Três relatórios, a mesma conclusão: tudo falhou

Divulgado hoje mais um relatório sobre o incêndio de 17 de junho, coordenado por Duarte Caldeira, e é aqui comparado com os dois relatórios já conhecidos
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É divulgado hoje mais um relatório sobre o incêndio de 17 de junho, elaborado pelo CEIPC-Centro de Estudos e Intervenção em Proteção Civil e coordenado por Duarte Caldeira, ex-presidente da Liga dos Bombeiros. Este relatório 3 (como estão identificados em baixo), a que o DN teve acesso, analisa o incêndio florestal e é aqui comparado com os da Comissão Técnica Independente (relatório 1) e o de especialistas coordenados por Domingos Xavier Viegas (relatório 2), em quatro áreas.

O comando no combate aos incêndios

Relatório 1. Para os peritos da Comissão Técnica Independente, o comando inicial devia ter antecipado medidas que "poderiam ter moderado" as consequências do incêndio. "Se houvesse um sistema de informação e sensibilização do comando, na altura apropriada, no sentido de sensibilizar a população, no sentido de que fosse retirada, ou dando indicações para se meterem nas casas e não saírem das casas, provavelmente o drama não teria acontecido", disse o presidente da comissão, João Guerreiro. E justificava-se haver mais meios disponíveis.

Relatório 2. O relatório de especialistas da Faculdade de Ciências da Universidade de Coimbra refere que "os meios disponíveis e o seu comandamento não se mostraram suficientes para controlar o incêndio, que apresentou uma dificuldade de supressão acima da média". E acrescentam que "a ocorrência simultânea de outros incêndios na região e a falta de perceção da sua importância, nos vários escalões de decisão, levou a que não fossem utilizados mais recursos, nomeadamente mais meios aéreos pesados, no seu combate".

Relatório 3. No relatório de análise do incêndio de 17 de junho, elaborado pelo CEIPC, nota-se que "em muitos momentos da operação foram fundidos, como se de um só se tratasse, os níveis estratégico, tático e de manobra. Deste modo ficaram comprometidos os princípios da unidade de comando, continuidade de comando, clareza da cadeia de comando, cooperação e compreensão mútua". E aponta-se como "tardia" a deslocação do segundo comandante distrital Mário Cerol para o local, dada a "gravidade do incêndio".

As mortes na estrada nacional

Relatório 1. Para a Comissão Técnica Independente, a GNR não conduziu ninguém para a Estrada Nacional 236-1, onde morreram 47 das 65 vítimas do incêndio. O problema esteve antes. "As necessárias medidas de proteção civil (disposições relativas à circulação na rede viária, acompanhamento da população rural, preparação de evacuações) deveriam ter sido equacionadas logo às 16.00-17.00 e cumpridas a partir das 18.00." A GNR cortou as estradas sem ter informações do comando relativamente aos fogos, por falhas das comunicações.

Relatório 2. Segundo o relatório de Xavier Viegas, "apenas quatro das 65 vítimas deste incêndio perderam a vida dentro de casa", em situações que estão a ser investigadas pela equipa de peritos da Faculdade de Ciências da Universidade de Coimbra. "Todas elas tinham algum tipo de problema de mobilidade ou saúde. Verificou-se que para a larga maioria das vítimas, e mesmo para outras pessoas que sobreviveram à exposição ao fogo enquanto fugiam, a permanência em casa teria sido a opção mais segura."

Relatório 3. O relatório não se debruça de forma particular sobre as mortes, em particular na Estrada Nacional 236-1, onde morreram 47 das 65 vítimas. Esta estrada "constitui uma importante via de circulação entre os três municípios da triangulação do incêndio, pelo que se estranha que, de acordo com o princípio da precaução, o trânsito não tenha sido encerrado na mesma". E deixa um reparo à GNR, uma vez que cabe a esta corporação exercer "missões de condicionamento de acesso, circulação e permanência de pessoas e bens".

O sistema de comunicações no terreno

Relatório 1. Os especialistas da CTI acabam por minimizar a resposta dos sistemas de comunicações. "As características do incêndio, as condições em que evoluía e as previsões meteorológicas existentes não anteviam o seu domínio rápido."Mas apontam insuficiências ao SIRESP, "estruturalmente rígido", defendendo que "o sistema de comunicações deve estar preparado para acudir a todos os locais, mesmo os mais inacessíveis, para debelar os seus efeitos", "socorrer as pessoas", "defender o património" e "preservar o ambiente."

Relatório 2. Segundo o documento preparado por Xavier Viegas, "o acesso aos lugares e povoações tornou-se difícil e embora os recursos de combate já fossem em número significativo, a dificuldade com as comunicações incapacitou o comando na alocação destes meios na prestação de socorro às pessoas e na proteção de bens". Ao longo das suas 238 páginas referem-se muitas vezes as "dificuldades de comunicação" sentidas, que afetaram as decisões tomadas e não tomadas e os alertas para a situação cada vez mais difícil no terreno.

Relatório 3. Para o CEIPC, "o colapso das comunicações em vários momentos vitais da operação constitui um dos réus das consequências catastróficas que se verificaram" no incêndio. "A impossibilidade de manter em permanência um fluxo de comunicações" do posto de comando para o terreno "foi o principal responsável pela incapacidade de gerir em tempo útil os inúmeros pedidos de socorro formulados, através de diversas vias, por cidadãos ameaçados pelas chamas", acusa o relatório, que refere a "falta de robustez da rede SIRESP".

Proteção civil e defesa das florestas

Relatório 1. O relatório da comissão criada pelo Parlamento propõe que "os sistemas de proteção civil devem ser constituídos por profissionais que devem possuir as competências e a experiência adequada para o desempenho das funções". Defende-se a necessidade de "autonomizar" a "proteção de pessoas e bens" e a "gestão dos incêndios rurais" por, atualmente, se dar prioridade à primeira, o que implica "enorme desajustamento de meios, objetivos e responsabilidades", com "desequilíbrios que afetam fortemente as duas componentes".

Relatório 2. O relatório coordenado por Xavier Viegas, pedido pelo Ministério da Administração Interna, recomenda "um grande cuidado na seleção dos quadros de comando da estrutura da ANPC e dos Bombeiros", defendendo "que em todos os escalões haja uma melhor qualificação dos agentes de proteção civil", apontando ainda para a "maior profissionalização dos Bombeiros". E sugere-se "uma maior integração de recursos técnicos e de conhecimento científico em todas as tarefas de gestão dos incêndios florestais".

Relatório 3. No relatório coordenado por Duarte Caldeira para o CEIPC, defende-se que o sistema de proteção civil "tal como se encontra atualmente configurado, revela inúmeras fragilidades". "É necessário assumir uma transformação conceptual e orgânica do atual sistema de proteção civil, redefinindo a missão de combate aos incêndios florestais e a respetiva atribuição de responsabilidade a agentes e instituições, fazendo uma clara distinção entre defesa do espaço florestal e defesa de pessoas, infraestruturas económicas e habitações."

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