de que forma.

O primeiro-ministro fez ainda questão de dizer que não pensa em retirar-se: "Não me vou embora e assumirei todas as responsabilidades, mesmo assinando um acordo no qual não acredito".

Obama telefonou a Merkel

O Presidente dos Estados Unidos, Barack Obama, telefonou hoje à chanceler alemã para lhe dar conta que considera o acordo conseguido com a Grécia um "passo positivo" que pode contribuir para o crescimento e a estabilidade da dívida grega. Obama fez no entanto questão de lembrar a Merkel que a situação ainda requer "muito trabalho" de todas as partes, noticiam os media gregos.

A preocupação americana com a crise grega tornou-se mais evidente nas últimas semanas dias, quando foi tornado público que foi por pressão da Casa Branca que foi revelado parte de um relatório do Fundo Monetário Internacional que falava da necessidade de reestruturar a dívida grega.

Esse documento tem sido sucessivas vezes invocado pelos governantes gregos durante as negociações com os credores.

FMI defende "haircut" da dívida

Hoje, ficou a conhecer-se um outro relatório interno do FMI, que não deveria ter sido divulgado mas ao qual a comunicação social teve acesso. O documento que o Fundo atualizou a sua análise da sustentabilidade da dívida grega de forma a refletir os danos para a economia de Atenas desde que foram impostos os controlos de capital, e conclui que a Grécia precisa de um alívio da dívida muito maior [ Ver análise do Dinheiro Vivo] do que a zona euro admite.

Segundo o britânico The Guardian, o relatório refere que "a dramática deterioração da sustentabilidade da dívida aponta para a necessidade de um alívio da mesma numa escala muito maior do que aquela que esteve sob consideração até ao momento - e que foi proposta pelo Mecanismo Europeu de Estabilidade". O documento refere ainda que a dívida grega pode em breve atingir os 200% do PIB, elevando-se a níveis ainda mais insustentáveis.

Esta posição poderá ser prejudicial a Atenas, já que o FMI não implementa programas de assistência nos países que não considera sustentáveis. Apesar de a linha oficial continuar a defender que o Fundo está "pronto para trabalhar com as autoridades gregas", o relatório significa que dificilmente o FMI admitirá participar num terceiro resgate sem que haja um "haircut" da dívida grega.

A agência Reuters, que teve acesso ao documento, refere que este foi enviado aos líderes da zona euro na segunda-feira, horas depois de Atenas e os parceiros internacionais terem assinado um acordo de princípio que permitirá iniciar negociações para um terceiro resgate à Grécia no valor de 86 mil milhões de euros, em troca de reformas estruturais e medidas mais duras de austeridade. Porém, segundo o Guardian, uma porta-voz da Comissão Europeia em Bruxelas desvalorizou o relatório, dizendo que não o tinha visto e que o único documento relevante é o princípio de acordo assinado na cimeira que terminou após 17 horas de negociações, e que abre a porta a um programa de assistência do Mecanismo Europeu de Estabilidade.

Tsipras remodela governo depois da votação no Parlamento

Ao início da tarde desta terça-feira, uma jornalista do Wall Street Journal anunciou no Twitter, citando fonte oficial do governo grego, que será feita uma remodelação ministerial do executivo de Alexis Tsipras, mas só depois da votação no Parlamento das medidas acordadas por Atenas com os parceiros internacionais. A votação está marcada para quarta-feira, tendo o documento sido submetido esta tarde aos deputados, como mandam as regras.

Esta remodelação não se limitará aos dois ministros que não apoiam a proposta de acordo. No entanto, fonte oficial do governo citada pelo The Guardian garante que as mudanças não mudarão o equilibrio de forças no exectutivo relativamente aos dois partidos que apoiam o Governo - o Syriza e o ANEL.

Esta noite, Tsipras dará uma entrevista à estação pública grega.

As reservas dos países fora da zona euro

Entretanto, o vice-presidente da Comissão Europeia responsável pelo euro admitiu que vários países de fora da zona euro levantaram hoje reservas a um eventual recurso ao mecanismo europeu de estabilização financeira (EFSM) para garantir o financiamento de urgência à Grécia.

