Tribunal de Contas. Medidas do governo na habitação durante a crise pandémica são um fracasso
As cinco medidas extraordinárias que o Governo anunciou e pôs em marcha em 2020 para combater os efeitos da crise pandémica na habitação das famílias mais precárias e pobres (com baixos ou nenhuns rendimentos) são, basicamente, um fracasso, na análise feita pelo Tribunal de Contas (TdC), divulgada esta sexta-feira.
Numa análise titulada "Reação ao Impacto Adverso da Pandemia no Setor da Habitação", o Tribunal começa por recordar que "a crise pandémica veio amplificar a importância da habitação na vida dos cidadãos, face à aplicação de medidas sanitárias que determinaram períodos de confinamento, teletrabalho e distanciamento social, com limitação generalizada e prolongada de atividades exteriores e, em muitas situações, com perda de rendimentos necessários para pagar empréstimos ou rendas habitacionais".
Neste quadro, a política pública habitacional ganhou uma enorme importância pelo "interesse público" de que se reveste, pela capacidade que teria de proteger os mais excluídos e desfavorecidos no acesso a um direito fundamental, que é, no fundo, ter uma casa condigna e a um custo acessível e decente.
Neste trabalho, o TdC não está a fazer uma avaliação à política global e plurianual do governo para o setor da habitação, mas apenas às referidas medidas extraordinárias de resposta à pandemia. Neste último domínio, os resultados encontrados são francamente maus, observa o Tribunal.
"O Ministério das Infraestruturas e da Habitação (MIH) identificou o Instituto da Habitação e da Reabilitação Urbana (IHRU) como entidade gestora das cinco medidas extraordinárias". São elas "conservação e reabilitação do parque habitacional do IHRU; proteção do arrendamento habitacional; parque habitacional público de habitação a custos acessíveis; reconversão de alojamento local; mecanismos de redução, suspensão e isenção de rendas, por entidade pública (o IHRU)".
Até 31 de dezembro de 2020, a reação do governo "resumia-se a cinco medidas, com grau de execução insuficiente e incipiente (16% do orçamentado), das quais duas não apresentavam resultados, só uma tinha meta definida, sem a ter atingido, e nenhuma se revelava eficaz para alcançar o seu objetivo nem para recuperar a situação inicial", conclui o coletivo de juízes.
Contraditório
No entanto, "em contraditório, o MIH e o IHRU invocam um conjunto de condicionantes à implementação das medidas, devido ao impacto adverso da pandemia, quer no ambiente externo (por exemplo, no setor da construção civil, atrasando a execução de obras), quer no ambiente interno (por exemplo, nas condições de prestação de trabalho com reflexo no funcionamento dos serviços), condicionantes que o Tribunal reconhece".
O ministério de Pedro Nuno Santos alegou que a pandemia é "um fenómeno novo, inédito para o qual nenhum país estava preparado e que obrigou a uma resposta imediata e a uma constante aprendizagem em processo, devendo, por isso, relativizar-se muitas das exigências padrão em matéria de previsão, situação de partida, planeamento, desenvolvimento das respostas e sua avaliação".
Avisos
Ainda assim, o Tribunal deixa conclusões e avisos importantes, que podem servir para fazer melhor no futuro.
"A primeira condição de prossecução do interesse público consistia em determinar com rigor as necessidades habitacionais decorrentes do impacto adverso da pandemia", mas "o levantamento e a avaliação dessas necessidades revelaram-se deficientes".
Por exemplo, os objetivos definidos para o Programa Orçamental Infraestruturas e Habitação (POIH) mantiveram-se "inalterados", "tal como as metas previstas para 2020, e só originaram uma medida para reagir a esse impacto, sem orçamento e com resultado imaterial".
Além disso, "apesar de a execução da medida orçamental Habitação representar apenas 33% do seu orçamento corrigido, e só 18% no caso do POIH, as metas previstas para os objetivos do POIH, em 2020, foram todas superadas".
Como já referido, a monitorização do programa foi pobre não abrangeu as cinco medidas extraordinárias, "apesar de quatro dessas medidas constarem de um programa (PEES - Programa de Estabilização Económica e Social)" vigente até ao final de 2020.
As medidas, uma a uma
Uma das cinco medidas é a da Proteção do Arrendamento Habitacional. "Para apoio do Estado, prestado através do IHRU, reembolsável a partir de 2021 (empréstimos sem juros), estimaram-se quatro milhões de euros, dos quais 1,5 milhões de euros poderiam ser convertidos em subsídios não reembolsáveis". No entanto, em 2020, foram aprovados apenas 748 dos 3.069 pedidos (24%) e atribuídos 1,2 milhões de euros (29% do orçamentado), quantifica o novo estudo.
Na medida que visa o reforço do Parque Habitacional Público de Habitação a Custos Acessíveis, o Tribunal concluiu que para tentar concretizar o objetivo, "através de construção nova e da reabilitação de património imobiliário do Estado, devoluto e desocupado, foram previstos 48 milhões de euros e gastos 3,3 milhões de euros, (7%), sem ter sido disponibilizado qualquer fogo habitacional".
Para apoiar a reconversão do alojamento local em casas ditas de uso acessível "estava previsto o investimento anual de 4,5 milhões de euros, destinado a comparticipações, no âmbito do programa de conversão do alojamento local em arrendamento acessível, a que acresciam 12,9 milhões de euros anuais de benefícios fiscais. A medida não foi implementada em 2020", escrevem os auditores.
Ao nível dos "Mecanismos de Redução, Suspensão e Isenção de Rendas, por Entidade Pública (IHRU)", o Tribunal de Contas refere que "não foi previsto qualquer montante para perda ou adiamento de receitas do IHRU", mas "foram aprovados 30 dos 48 pedidos (62,5%)" de onde resultou um gasto total de "0,003 milhões de euros". Cerca de 3000 euros, basicamente.
Para obras de conservação e melhoria de casas também havia verbas. Esta medida foi a que teve maior execução. "Foram previstos 7 milhões de euros, para reabilitar 300 fogos ao abrigo do programa de reabilitação do edificado gerido pelo IHRU (14 mil fogos), com o qual se previa reabilitar 4 mil fogos investindo 43 milhões de euros até 2024. Em 2020, foram reabilitados 295 fogos (98% do previsto) e gastos 5,5 milhões de euros (78% do orçamentado)".
O Tribunal conclui: "assim, para implementar estas medidas em 2020 foram previstos 63,5 milhões de euros e gastos 10 milhões de euros (16% do total)".