Três perguntas a Miguel Leónidas Rocha

É partner da consultora Deloitte, tem 47 anos, licenciado em Direito e especializado em questões fiscais.
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Nuno Amado e Ricardo Salgado criticaram esta semana a maneira como Bruxelas geriu o caso cipriota, por ter deixado no ar a hipótese de, além dos credores obrigacionistas e dos acionistas, todos os depositantes serem chamados a pagar a fatura. A banca portuguesa está fragilizada? São os alemães que estão a ganhar com isto?

Nunca houve uma garantia de depósitos nos bancos tão elevada como há hoje. Nunca aconteceu nada e sempre vivemos bem com isso. Não precisávamos, por isso, que os responsáveis políticos falassem sobre este tema. É o caso típico em que, pelo facto de falarmos, estamos pior do que se estivéssemos calados. Falar prejudica os bons bancos dos países fragilizados, como é o caso de Portugal. É importante que se saiba que o nosso sistema bancário é mais bem gerido do que o País, mas não vive noutra galáxia. Se as empresas portuguesas estiverem em dificuldades, naturalmente o sistema está em dificuldades. De qualquer maneira, não estamos a assistir a fugas de capitais; embora na área fiscal, na qual se quis atacar o capital e por isso acabar com a zona franca da Madeira, perdemos receita porque esses depositantes relocalizaram os seus depósitos noutras praças (...). O verdadeiro problema com a proteção dos depósitos é para as empresas que têm depósitos acima de cem mil euros mas não têm facilidade em deslocalizar, porque o depósito é o seu fluxo normal de caixa. Odinheiro tem de estar lá. Aquilo que resolverá este problema da desconfiança é simples: o silêncio.

Os cortes retroativos nas pensões da Caixa Geral de Aposentações, que permitem uma poupança ao Estado de 700 milhões de euros já em 2014, fazem sentido e são politicamente executáveis? Os direitos adquiridos dos pensionistas devem ser respeitados? Quais os limites que existem?

Chamar a este corte das pensões uma taxa social única (TSU) é um bocado desesperado. A TSU é feita para cobrir eventualidades (desemprego, doença, velhice) que, no caso dos reformados, já não se aplicam. É como pagar o prémio depois de receber o seguro de vida. Esta taxa é, na verdade, mais um imposto que afeta tanto as pensões públicas como as privadas. Em Portugal, reformamos pessoas que estão a trabalhar ao mesmo tempo, o que gera uma grande contradição no sistema. Além disso, a continuar com o Estado de direito que a Constituição garante, não vamos ter dinheiro; e então a Constituição terá de baixar as expectativas. Lembro-vos de que temos 3,5 milhões de reformados, quase um milhão de desempregados, muitos dos que trabalham estão a ir para fora e esses não vão contribuir para as reformas cá dentro. Por isso, se não houver dinheiro, podemos continuar a garantir as reformas na lei, mas não vamos conseguir pagá-las. E é disso que estamos a falar.

A riqueza nacional vai recuar pelo menos 2,3% este ano, embora a queda do primeiro trimestre (3,9%) obrigasse a que a contração fosse em média, por trimestre, de apenas 0,7% até ao fim do ano. Será possível? Há alguma luz ao fundo do túnel? Há maneira de olhar para o que está a acontecer sem desesperar?

A economia sobrevive apesar do Estado, a verdade é esta. A internacionalização das empresas para Angola, por exemplo, mostra um dinamismo que o Estado não tem tido. Eu podia falar meia hora de incentivos fiscais em que o Estado gasta milhões que não dão em nada, não ajudam nada, não produzem nada. Nós já só queremos que não atrapalhem, porque as economias, quando é preciso, funcionam, encontram caminhos. Mas alguém imagina o que é ser obrigado a ter contabilidade organizada para ter um quiosque aberto? Isto acontece hoje em dia, porque se aboliu o regime simplificado.

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