Na conferência de imprensa no final de uma reunião dos ministros das Finanças da UE (Ecofin), em Bruxelas, Valdis Dombrovskis, questionado sobre as conversações em torno do chamado financiamento-ponte - um empréstimo intermédio de que Atenas necessita com urgência enquanto o terceiro programa de ajuda não é formalmente adotado -, confirmou que uma das soluções em cima da mesa, o recurso ao EFSM, mecanismo no qual participam os 28 Estados-membros, foi contestada no encontro de hoje por várias delegações.

"Diferentes opções estão a ser exploradas, incluindo o EFSM. Confirmo que foram levantadas objeções por vários Estados-membros de fora da zona euro", disse, sem precisar quais.

De acordo com fontes europeias, o Reino Unido encabeça o grupo de países que se opõe a esta solução.

Dombrovskis diz que o trabalho que está em curso, neste momento ao nível do grupo de trabalho do Eurogrupo, é "determinar quais as melhores opções", reconhecendo que "todas elas são bastante difíceis, pois têm complicações legais, políticas ou financeiras".

"Temos de encontrar a melhor solução para esta situação complicada, e encontrá-la tão rapidamente quanto possível", apontou.

"Acordo sobre a Grécia pode abrir a porta à China"

O pacote de privatizações previsto no acordo entre o primeiro-ministro grego e os líderes da zona euro pode atrair à Grécia novos investimentos da China, anuncia hoje o China Daily, o principal jornal oficial de língua inglesa do país.

Um consultor financeiro grego citado pelo jornal exorta o primeiro-ministro do país, Alexis Tsipras, a "visitar brevemente" Pequim e a "envolver-se seriamente com a China".

"Acho que [Alexis] Tsipras devia ir à China debater investimentos em infraestruturas, transportes e energia e abordar bancos chineses que poderão fornecer financiamentos suplementares", defendeu Christos Vlachos, sócio -gerente da empresa Silky Finance.

"Isso deve ser a prioridade de Tsipras depois de o acordo com Bruxelas estar finalizado", acrescentou.

Uma analista financeira chinesa citada pelo mesmo jornal sustenta também que "a China poderá beneficiar do potencial" proporcionado pelo programa de privatizações da Grécia, sobretudo na área dos portos, mas alerta que o Governo chinês deve ser "prudente" quanto à aquisição de títulos da divida grega.

"O novo acordo permanece frágil", disse Du Mingyan, da agência de notação Dagong Global Credit Rating.

A China é a segunda economia mundial, com um volume de reservas cambiais estimado em 3,8 biliões de dólares (3,45 biliões de euros), e um importante investidor na Grécia.

Uma grande empresa estatal chinesa, a China Ocean Shipping Group (COSCO), explora dois terminais do porto do Pireu, onde já investiu cerca de 4.500 milhões de euros, e é candidata à compra de 67% do capital da autoridade portuária local.

Hoje de manha (hora local), a porta-voz do ministério chines dos Negócios Estrangeiros, Hua Chunying, aplaudiu o acordo alcançado na segunda-feira em Bruxelas, reafirmando que a China "sempre apoio" o processo de integração europeia.

"Como parceiro estratégico da UE e importante parceiro na esfera comercial, a China sempre apoiou a integração da União Europeia, uma Europa próspera e unida, e um euro forte", disse a porta-voz.

Tsipras cada vez mais isolado. Acordo será aprovado no Parlamento graças à oposição

O primeiro-ministro grego regressou ontem a Atenas depois de 17 horas de negociações em Bruxelas para enfrentar nova batalha: convencer o seu partido do acordo obtido e ver aprovadas no parlamento medidas impopulares como o aumento do IVA e a reforma do sistema de pensões. A existência de um grupo de linha mais dura no Syriza não é novidade, e já levou a uma demissão no governo, que poderá não ser caso único. A aprovação das medidas, que tem de ser feita até amanhã, é garantida: Tsipras recebeu um não do parceiro de coligação, mas tem o apoio da oposição, o que lhe garante uma maioria, mesmo com a deserção de alguns deputados do Syriza.

