Trump herda de Obama o desafio de levantar (ou não) o embargo a Cuba

Presidente eleito deu sinais contraditórios na campanha sobre normalização de relações. Ameaçou voltar a fechar a embaixada em Havana mas como homem de negócios pode não desperdiçar o novo mercado.
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Para alguns, a morte de Fidel Castro é a oportunidade para o irmão, Raúl, prosseguir a aproximação aos EUA sem a sombra do homem que gostava de chamar à América o "inimigo imperialista". Desde o anúncio do início do processo de normalização, em dezembro de 2014, os dois países trocaram prisioneiros, facilitaram viagens e negócios, reabriram embaixadas e Barack Obama até foi a Havana em março - o primeiro chefe de Estado americano a visitar a ilha em 88 anos. Mas com muitos desses avanços conseguidos através de ordens executivas do presidente, reversíveis já a partir de 20 de janeiro pelo novo inquilino da Casa Branca, a vitória de Donald Trump nas eleições de 8 de novembro levantam dúvidas sobre o rumo desta relação.

Durante a campanha, o republicano deu sinais contraditórios em relação ao que pretende fazer em relação a Cuba. Admitiu voltar a encerrar a embaixada americana em Havana e prometeu "renegociar" o acordo para a normalização das relações com a ilha. Mas sem dizer como. Talvez por isso alguns analistas acreditem que o homem de negócios irá prevalecer, com Trump a ceder aos desejos dos empresários, interessados em aproveitar a abertura do mercado cubano.

O Wall Street Journal lembrava ontem que apesar de o Congresso se manter firme na oposição ao levantamento do embargo estabelecido pelos EUA em 1960 e visto como o último bloqueio à normalização total das relações entre os dois países, muitos republicanos até defendem a aproximação à ilha protagonizada por Obama. "Todos os grandes interesses - empresas de navegação, os lóbis dos agricultores, do petróleo, da construção, Wall Street e os evangélicos - o apoiam", explicou ao jornal Javier Corrales, perito em Cuba da Universidade Amherst no Massachusetts. E acrescentou: "Se Trump tentar reverter a aproximação, entrará em conflito com uma parte importante da sua base de apoio."

Para já, a mensagem de Trump em reação à morte de Fidel foi dura. Depois de ter reagido no Twitter com uma simples frase: "Fidel Castro está morto!", o presidente eleito emitiu um comunicado em que considerou o líder cubano como "um ditador brutal que oprimiu o seu próprio povo durante quase seis décadas". Denunciando o "legado de fuzilamentos, roubo, sofrimento inimaginável, pobreza e negação de direitos humanos fundamentais" deixado por Fidel, Trump prometeu no entanto fazer "tudo o que puder para assegurar que o povo cubano pode finalmente começar a sua caminhada em direção à prosperidade e liberdade".

Apesar das ameaças anteriores, Richard Feinberg, antigo conselheiro de Bill Clinton para a segurança nacional, está convencido de que Trump não irá reverter a aproximação iniciada por Obama. "A morte de Fidel Castro remove o objeto de ódio , medo e vingança de muitos cubano-americanos, pondo fim a um dos mais longos ajustes de contas da história, abrindo as portas à reconciliação da família cubana, profundamente dividida", explicou à Reuters. Uma opinião partilhada por Pedro Freyre. O analista da Akerman recordou ao Wall Street Journal que, nos casos da Rússia, China e Vietname, "só quando o líder revolucionário desapareceu é que foi instituída a verdadeira mudança."

Com Obama prestes a deixar a Casa Branca, caberá a Trump tomar posição sobre o futuro do embargo. Mesmo se a decisão final sobre o levantamento ou não do bloqueio económico a Cuba continua nas mãos de um Congresso em que os republicanos mantêm a maioria em ambas as câmaras.

Obama, por seu lado, manteve ontem o tom conciliador, reagindo à morte de Fidel com uma mensagem em que oferece "uma mão amiga ao povo cubano". O presidente tentou nos últimos anos trazer a comunidade cubana nos EUA para o lado dos democratas, piscando o olho às novas gerações, menos conservadoras e já sem os vínculos à ilha das primeiras. Mas a verdade é que quando se soube da morte de Fidel, na sexta-feira à noite, houve festa nas ruas de Little Havana, um dos bairros cubanos em Miami. E, apesar dos seus 45 anos, o senador Marco Rubio, filho de cubanos e um dos rivais de Trump nas primárias republicanas, não escondeu o desprezo pelo líder cubano. "Infelizmente, a morte de Fidel Castro não significa liberdade para o povo cubano ou justiça para os ativistas pró-democracia, para os líderes religiosos ou para os opositores que ele e o irmão detiveram e perseguiram. O ditador morreu, mas a ditadura não."

Após quase seis décadas de relações tensas, a visita de Obama a Havana marcou um ponto de viragem que aguarda ainda que Raúl Castro a retribua. O líder cubano esteve em Nova Iorque em 2015 para discursar na Assembleia Geral da ONU (na qual em 2000 o irmão espantara o mundo ao apertar a mão ao presidente Bill Clinton), mas nunca foi à Casa Branca. Muitos nos EUA não esqueceram que Fidel foi responsável pelo momento que deixou o mundo à beira da guerra em 1962, quando a URSS colocou mísseis em território cubano a poucos quilómetros da costa americana. Com El Comandante morto, depende de Trump o convite a Raúl para repetir a visita a Washington que Fidel fez em 1959. Desta vez, talvez com o encontro com o presidente que Dwight Eisenhower negou então ao líder cubano.

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