Trump criticado por rejeitar multilateralismo na ONU
O presidente norte-americano, Donald Trump, rejeitou nesta terça-feira a ideologia do "globalismo" a favor do "patriotismo", num discurso na Assembleia Geral das Nações Unidas, em que acusou o Irão de "semear o caos" no Médio Oriente e defendeu o isolamento do regime "corrupto". Avisou ainda que a ajuda externa dos EUA será só para "amigos".
"Temos de proteger a nossa soberania e a nossa querida independência acima de tudo", defendeu Trump, em Nova Iorque, alegando que só sobre essa base o mundo encontrará "novas avenidas para a cooperação, nova paixão para a paz e um novo sentido e determinação".
"Vamos escolher um futuro de patriotismo, prosperidade e orgulho, de liberdade frente ao domínio e à derrota", afirmou o chefe do Estado norte-americano.
Trump, que se atrasou e obrigou a alterar a ordem dos discursos, começou por dizer na Assembleia Geral da ONU que a sua administração conseguiu mais em menos de dois anos do que quase qualquer outra administração na história dos EUA.
"É verdade", disse, arrancando alguns risos. "Não esperava essa reação, mas OK", acrescentou, com os risos a alastrarem pela sala. "Os EUA são mais fortes, seguros e um país mais rico do que quando assumi o cargo há menos de dois anos", defendeu.
O presidente de França, Emmanuel Macron, discursou algum tempo depois de Trump, não deixando passar em branco as afirmações proferidas pelo seu homólogo dos EUA. O líder francês enumerou três vias possíveis que o mundo pode seguir. Acarretando, consequentemente, os resultados que delas vierem.
"A segunda via é a tentação da lei do mais forte, a do unilateralismo, que nos leva a um confronto de todos contra todos, sem ninguém ganhar, mesmo se no final é o mais forte que acha que venceu. A lei do mais forte não protege ninguém. Nós sabemos que o Irão estava na via de um programa nuclear militar. Mas o que é que o travou? O Acordo de Viena de 2015", afirmou o chefe do Estado francês, defendendo "o diálogo e o multilateralismo" face ao regime de Teerão enquanto, momentos antes, no mesmo local, Trump apelara ao isolamento do Irão.
"Acredito na soberania dos povos e, ao mesmo tempo, numa cooperação reforçada de múltiplos tipos. Não deixarei a soberania dos povos nas mãos dos nacionalistas que utilizam a soberania dos povos para atacar a universalidade dos nossos valores. São as desigualdades profundas às quais não soubemos responder que alimentam os nacionalismos e todas estas crises. Nós devemos uma resposta a todos os cidadãos, às crianças que não vão à escola, vítimas de cheias, de seca, às mulheres que não têm acesso à contraceção, que não têm proteção contra a violência doméstica, às pessoas que passam fome, às aspirações dos jovens, que vivem em grande parte em países em vias de desenvolvimento."
Visivelmente irritado, batendo com a mão no púlpito de onde falava, de forma insistente, Macron avisou: "Os que acham que não temos de responder a estas situações apenas estão a preparar as próximas crises." O chefe do Estado francês prometeu, assim, que "a agenda das desigualdades estará no coração da agenda da presidência francesa do G7 em 2019". E constatou: "Não é aceitável não ter as mesmas oportunidades por causa do país em que nascemos ou porque se é mulher. A França vai propor uma coligação para se chegar a uma lei que promova a igualdade entre homens e mulheres."
Emmanuel Macron, que chegou ao Eliseu após lançar o movimento centrista En Marche!, considerou que "é preciso dar a África o seu lugar", pois "é com este continente que precisamos de trabalhar para saber se ganhámos ou perdemos a batalha contra as desigualdades".
Ainda no campo das críticas ao unilateralismo e das indiretas ao chefe do Estado norte-americano, o presidente francês garantiu que "a decomposição do Acordo de Paris foi evitada apesar da decisão dos EUA de se retirarem". E defendeu uma aposta nas instituições multilaterais também a nível do comércio, em vez de acordos bilaterais, como os que Trump tem procurado fazer desde que chegou ao poder após vencer para os republicanos as eleições presidenciais de 2016.
