Tristão e Isolda, ou uma barca cheia de buracos em Belém

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Tristão e Isolda é das óperas mais difíceis do repertório. Pela sua extensão, pela escrita orquestral, pela temível dificuldade dos dois papéis principais, enfim pela necessidade de um grande maestro-intérprete. Outrossim coloca ela sérios problemas, teatralmente, pela quase total ausência de ação exterior: tudo se passa entre as personagens e dentro destas, desfiando longos diálogos ou monólogos, sendo nestes e na sua ação sobre emoções e psique das personagens que tudo deve focar-se.

Também por tudo isto uma ópera rara em Lisboa, mais se lamenta que tenha sido infeliz o regresso da obra-prima wagneriana ao nosso convívio.

Não vamos discutir a competência de Graeme Jenkins, mas afirmamos simplesmente: o Tristão é a mais sinfónica de todas as óperas e, por isso, nela é a orquestra o grande motor do drama, enquanto incubadora, espelho e prenunciadora do mesmo. Ora Jenkins nunca mostrou ser capaz de levar a orquestra a assumir esse papel. E embora os tempi não tenham sido lentos, a sensação de arrastar foi muito insistente. Para o que também concorreu uma Sinfónica Portuguesa uns furos abaixo do que lhe víramos na recente Anna Bolena: pouco segura, pouco oleada, sem noção da elasticidade do "tempo" - a agógica (culpa do maestro? pouco tempo de ensaios?), com muitas imperfeições, nunca criou aquele som gerador das atmosferas "internas" e externas do que se vai desvelando no palco. Mas também os limites do elenco podem ter sido um fator - e houve--os (e muitos!), de facto.

Erin Caves (Tristão) e Elisabete Matos (Isolda) foram os dois igualmente impotentes para habitar os papéis, vocal e dramaticamente, embora neste último plano culpas possam ser assacadas às diretrizes do encenador, Charles Edwards. Luís Rodrigues tem mostrado a sua versatilidade ao longo dos anos, mas Kurwenal não é de todo papel para ele. Catherine Carby (Brangäne) "salvou" no II Ato a pálida impressão deixada no I Ato. Já Kristinn Sigmundsson (Rei Marke) foi a única voz wagneriana da tarde (2.ª récita). Boa surpresa foi o modo como a voz de Marco Alves dos Santos "encaixou" nos papéis de Jovem Marinheiro (embora com deslizes) e de Melot. João Terleira e João Oliveira cumpriram.

Mas sobre todos eles "pendeu" a equívoca e errática caracterização(?) dramatúrgica do encenador, reforçada por discutíveis figurinos e opções no desenho de luz (incluindo uma fífia em pleno dueto do II Ato). A cenografia foi do interessante ao declarado mau (por vezes péssimo) gosto.

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