Tropicalista ontem e hoje
Nascido em 1936 numa aldeia do Nordeste brasileiro, Tom Zé escapou a uma vida difícil e anónima devido ao seu fascínio pela música e à possibilidade de estudar na Universidade da Bahia no final dos anos 50, época em que o seu departamento musical era dirigido por nomes como HJ Koellreutter e Walter Smetak, oriundos da Europa e decididos a explorar todas as possibilidades vanguardistas permitidas pelas revoluções sonoras do século XX. Esse caldo musical, decisivo no aparecimento do movimento tropicalista, marcou Tom Zé para sempre, e ainda hoje é bem visível nas suas canções. De facto, ao contrário de Caetano Veloso ou Gilberto Gil, seus velhos companheiros tropicalistas que nos anos 70 deram o salto para a chamada MPB, Tom Zé permaneceu um compositor iconoclasta e extremamente inovador - hoje, ele é o elo perdido do tropicalismo, continuando o seu processo de desconstrução da música popular. Isso é bem visível no seu novo disco, Estudando o Pagode, que tanto a nível gráfico como em termos de conceito retoma o mítico álbum de 1976 Estudando o Samba, aquele que apaixonou David Byrne no final dos anos 80 numa velha cópia de vinil, oferecendo uma segunda vida a Tom Zé quando já se preparava para abandonar o meio musical. Bendita ressurreição ontem como hoje, Tom Zé é um dos mais estimulantes e desconcertantes autores do Brasil. Ele é o dodó da música brasileira - não há outro, e só o facto de existir ainda causa o maior dos espantos. João Miguel Tavares