Três perguntas a Sérgio Figueiredo

Administrador-delegado da Fundação EDP, tem 46 anos, é licenciado em Economia e foi jornalista, antigo diretor do Diário Económico e fundador do Jornal de Negócios.
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Nuno Amado e Ricardo Salgado criticaram esta semana a maneira como Bruxelas geriu o caso cipriota, por ter deixado no ar a hipótese de, além dos credores obrigacionistas e dos acionistas, todos os depositantes serem chamados a pagar a fatura. A banca portuguesa está fragilizada? São os alemães que estão a ganhar com isto?

Se algum consenso existe do ponto de vista institucional é o de que os depósitos abaixo dos cem mil euros estão garantidos. A falsa partida que se verificou em Chipre veio, de certa forma, reforçar aquilo que a lei já diz. Estamos hoje perante a tentativa de reposição da normalidade. A questão que se coloca desde sempre está na forma desastrada, demagógica ou desinformada com que os responsáveis gerem esta situação, minando aquilo que é a base da confiança do sistema e que permite que essa pergunta seja feita. Os depositantes hoje estão muito mais protegidos - antes do colapso do Lehman Brothers, o limite eram apenas 25 mil euros. Hoje estamos melhor. E para termos a dimensão deste fenómeno, os depósitos acima dos cem mil euros em Portugal pertencem apenas a um pouco mais de 1% dos depositantes, embora o valor represente 40% do bolo dos depósitos. Há aqui mais do que um fenómeno de bancos do Sul serem prejudicados em relação a bancos do Norte. Pode haver aqui um fenómeno de transferência de contas de uns bancos para outros. Acredito que seja mais isso do que um benefício de bancos nórdicos ou alemães.

Os cortes retroativos nas pensões da Caixa Geral de Aposentações, que permitem uma poupança ao Estado de 700 milhões de euros já em 2014, fazem sentido e são politicamente executáveis? Os direitos adquiridos dos pensionistas devem ser respeitados? Quais os limites que existem?

Estamos a falar de como vamos buscar recursos para assegurar o nível de vida e os meios de subsistência a quem já não pode trabalhar. Em cima disto, que já é muito, o sistema tem um pecado original: os primeiros reformados não descontaram realmente uma vida inteira. Há aqui um problema. E há outro facto incontornável: já temos mais idosos do que jovens. Não é fácil equilibrar o sistema. Por princípio, tenho aversão a rasgar contratos, mas é bom que se perceba que não estamos apenas a discutir as pensões que estamos a pagar agora, mas as que continuaremos a pagar amanhã e depois. Há 20 anos que se teoriza e a mensagem que está a ser passada - para os depositantes, os reformados, os investidores estrangeiros - é que as regras, aqui, mudam de repente. É preciso encontrar uma forma justa de resolver o problema. A convergência dos sistemas (público e privado) é uma solução que só peca por tardia.

A riqueza nacional vai recuar pelo menos 2,3% este ano, embora a queda do primeiro trimestre (3,9%) obrigasse a que a contração fosse em média, por trimestre, de apenas 0,7% até ao fim do ano. Será possível? Há alguma luz ao fundo do túnel? Há maneira de olhar para o que está a acontecer sem desesperar?

Os prognósticos sobre as doses de austeridade são mais fáceis depois de o jogo acabar. Há aqui um erro de pontaria tremenda: a recessão acumulada é quase o dobro do que previa a troika. Em 2014 vamos ter pouca ajuda da Europa, porque os nossos principais mercados não estão com pulmão; e a queda das importações sugerida por esta quebra do PIB no primeiro trimestre mostra que estamos com os motores fraquinhos. A boa notícia é, curiosamente, que não há dinheiro, acabou o Estado protetor. Está a surgir uma classe de empresários que nasce a olhar para fora, nasce já com 80% do mercado lá fora. São pequeninos, mas são muitos e quando nascem já não pensam no QREN e no Estado. Há um país a renascer das cinzas de uma história que acabou pelos maus motivos.

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