Trovão, mentiras e vídeo. A noite louca da greve dos camionistas do Brasil
Motivados pelas manifestações de 7 de setembro a favor de Jair Bolsonaro e contra o Supremo Tribunal Federal (STF) de que foram parte ativa, camionistas brasileiros realizaram 110 bloqueios em autoestradas de 15 estados do Brasil na madrugada de dia 9. O objetivo era pressionar o poder judicial, que mandou prender bolsonaristas por atos considerados anti-democráticos, e agradar ao presidente da República. No entanto, nada correu como previsto.
A meio do bloqueio, os camionistas foram vítimas de uma notícia falsa a dar conta de que Bolsonaro, graças à ação deles, havia decretado "estado de sítio". Muitos gravaram vídeos eufóricos, em lágrimas, a clamar vitória e a gritar "mito, mito, mito", a forma como se dirigem ao presidente.
Parecia atingido o objetivo de Zé Trovão, como é conhecido Marcos Gomes, o líder dos camionistas dado como foragido da justiça, depois de no dia 3 o juiz Alexandre de Moraes, principal alvo dos bolsonaristas, ter decretado a sua prisão. "Vamos bloquear todas as bases e só deixar passar ambulâncias, remédios e oxigénio", ordenara Trovão, horas antes.
No entanto, no meio da euforia, Bolsonaro enviou um áudio pela aplicação Whatsapp a Trovão e outros que soou como banho de água fria. "Fala para os caminhoneiros aí, são nossos aliados, mas esses bloqueios aí atrapalham a nossa economia, isso provoca desabastecimento, inflação. Prejudica todo mundo, especialmente os mais pobres. Então dá um toque aí nos caras, se for possível, para liberar, tá ok, para a gente seguir a normalidade".
Trovão não quis acreditar. Achou que o áudio fosse antigo ou uma imitação humorística da voz do presidente. E enviou um vídeo de volta pelas redes sociais: "Nós precisamos de uma resposta do senhor. Se é para abrir, o senhor faça um vídeo, fale data e hora, e nos peça que a gente vai atender o senhor".
Nessa altura, surgiram versões conflituantes. Por um lado, o deputado bolsonarista Otoni de Paula (PSC) garantia aos camionistas que o audio era falso - "o presidente é um estratega, ele pede paciência, encontrei-me agora com ele e o audio é falso". Mas o Ministro da Infraestrutura, Tarcísio Freitas, obedecendo ao pedido do líder dos camionistas, enviou-lhe um vídeo onde confirmava o teor do áudio de Bolsonaro e reforçava a ordem para desbloquear. "O áudio é real, é de hoje, e mostra a preocupação do presidente com a paralisação. Essa paralisação ia agravar efeitos na economia, como a inflação, e ia impactar nos mais pobres, nos mais vulneráveis".
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Trovão não gostou e enviou novo vídeo. "Presidente, se o senhor realmente quer que a gente abra as pistas e volte a trabalhar, eu tenho duas coisas para dizer para o senhor. A primeira é que minha vida está destruída, porque eu estou sendo perseguido politicamente, com mandado de prisão, passando por tudo e com risco de nunca ver minha família".
"Veja bem tudo o que está acontecendo não só na minha vida como da de tantos como Wellington Macedo, Oswaldo Eustaquio, Sara Winter, Daniel da Silveira que está preso. Precisamos resolver tudo isso, porque o Brasil não pode continuar desse jeito", prosseguiu, citando outros bolsonaristas acusados de protagonizar atos anti-democráticos.
Otoni de Paula voltou então a falar com os camionistas, tentando acalma-los. E enquanto uns chegaram a chamar Bolsonaro de "frouxo", outros, ao fundo, continuavam a festejar o estado de sítio que nunca se verificou, alheios aos desenvolvimentos mais recentes.
Após a noite, confusa, o humorista Marcelo Adnet, conhecido imitador de Jair Bolsonaro, gravou um áudio, agora sem dúvida falso, a parodiar o primeiro onde pedia para todos os camionistas se "manterem em pé a dançar Macarena".
Numa das primeiras reações políticas à noite louca dos camionistas, Baleia Rossi, do MDB, opositor de Bolsonaro, disse que o governo "deu um tiro, de fuzil, no pé".
Segundo as últimas atualizações, entretanto, o governo de São Paulo, liderado por João Doria, do PSDB, também opositor do presidente, equacionava usar a força para impedir bloqueios no seu estado. Ouvidas pela imprensa brasileira, as Forças Armadas disseram que a tensão estava "sob controle".
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