"Treino e Jesus": é este o doping de Ayana. E já valeu um recorde

Etíope pulveriza a anterior melhor marca do mundo nos 10 000 metros e responde a suspeitas das adversárias
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Foi um arranque de sonho para o atletismo no Rio 2016. Na primeira final da disciplina, a etíope Almaz Ayana ganhou a medalha de ouro nos 10 000 metros, assinalando a conquista com um novo recorde do mundo (29.17,45 minutos). A marca pulverizou o anterior máximo mundial, que já tinha 23 anos e pertencia à chinesa Junxia Wang, retirando-lhe 14 segundos. A portuguesa Salomé Rocha terminou no 26.º posto (32.06,05 minutos), enquanto a medalha de prata foi entregue a Vivian Cheruiyot (Quénia) e a de bronze a Tirunesh Dibaba (Etiópia), que defendia os títulos olímpicos de Pequim 2008 e Londres 2012.

Há sete anos que nenhuma corredora terminava os 10 000 metros abaixo dos 30 minutos, mas ontem as quatro primeiras classificadas conseguiram o feito. Outro sinal da rapidez desta corrida é o facto de as 13 primeiras a cortar a meta terem alcançado novos máximos pessoais. Ayana melhorou a sua melhor marca em 50 segundos e no total foram 18 em 37 as corredoras a imitá-la. Esta foi apenas a segunda vez que Ayana disputou os 10 000 metros. A atleta liderou desde os primeiros momentos da corrida, mas antes dos 5300 metros lançou o ataque que lhe deu a vantagem decisiva até final. A prova da etíope, de 24 anos, apanhou muita gente de surpresa, como a histórica corredora britânica Paula Radcliffe: "Não tenho a certeza se entendi o que se passou. Quando vi o recorde do mundo ser batido em 1993 já não acreditava no que estava a presenciar. E agora a Ayana arrasou absolutamente aquele tempo."

Radcliffe não foi a única a expressar dúvidas. Logo após a corrida, a sueca Sarah Lahti, 12.ª classificada, foi uma das primeiras a verbalizar esse sentimento. "É muito fácil para ela. Não lhe vemos qualquer expressão facial quando corre, enquanto todas nós vamos lutando pela vida lá atrás. Não posso dizer que ela não está limpa, mas há um pouco de dúvida." Em março de 2016, a Federação Internacional de Atletismo colocou a Etiópia numa lista "crítica" de países que registaram falhas nos seus sistemas de combate ao doping, já depois de o vencedor da maratona de Tóquio, Endeshaw Negesse, ter acusado positivo a meldonium num teste.

Ayana respondeu às suspeitas alegando que trabalho e fé são os seus únicos combustíveis na pista. "O treino e Jesus são o meu único doping. Chegar a este ponto é um sonho que se concretiza, mas não pensei que fosse possível. Fiquei espantada quando percebi que tinha batido o recorde, até porque o meu único plano era vencer a corrida", afirmou a campeã do mundo dos 5000 metros, em 2015, prova para a qual também está inscrita no Rio 2016.

Correr contra um TGV

A portuguesa Salomé Rocha concluiu a prova no 26.º lugar e foi uma das atletas que não conseguiram melhorar a sua marca pessoal (32.05,82), tendo ficado a escassos 23 centésimos de o alcançar. Por isso, a fundista do Benfica disse estar "completamente satisfeita" com a sua participação na final, onde se debateu contra adversárias muito fortes. "Se tenho a sensação de ter andado num TGV? Tenho, tenho essa noção. Elas passavam por mim e eu percebia que o ritmo ia muito forte, são ritmos para super-heróis. Posso dizer que estava com elas na prova em que se bateu o recorde do mundo, o que, para mim, já é muito bom", disse a atleta, sem fechar a porta a que no futuro uma europeia possa rivalizar com as africanas. "Ninguém é invencível. Um dia, quem sabe, poderá ser uma europeia a bater o recorde. Claro que estamos a falar de supermulheres. Para já, estão num mundo à parte. São máquinas e é excecional vê-las correr", frisou com tranquilidade.

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