"Temos de mudar de método, rever as nossas regras, tanto a nível comercial como social. Devemos restabelecer o poder da Organização Mundial do Comércio em arbitrar diferendos comerciais. É preciso refundar a OMC", sublinhou Macron, antes de acabar o seu discurso.
Obstinado, batendo com o punho no local de onde falava para a audiência, o chefe do Estado francês garantiu: "Sei que muitos podem estar cansados do multilateralismo, numa sociedade em que se diz as piores coisas nas redes sociais como se nada fosse falar de multilateralismo pode não estar na moda. Mas a mim não me importa estar na moda. Não se habituem a este unilateralismo. Isso é uma traição à nossa história. Eu não me habituarei."
Em resposta direta a Trump, o presidente do Irão, Hassan Rouhani, acusou a atual administração dos EUA de pretender minar o multilateralismo, tentando inutilizar as organizações internacionais.
"Deve ser afastada de uma vez por todas a ideia de que se pode conseguir paz e segurança recusando a paz e a segurança de outros. Confrontar o multilateralismo não é um sinal de força mas um sinal de fraqueza e incapacidade de perceber um mundo interconectado. Os que procuram hegemonia são os inimigos da paz. A atual administração dos EUA parece querer tornar todas as instituições internacionais ineficazes. Os EUA saem do acordo e, depois, convidam o Irão para acordo bilateral. Em que bases vamos entrar num acordo com uma administração que se comporta desta maneira? O governo dos EUA quer derrubar o mesmo governo que convida depois para conversações", declarou o presidente do Irão, no discurso que fez nesta terça-feira na Assembleia Geral da ONU.
"A política da República Islâmica do Irão inscreve-se numa abordagem do multilateralismo", garantiu Rouhani, sublinhando que o Acordo de Viena do qual os EUA de Trump se retiraram resultou de anos de negociações internacionais entre várias partes. "O Irão tem cumprido todos os seus compromissos. Porém, os EUA não o fazem. A atual administração, violando os seus compromissos, retirou-se do acordo. A ONU não deve permitir isto nem admitir estratégias eleitorais internas dos seus membros", declarou, referindo-se ao uso que Trump faz da política externa para obter ganhos a nível interno.
"Os EUA ameaçam todos os Estados e organizações que cumprirem o acordo com o Irão. A visão dos EUA das relações internacionais reflete bullying. Nenhum Estado pode ser levado à força à mesa das negociações. No fim de contas não há outra forma que não seja o diálogo. O diálogo deve ser feito de forma igual e em respeito pelo direito internacional. O diálogo pode começar aqui mesmo, nas Nações Unidas, com quem abandonou a mesa das negociações", afirmou Rouhani, devolvendo a bola ao campo de Trump.
O presidente português, por seu lado, recusou aplaudir o discurso do presidente norte-americano na Assembleia Geral da ONU nesta terça-feira. E explicou porquê.
Portugal acredita "acima de tudo na orientação do secretário-geral das Nações Unidas", António Guterres, afirmou Marcelo Rebelo de Sousa.
"Entendemos que a linha de orientação dele para as Nações Unidas está correta, coincide com a linha que nós defendemos. Há outras orientações, mas que são diversas das nossas", afirmou.
O presidente da República falava aos jornalistas na sede das Nações Unidas, em Nova Iorque, cerca de uma hora e meia depois de ter ouvido Donald Trump rejeitar "a ideologia do globalismo", em favor da "doutrina do patriotismo", num discurso no debate geral da 73.ª sessão da Assembleia Geral desta organização.
Questionado sobre o motivo pelo qual não aplaudiu o discurso do presidente norte-americano, Marcelo Rebelo de Sousa respondeu que Portugal "sobre a matéria do papel das Nações Unidas e da situação mundial tem uma visão que é defender o multilateralismo, defender o diálogo".
"Defender a preocupação com as alterações climáticas, defender a concertação permanente para resolver os conflitos mundiais, defender o livre-comércio internacional e não o protecionismo", completou.
O Chefe do Estado disse que a intervenção que fará na quarta-feira nas Nações Unidas "vai nesse sentido": "Portanto, em função do sentido da intervenção, é natural que, perante as várias intervenções de outros países, nós reajamos em obediência à nossa orientação fundamental", disse.
"Nós temos é, sobretudo, de defender aquilo em que acreditamos", considerou.
com Susana Salvador e Lusa