Travar a onda populista. Já.
Um pouco por todo o mundo, os democratas têm enfrentado nas urnas candidatos populistas. Não tenhamos ilusões: são, de facto, ameaças reais aos princípios basilares da democracia.
Esta semana, em missão de trabalho no Brasil, tive a oportunidade de assistir em direto ao debate entre os candidatos a presidente. Mais do que as tradicionais divisões entre esquerda e direita, foi frequente o recurso a expedientes que ultrapassam as mais elementares regras de respeito pelas práticas democráticas.
O atual presidente, patrono de teorias da conspiração e sempre disponível a mobilizar fações de extrema-direita, deixou evidente a sua misoginia, por entre ataques à imprensa e uma linguagem de truculência gratuita. Desta vez, de forma premeditada, iniciou as declarações do minuto final do debate com uma pequena frase que é todo um programa: "Deus, Pátria, família e liberdade".
Se para os portugueses é impossível não reconhecer as semelhanças com o slogan da ditadura salazarista, para os brasileiros é evidente a ressonância com a ditadura militar que governou o país até 1985. A Marcha da Família com Deus pela Liberdade foi o nome dado às manifestações dos setores mais conservadores da sociedade que, em 1964, pediam o derrube do presidente democraticamente eleito, culminando no golpe de Estado que impôs a ditadura militar durante mais de duas décadas.
Certo é que ficou ainda mais claro que Bolsonaro tem mesmo de ser travado e que só Lula da Silva está em condições de o fazer.
Esta reflexão, a reboque do momento político no Brasil, convoca também uma perspetiva global dos movimentos políticos de extrema-direita, radicais e populistas.
Em França, Marine Le Pen, novamente derrotada por Macron, ganhou terreno face a 2017. No Chile, José Antonio Kast, confesso simpatizante de Pinochet, foi o candidato da direita na segunda volta das eleições presidenciais. Nos EUA, Donald Trump perdeu para Joe Biden, mas a sua influência na degeneração do Partido Republicano mantém-se e é o seu provável candidato em 2024. Na Hungria, Viktor Orbán persiste após anos e anos de degradação do regime democrático. Este mês, Itália vai a votos e as sondagens apontam para uma previsível vitória da coligação de extrema-direita liderada por Giorgia Meloni, que chegou a elogiar Benito Mussolini.
Se hoje o quadro é este, o inverno poderá ainda agravá-lo seriamente. As consequências económicas e sociais da guerra na Ucrânia sentem-se cada vez mais na União Europeia, sobretudo no preço de vários bens essenciais.
O "cada um por si" não pode ser a resposta que as democracias têm para oferecer aos cidadãos. Este é o momento para a Europa dar o exemplo e avançar com uma resposta integrada às dificuldades dos cidadãos, que seja capaz de mitigar o aumento explosivo do custo de vida e proteger o emprego.
Nós, os democratas, sabemos os resultados trágicos da ascensão ao poder dos populismos radicais e autoritários, que nada mais têm para oferecer do que a retórica inflamada. Que não melhoram a vida das pessoas e se sustentam politicamente no agravar dos antagonismos internos e externos.
Nós, os democratas, sabemos que a solução é responder aos cidadãos, especialmente quando eles mais precisam.
Porque o sabemos, temos a obrigação de nos mobilizarmos para travar a onda populista. Já.
É profundamente simbólico como, no momento em que a Rússia faz guerra no território da vizinha Ucrânia, desaparece um rosto que para sempre ficará associado ao fim da Guerra Fria. Mikhail Gorbachev, o homem que mais procurou melhorar as relações diplomáticas da União Soviética com o Ocidente, deixou-nos aos 91 anos.
Eurodeputado