Trocar os ecrãs pela realidade: trazer de volta a curiosidade

Catherine L"Ecuyer defende que se deve voltar à brincadeira, remover a grande influência da tecnologia nas crianças e deixá-las aprender com aquilo que está à sua volta.
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Com os ecrãs a tomar conta da vida das crianças, os pais começam a preocupar-se cada vez mais com as consequências das tecnologias e o que podem fazer para que os filhos voltem a brincar. E, ao mesmo tempo, aproveitar a vontade das crianças de conhecer o mundo, pois tudo o que de novo lhes aparece os impressiona.

Catherine L"Ecuyer é uma consultora e investigadora canadiana que se dedica ao estudo de temas educativos e no seu trabalho considera que o espanto é como ver algo pela primeira e última vez, mas não é exclusivo às coisas que vemos pela primeira ou última vez. Apresenta o exemplo do sol que vemos todos os dias, mas quando o vemos ficamos impressionados na mesma. "A criança tem o desejo interno de conhecer porque a curiosidade é algo natural. Não é algo que se obrigue as pessoas a ter. O que acontece com os ecrãs, um estímulo vindo do exterior, é que se está a estimular as crianças a toda a hora e em vez de ela se tornar ativa, fica passiva", explica a autora em conversa com o DN.

Catherine L"Ecuyer tem dois dos seus livros editados em Portugal: Educar na Curiosidade e Educar na Realidade. Em ambos a autora discute como é que os pais podem educar os filhos num mundo em constante mudança e movimento proporcionado pelos ecrãs e novas tecnologias. Sugere como encontrar formas de regressar à brincadeira.

"Cada criança tem um limiar de sensibilidade a um determinado nível e tudo o que está abaixo dele a criança sente, como é natural da idade. No entanto, quando se sobre-estimula a criança é difícil para elas sentirem algo a não ser que esteja acima deste novo limiar". A autora explica que o limiar de sensibilidade tem aumentado cada vez mais devido aos estímulos cada vez mais intensos oferecidos pelas indústrias audiovisuais, incluindo séries, filmes e videojogos.

Ao receber tantos estímulos, os pais são confrontados com crianças aborrecidas que precisam de algo realmente impressionante que capte a sua atenção. "A falta de atenção torna a tarefa de educar tanto na escola como em casa muito difícil. Os professores têm de dançar para ter a atenção dos alunos e em casa as crianças não ouvem quando são chamadas para ir jantar".

A autora explica, à luz da teoria do fluxo, a razão das crianças ficarem aborrecidas mesmo com todos os estímulos que a tecnologia oferece. O estado de fluxo é quando uma pessoa entra num estado mental de imersão total naquilo que está a fazer. "Este fluxo acontece quando a capacidade da criança se cruza com um desafio que é realista. Se o desafio for demasiado difícil causa ansiedade, mas se for demasiado simples leva ao aborrecimento. O que é que acontece com a tecnologia? É demasiado fácil para a criança porque tudo já está pronto para ser consumido, não há desafio. A criança segue o ecrã em resposta aos estímulos intermitentes do ecrã".

A Academia Americana de Pediatria e a Sociedade Canadiana de Pediatria recomendam que uma criança entre os zero e os dois anos não deve ter qualquer contacto com ecrãs, e entre os dois e os cinco anos deve passar menos de uma hora com novas tecnologias, sendo que este deve ser conteúdo de qualidade. "Isto não contempla uma criança passar três horas em frente a um tablet enquanto os pais jantam. Não faz qualquer sentido", afirma Catherine L"Ecuyer.

A consultora explica que as crianças, antes de completarem seis anos, aprendem de duas maneiras, através das relações interpessoais e através das experiências sensoriais, e por isso é que quando são pequenos os bebés tocam e provam tudo aquilo a que as suas mãos chegam. Ao introduzir-se a tecnologia tão cedo na vida de uma criança, o seu desenvolvimento fica comprometido.

A autora refere que não é contra as novas tecnologias, entende perfeitamente os benefícios que trouxe a várias áreas da sociedade, como a medicina. Apenas defende que crianças pequenas, e especialmente abaixo dos seis anos, não precisam de estar em contacto constante com estas tecnologias. Considera além de tudo isto que a tecnologia não é neutra nas mãos de uma criança de dois anos. "Podemos pensar numa faca, por exemplo, e dizer que é algo neutro.

Com ela podemos descascar batatas ou matar uma pessoa. É algo neutro porque depende apenas de como a usamos. Sim e não. Se estiver nas mãos de uma criança de dois anos não é algo neutro. Por isso se estivermos lidar com crianças com mentes que ainda não estão prontas para usar tecnologia, a tecnologia não é neutra".

Catherine L"Ecuyer defende ainda que é necessário voltar a brincar com as crianças e ajudá-las a desenvolver a sua mente desta forma. A investigadora considera mesmo que se está a regressar à brincadeira porque os pais começam realmente a compreender as consequências que o uso de tecnologia tem nas crianças.

sara.a.santos@dn.pt

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