"Há uma divisão dentro do partido, parte dos responsáveis e deputados do Syriza não aceitam as táticas seguidas pelo nosso primeiro-ministro", disse ontem em entrevista, citado pela Bloomberg, Yanis Balafas, um deputado do Syriza. "O que interessa agora é que o cenário mais negro, o default, foi evitado", disse ainda este próximo de Tsipras. Os bancos gregos, esses, só devem reabrir na quinta-feira.

Segundo o jornal grego Kathimerini, a Plataforma de Esquerda, o grupo mais radical dentro do Syriza, está a chamar ao entendimento com os credores "o pior acordo possível... que mantém o estatuto do país: uma colónia de dívida numa União Europeia governada pela Alemanha". Mas, de acordo com a Skai TV, o mais provável é que os deputados deste grupo optem pela abstenção ou ausência da votação, evitando dar o seu "não" claro ao governo.

Uma das vozes mais contestatárias tem sido a de Zoe Konstantopoulou. A presidente do parlamento - a par do ministro da Energia, Panagiotis Lafazanis - foi um dos deputados do Syriza que, no sábado, não votou a favor do plano negocial do governo.

Com a votação prevista para amanhã, segundo o calendário acordado com os credores, de medidas como o aumento do IVA e a reforma do sistema de pensões, na Grécia já se fala na possibilidade de Tsipras colocar também aos deputados uma moção de censura à presidente do parlamento ou mesmo que Konstantopoulou poderia apresentar hoje a sua demissão. Em declarações a um jornalista do Kathimerini, Zoe Konstantopoulou recusou, no entanto, demitir-se de presidente do parlamento.

Já Nikos Chountis, também pertencente à Plataforma de Esquerda, apresentou ontem a demissão de ministro adjunto para os Assuntos Europeus e do seu cargo de deputado do Syriza. Chountis, que deverá substituitir Manolis Glezos no Parlamento Europeu, será substituído no hemiciclo de Atenas pelo jornalista Giorgios Kyritsis, não afetando assim a representação do Syriza.

O ANEL, parceiro de coligação do Syriza no governo, afirmou ontem que não pode apoiar os termos do acordo alcançado na madrugada de ontem entre a Grécia e os credores. Mas garantiu que irá manter-se no executivo liderado por Alexis Tsipras. "O acordo fala de garantias no valor de 50 mil milhões de euros sobre bens públicos, de mudanças da lei que incluem a confiscação de casas... Não podemos concordar com isso", declarou ontem Panos Kammenos, líder do ANEL e ministro da Defesa, após um encontro com o líder do executivo.

Mesmo com o não apoio dos 13 deputados do ANEL e a abstenção ou ausência de alguns dos 149 representantes do Syriza, as primeiras quatro medidas do acordo com os credores serão aprovadas amanhã pela maioria dos 300 deputados graças aos votos da oposição.

A comissão política da Nova Democracia, que tem 76 deputados, descreveu o acordo alcançado ontem como "doloroso, muito pior do que o que existia até agora", mas "necessário para evitar uma catástrofe".

"Agora a prioridade é preservar a coesão social, garantir o financiamento do sistema bancário, começar a restaurar a credibilidade do país e a sua estabilidade política", referiu o partido liderado interinamente por Vangelis Meimarakis. O sucessor do ex-primeiro-ministro Antonis Samaras à frente da Nova Democracia foi aliás um dos líderes partidários que no dia 6 assinou um comunicado conjunto de apoio às negociações do governo.

Outro desses líderes foi Stavros Theodorakis, que ontem garantiu o "sim" dos 17 deputados do To Potami na votação de amanhã. "Esperamos que governo, parlamento e partidos estejam à altura das circunstâncias e sem demoras tomem a decisão necessária para entrar, o mais depressa possível, numa nova era", referiu Theodorakis, sublinhando que Tsipras cumpriu a promessa de manter a Grécia no euro.

O ex-líder do PASOK Evangelos Venizelos referiu-se ao novo acordo como "duro e humilhante e muito pior que os dois anteriores memorandos de entendimento". No entanto, sublinhou o vice-primeiro--ministro do anterior governo, "a Grécia evitou uma saída da zona euro e um desastre total". Os socialistas helénicos têm 13 deputados.

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