Trump e Macron expõem divergências antes da cimeira

Aos presidentes dos EUA e de França junta-se o turco Erdogan, que ameaça bloquear posição comum se as suas pretensões sobre os curdos não forem atendidas. Cimeira decorre nesta quarta-feira de manhã.
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Surpresa, só para quem não tem seguido as declarações de alguns líderes de países membros da NATO. Mas se houvesse um troféu para distinguir quem mais tem agitado as águas no seio da Aliança Atlântica o vencedor teria de sair de entre os presidentes francês, norte-americano e turco.

Na véspera da cimeira que esta quarta-feira marca os 70 anos da criação da Organização do Tratado do Atlântico Norte, Donald Trump e Emmanuel Macron encontraram-se em Londres, mas as diferenças superaram o espírito de cooperação que os dois países aliados deveriam demonstrar. A reunião realizou-se pouco depois de Trump ter comentado a entrevista de Macron à The Economist, na qual o francês dissera que a organização está em "morte cerebral": "Penso que é bastante insultuosa para muitas forças diferentes. É uma frase dura, embora quando se faz uma declaração dessas, que é muito, muito desagradável para os 28 países, isso também os inclui", disse Trump em relação aos franceses.

Ao lado de Trump, o chefe de Estado francês manteve a sua ideia e voltou a explicar que a sua entrevista foi uma chamada de atenção porque a NATO precisa de se definir quanto aos seus objetivos. E deu outra vez como exemplo a Turquia, tendo acusado Ancara de patrocinar o Estado Islâmico. "Quando olho para a Turquia, eles estão a lutar contra aqueles que combateram connosco contra o Estado Islâmico [EI] e por vezes trabalham com intermediários do Estado Islâmico", disse Macron.

Trump saiu em defesa da Turquia, com que tem "uma relação muito boa". Sobre a possibilidade de Washington avançar com sanções económicas àquele país por ter optado pela compra de equipamento militar russo - o sistema antimíssil S-400 -, deixou um "vamos ver" antes de responsabilizar o seu antecessor, Barack Obama, pela escolha de Ancara. "A Turquia queria comprar o sistema Patriot mas a administração Obama não permitiu e só deixaram quando estavam prontos para comprar outro. Tenho de dizer isto, há dois lados da história", disse o norte-americano.

À CNN, funcionários da Defesa e especialistas explicaram que esta afirmação que Trump tem repetido não é verdadeira, e que o que emperrou o negócio foram as exigências turcas de transferência de tecnologia.

Troca de mimos

Ainda Trump estava a terminar esta acusação a Obama e já Macron intervinha: "Para sermos claros neste ponto: eles [turcos] negociaram connosco e nós aceitámos vender-lhes o SAMP/T", disse Macron sobre o sistema de defesa ítalo-francês. Portanto, esta decisão não resultou de uma recusa da venda dos Patriot por parte dos norte-americanos há dois anos, resulta da sua própria decisão, mesmo tendo uma opção europeia totalmente compatível com a NATO. Decidiram não ser compatíveis com a NATO", disse o francês, gesticulando.

Já antes ambos tinham mostrado o seu desacordo quando Trump passou a pergunta sobre se a França deveria fazer mais para levar os combatentes franceses do Estado Islâmico para o hexágono - são cerca de 450 os extremistas com nacionalidade francesa que se encontram detidos no norte da Síria. Macron disse que essas pessoas devem ser julgadas onde os seus crimes foram cometidos. Trump voltou à carga numa tentativa de fazer humor: "Você gostaria de ter um bom combatente do EI? Você pode levar todos os que quiser", ao que Macron cortou: "Vamos ser sérios. É verdade que há combatentes vindos da Europa, mas esta é uma pequena minoria e penso que a prioridade número um, porque não está terminada, é acabar com o EI e com os grupos terroristas. Esta é a nossa prioridade número um e ainda não está concluída", afirmou.

