Tribunal pede condenação de empresa de autocarros por horas extra não pagas
Afalta de pagamento de horas extraordinárias e ajudas de custo também afeta motoristas portugueses e não apenas trabalhadores imigrantes da Auto Viação Feirense, transportadora que opera parte das carreiras entre Moita e Setúbal da Carris Metropolitana. Neste momento, corre na barra do juízo do Trabalho do Tribunal de Setúbal um processo contra a empresa de autocarros, em que o Ministério Público pede a condenação da Feirense ao pagamento de uma indemnização de 6929,75 euros a um motorista por trabalho suplementar e ajudas de custo por deslocações a Espanha, que não foram pagos, mais juros de mora, segundo as peças processuais a que o Dinheiro Vivo teve acesso.
A petição do motorista deu entrada no tribunal a 23 de novembro do ano passado. Com o patrocínio do Ministério Público, foi considerado provado que a Feirense deve àquele motorista 2584,72 euros referentes a ajudas de custo por 18 deslocações que o trabalhador realizou para levar autocarros de Espanha para a empresa, reforçando a sua frota. Àquele valor acrescem 1107,02 euros por trabalho suplementar durante o mês de junho, mais 234,5 euros por 25 horas extraordinárias à segunda hora. Foram ainda apurados 121 euros devidos por subsídio de alimentação não pago no mês de maio e 157,33 euros relativos aos proporcionais do subsídio de férias e de Natal do ano passado. O total dá 3994,57 euros e Ministério Público considerou ainda que a Feirense deveria pagar uma indemnização de 2832 euros, o equivalente a três vezes o salário mensal bruto, de 944 euros, do trabalhador em causa, mais juros de mora. Tudo somado, a empresa terá de desembolsar 6929,75 euros.
Entretanto, a Auto Viação Feirense ainda tentou contestar a decisão, mas o Ministério Público decidiu rejeitar o recurso, mantendo o pedido de condenação da transportadora. O DV questionou a empresa, no sentido de saber se iria recorrer novamente ou, pelo contrário, indemnizar o trabalhador, mas até ao fecho desta edição não obteve resposta.
O processo foi espoletado com a entrada de um pedido de demissão por justa causa, em julho de 2022, por parte do trabalhador devido a atrasos no processamento dos salários de maio, junho e julho do ano passado. Na altura, a empresa não aceitou os moldes da rescisão, alegando que o motorista estaria a prestar serviços à Alsa Todi, na operação da Carris Metropolitana, violando o princípio de exclusividade funções.
Contudo, a procuradora da República, Célia Veigas, acabaria por verificar que, na realidade, o motorista foi cedido pela Feirense à Alsa para o serviço público de transporte de passageiros na margem sul, entre Moita e Setúbal. Ou seja, o motorista estava a trabalhar para a Alsa, mas por acordo entre a Feirense e aquela transportadora e não por iniciativa própria. A este propósito, o Ministério Público notificou, a 15 de junho deste ano, "a Alsa Todi Metropolitana de Lisboa, para, em 10 dias, juntar aos autos o contrato celebrado com a Auto Viação Feirense, sob pena de não o fazendo ser condenada em multa não inferior a 510 euros", de acordo com a nota a que o DV teve acesso. Esse prazo já terminou a 25 de junho e, até esta quarta-feira, ainda não tinha dado entrada no portal online Citius documento algum sobre o acordo entre a transportadora espanhola e a Feirense.
Outros trabalhadores moveram ações contra a empresa de Santa Maria da Feira, também por falta de pagamento de horas extraordinárias, mas, ao que o DV apurou, esses motoristas acabaram por chegar a acordo com a empresa e retiraram os processos, que também tinham dado entrada no juízo do Trabalho do Tribunal de Setúbal.
O incumprimento na remuneração de horas extraordinárias, de trabalho em dias de descanso e no pagamento de ajudas de custo "é uma situação generalizada na Auto Viação Feirense e não apenas uma questão específica dos imigrantes", afirmou ao DV Anabela Carvalheira, dirigente da Federação dos Sindicatos dos Trabalhadores dos Transportes e Comunicações (FECTRANS). Por isso, a federação sindical, afeta à CGTP, vai convocar uma "paralisação de 24 horas para 7 de setembro para todos os motoristas da Feirense" e não apenas para os que estão afetos à operação da Carris Metropolitana, na margem sul, revelou a dirigente sindical, indicado que "o pré-aviso de greve será entregue esta quinta-feira".
Além das irregularidades laborais, a Feirense arrisca ainda ser acusada de fraude contra o Estado por não declarar horas extra prestadas por motoristas brasileiros e que não foram remuneradas para saldar dívidas à empresa relativas a adiantamentos para despesas com passagem de avião ou com rendas de habitação, como o DV já noticiou. E foi o próprio presidente do conselho de administração da empresa, Gabriel Couto, que assumiu ao DV que "não foram feitos descontos relativamente ao trabalho suplementar". "A Feirense não pagou contribuições sociais sobre essas horas extra, mas os trabalhadores também não descontaram", frisou. Como o trabalho suplementar não foi declarado nem processado no recibo de vencimento, a transportadora não pagou as contribuições sociais relativas às horas extra, cujo montante iria somar ao salário para aplicar a Taxa Social Única (TSU) de 23,75%, devida pela empresa. Do mesmo modo, o motorista não descontou 11% para a Segurança Social nem reteve para efeitos de IRS. "Esta situação pode configurar fraude contra a Autoridade Tributária e a Segurança Social", indicou ao DV Eduardo Castro Marques, sócio fundador da Dower Law Firm. Gabriel Couto revelou ainda que, quando há remuneração de horas extra, "elas são pagas sob a forma de ajudas de custo". "Esta situação também é ilegal, porque as ajudas de custo estão isentas de IRS até um determinado limite, enquanto o trabalho suplementar é totalmente tributado, ou seja, poderá haver aqui uma fuga aos impostos", esclarece Eduardo Castro Marques.