Trump tem muito mais juízo do que Bolton. Ainda bem!
Fazer a América grande outra vez não significa para Donald Trump bombardear países e fazer invasões para mudar regimes. John Bolton não percebeu isso e foi demitido de Conselheiro Nacional de Segurança - através de um tweet presidencial, sublinhou toda a gente, mas não é esse o traço de Trump que emerge desta choque na Administração. O que sobressai é que o presidente não alinha com os neo-conservadores, uma corrente de pensamento que teve o auge na era de Bush filho e que deixou como principal marca no legado do seu antecessor republicano o caos pós-invasão do Iraque.
Trump não se tem mostrado adepto de guerras, quando muito envolve-se pessoalmente numa de caráter comercial como a atual contra a China. Desde o início se sabia da sua vontade de dialogar com a Rússia, assim como do fascínio por Vladimir Putin, recusando o regresso obrigatório à lógica da Guerra Fria. Depois deu mostras de contenção na Síria, bombardeando o exército de Bachar Al-Assad, mas só para avisar contra excessos. Reuniu-se também em cimeira com Kim Jong-un, o líder norte-coreano a quem antes chegou a ameaçar com o botão nuclear americano se insistisse em construir mísseis; em relação à Venezuela, e seguindo até os conselhos de Bolton, apoiou o presidente alternativo a Nicolas Maduro mas não ao ponto de enviar tropas em seu auxílio; mesmo no caso do Irão, apesar de ter rasgado o acordo sobre o nuclear negociado pelo democrata Barack Obama, deu provas de bom-senso ao anular um ataque de represália por causa do derrube de um drone - é consensual que um conflito com o Irão dos ayatollas faria a guerra de 2003 que derrubou Saddam Hussein parecer uma brincadeira de crianças.
Mudar o regime iraniano, e já agora o norte-coreano, estava nas prioridades de Bolton, famoso pelo bigode farfalhudo, mesmo que Trump sempre tenha dito que só quer um novo acordo com mais restrições a Teerão, em especial no que diz respeito ao programa de mísseis. Mas a desavença final, a que fez transbordar o copo de água, foi o desacordo sobre negociar ou não com os talibãs, talvez o motivo menos óbvio.
O belicista obsessivo Bolton, apoiado pelo vice-presidente Mike Pence, opunha-se a entendimentos com os antigos protetores afegãos de Ussama bin Laden, o mentor do 11 de Setembro. A sobrevivência e regresso em força dos chamados estudantes de religião foi outro dos grandes fracassos da política de George W. Bush e dos neo-conservadores, pois significou que a mudança de regime em Cabul não trouxe a paz desejada e as bombas e os atentados suicidas continuaram a regra, perante um Estado fraco. Obama também não foi capaz de aniquilar os talibãs, mesmo que tenha sido nos seus mandatos que Bin Laden foi morto e o mullah Omar morreu.
Perante a persistência do conflito no Afeganistão, e apesar de um governo pró-americano, Trump decidiu ser pragmático e autorizar o diálogo com os talibãs, ainda por cima quando estes também se mostram avessos ao Daesh e ao mesmo tempo controlam cada vez mais território. O presidente da poupa loira só falhou (estamos a falar de Trump, não esquecer) ao não perceber que o encontro decisivo com os islamitas ficava mal acontecer na altura do 18.º aniversário do maior atentado terrorista da história, que matou quase três mil pessoas em Nova Iorque e Washington. Mesmo assim, ainda que tardiamente, cancelou-o.
Zalmay Khalilzad, o diplomata que tem encabeçado o processo de negociações, procura sobretudo retirar os Estados Unidos do atoleiro afegão, permitindo desmobilizar o resto das tropas pouco a pouco, apesar da opinião em contrário do presidente Ashraf Ghani. Nascido no Afeganistão, Khalilzad conhece bem o mosaico étnico e religioso do país e já percebeu a força da implantação dos talibãs, nomeadamente entre os pastunes, a comunidade mais numerosa. Um realismo geopolítico, vindo de um homem que também foi da confiança de Bush filho, que Trump preza porque lhe permite justificar a retirada que, apesar do impasse recente, deverá acontecer em breve. E, afinal, nisto de cenários de guerra, Trump tem em geral muito mais juízo do que Bolton e isso veio ao de cima agora. Preferia ganhar o Nobel da Paz a qualquer guerra.