Trump, que não deu uma palavra ou um gesto de concordância com Macron sobre o tema, quis ter a última palavra ao comentar que Macron não tinha respondido à pergunta. "É por isso que ele é um grande político, porque esta foi uma das maiores não respostas que já ouvi. Tudo bem."

Mas o combate verbal continuou, e Macron continuou a gesticular: "Pode haver a tentação do lado norte-americano de dizer que é responsabilidade da Europa. Lamento dizer, mas não é. A prioridade é não sermos ambíguos com esses grupos, e é por isso que começámos a discutir as nossas relações com a Turquia. É por isso que qualquer ambiguidade com a Turquia em relação a esses grupos é prejudicial a todos para a situação no terreno", disse Macron.

De seguida, Trump voltou a falar do seu inimigo de estimação. "Não quero que me aconteça o que aconteceu ao presidente Obama, quando [o EI] se reorganizou e ficou mais forte. Nós temos o petróleo."

O fator turco

A Turquia ameaça bloquear um plano de defesa dos estados Bálticos e da Polónia contra um ataque russo, a menos que a aliança apoie Ancara no reconhecimento da milícia curda Unidades de Proteção do Povo, YPG, como um grupo terrorista. Os combatentes do YPG têm sido aliados dos norte-americanos e franceses no terreno contra o Estado Islâmico da Síria, mas a Turquia considera o YPG um inimigo devido às ligações com os rebeldes curdos e com o ilegalizado PKK no sudeste da Turquia.

"Se os nossos amigos da NATO não reconhecerem como organizações terroristas aquelas que consideramos organizações terroristas vamos opor-nos a qualquer passo que venha a ser dado", afirmou o presidente da Turquia, Recep Tayyip Erdogan, antes de viajar para Londres.

Mais tarde, uma reunião juntou Macron e Erdogan, bem como os chefes de governo britânico, Boris Johnson, e alemão, Angela Merkel, mas não trouxe novidades. "Nem todos os esclarecimentos foram obtidos e nem todas as ambiguidades foram resolvidas", disse Emmanuel Macron no final da reunião. Com a Turquia, explicou, "há desacordos que existem, escolhas que não são as mesmas, mas há uma necessidade de avançar".

Já a chanceler alemã, que antes de partir de Berlim se declarou "relativamente otimista", declarou: "A reunião foi interessante, mas só pode ser o início de um processo de discussão mais longo."

No que todos concordaram foi no fim de todos os ataques contra civis sírios. Uma declaração que Erdogan subscreveu horas depois de um ataque de artilharia turca ter matado 11 pessoas, das quais oito crianças, em Tal Rifaat, na província de Alepo.

Estratégia de Macron resulta?

O facto é que as declarações de Emmanuel Macron tiveram o condão de fazer Trump sair em defesa da NATO, quando há três anos considerava a organização "obsoleta", tendo criticado continuamente os aliados europeus por não contribuírem mais quer para o orçamento da organização quer por não estarem a aproximar-se da meta da despesa em defesa equivalente a 2% do PIB.

Desta vez, o norte-americano regozijou-se com o facto de os outros países estarem a gastar mais dinheiro em defesa e de se terem comprometido em gastar 400 mil milhões de dólares em 2024. "A NATO fez grandes progressos nos últimos três anos."

Ainda assim, Trump voltou a criticar os países europeus: "Não é correto que se tire partido da NATO e também que se tire partido do comércio, e é isso que acontece. Não podemos deixar que isso aconteça", disse sobre as divergências desde o setor aeroespacial ao imposto digital europeu sobre as grandes empresas tecnológicas dos EUA.

A esse propósito voltou a ameaçar Paris, ao lado de Macron. "Nós tributámos o vinho e temos outros impostos agendados. Preferimos não o fazer, mas é assim que funciona. Portanto, ou isso vai para a frente ou vamos trabalhar em conjunto num imposto mutuamente benéfico", disse.

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