Troca de Passos por Cavaco traz riscos e vantagens a Luís Montenegro

Líder histórico do PSD fez o que não fazia há 28 anos, indo a um congresso que o aplaudiu a si e a medidas para reaver eleitores perdidos no último governo social-democrata. "Ungido" por Cavaco Silva, com Passos Coelho ausente, Montenegro tem o desafio pela frente.
Publicado a
Atualizado a

A surpreendente comparência de Cavaco Silva para assistir ao discurso de Luís Montenegro que encerrou o 41.º Congresso do PSD, levando ao delírio todos os sociais-democratas presentes na noite de sábado no Complexo Municipal dos Desportos da Cidade de Almada (a começar por aquele que elegeram presidente no ano passado), terá sido muito mais do que uma ocasião para militantes e dirigentes aplaudirem de pé o antigo Presidente da República e primeiro-ministro que os conduziu a três vitórias eleitorais, duas das quais com maioria absoluta, numa década de governação que Montenegro disse ter trazido "o maior e mais profundo desenvolvimento que Portugal viveu no pós-25 de Abril". Em causa terá estado também a troca de principal referência de quem sucedeu a Rui Rio com a aura de antigo líder do grupo parlamentar de Pedro Passos Coelho.

Para o advogado e comentador político José Miguel Júdice, a invulgar deslocação de Cavaco Silva à reunião partidária, realizada a três meses e meio das eleições legislativas, e que poderá representar para o PSD o fim de um "jejum" de mais de oito anos sem governar Portugal, foi "um momento ritual muito importante" para Luís Montenegro. Isto porque o líder histórico "fez a unção de uma espécie de sucessor", até porque desde o célebre Congresso de 1995, quando Fernando Nogueira lhe sucedeu na liderança social-democrata, que Cavaco mantinha cautelosa distância de tais eventos. "Objetivamente, foi uma grande vitória de Montenegro", acrescenta Júdice, para quem houve "uma passagem de testemunho" e o antigo governante e estadista deixou implícito que "fará tudo para que ganhe".

Cavaco Silva não discursou em Almada, ouvindo Montenegro prometer que "vamos estar à altura do seu legado nos próximos anos", na primeira fila do congresso, tendo ao lado as suas ex-ministras Leonor Beleza e Manuela Ferreira Leite (a outra ex-líder do PSD que compareceu no congresso), tal como o presidente da Câmara de Lisboa, Carlos Moedas. Mas à saída, abrindo caminho por entre as câmaras, recordou o aval que há seis meses deu à preparação do presidente do seu partido para exercer as funções de primeiro-ministro de Portugal.

"Estou convencido de que Portugal precisa de uma mudança que traga uma nova esperança aos portugueses, sem o que será impossível melhorar as condições de vida das populações e impedir que os nossos jovens mais qualificados fujam para o estrangeiro", disse Cavaco Silva, garantindo que "confia na sabedoria dos portugueses" quando chegar 10 de março de 2024.

Sendo certo que um discurso à hora dos telejornais em que o presidente do PSD apresentou prioridades dirigidas a pensionistas e a professores contrastaria com a presença de Pedro Passos Coelho caso tivesse sido o mais recente primeiro-ministro social-democrata a surgir de surpresa no encerramento do 41.º Congresso do PSD, há dúvidas sobre se a mudança da principal referência nas opções políticas de Luís Montenegro garantirá ou não bons resultados.

Reconhecendo o descolamento em relação a Passos Coelho, André Azevedo Alves, professor do Instituto de Estudos Políticos da Universidade Católica, adverte que as mensagens de Luís Montenegro para recuperar "segmentos de eleitores que o PSD perceciona ter perdido" poderão constituir "uma jogada de alto risco". "Arrisca-se a perder votos à direita por fazer estas promessas aos professores e aos pensionistas. E tenho dúvidas de que os ganhos nos funcionários públicos e nos pensionistas compensem", refere, identificando dois grandes riscos: as medidas poderem serem vistas como "desespero por já não saber o que fazer em vez de ter uma estratégia consolidada" para que o PSD aumente intenções de voto que se mantêm contidas, apesar da demissão de António Costa, na sequência da Operação Influencer, e o "risco de tudo isto parecer postiço" quando o PS "abandonou a imagem de completa irresponsabilidade orçamental"que teve com José Sócrates".

Ainda que considere que a presença do antigo Presidente da República e primeiro-ministro teve mais impacto para o interior do partido do que para a generalidade dos portugueses, André Azevedo Alves destaca que "muitos dos atuais pensionistas terão memórias fortes e positivas de Cavaco Silva", que obteve as maiores votações em eleições legislativas, nas maiorias absolutas de 1987 e 1991, sendo o político mais bem-sucedido junto do eleitorado nacional.

No entanto, o professor universitário também realça que não se deve menosprezar o peso político de Passos Coelho, afastando qualquer comparação com o efeito que José Sócrates tem no PS. "Apesar de ter sido o rosto da austeridade durante quatro anos, ainda ganhou as eleições e teve muito mais votos do que Rui Rio", salienta André Azevedo Alves, referindo-se ao resultado das legislativas de 2015. Nessa altura, a coligação Portugal à Frente, formada pelo PSD e pelo CDS-PP do vice-primeiro-ministro Paulo Portas, ficou em primeiro lugar, com 38,5% dos votos, mas somou apenas 108 deputados, pelo que o PS de António Costa pôde formar governo com apoio do Bloco de Esquerda, do PCP e do PEV.

Entre os sociais-democratas que participaram no 41.º Congresso do PSD é voz corrente a recusa de que Passos Coelho tenha sido esquecido, mas a realidade é que o nome do ex-primeiro-ministro acabou por ecoar poucas vezes no Complexo Municipal dos Desportos da Cidade de Almada. Uma das exceções foi o ex-secretário dos Negócios Estrangeiros e da Cooperação, Luís Campos Ferreira, a quem coube defender que o seu partido dever ter "muito orgulho em todo o trabalho" quando governou sob a tutela da troika. "Fomos nós que fomos ao batente, fomos nós que fomos resolver, fomos nós que fomos para o Governo restabelecer a dignidade nacional depois de o PS deixar por várias vezes o país no caos", disse.

Por seu lado, Luís Montenegro reservou uma referência curiosa ao antigo primeiro-ministro social-democrata no discurso com que encerrou os trabalhos. Pouco antes de prometer ser "o primeiro-ministro de que Portugal precisa nos próximos anos", criticou a dificuldade do PS assumir responsabilidades por "conduzir Portugal a uma situação de pântano político" e aproveitou para gracejar, a propósito da demissão de António Costa, que os socialistas irão dizer que "a culpa há-de ser da direita, a culpa há-de ser do Passos, a culpa talvez há-de ser do Cavaco, e ainda há-de ser do 25 de Novembro".

Artigos Relacionados

No stories found.
Diário de Notícias
www.dn.pt