Transplantes. Um ano à espera de exame para despistar cancro no fígado

Doentes transplantados no hospital Curry Cabral queixam-se da demora das ressonâncias magnéticas, que são feitas no São José, e dizem que têm de recorrer ao privado. Centro hospitalar argumenta que "não são casos realmente urgentes"
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Há transplantados no hospital Curry Cabral, em Lisboa, que esperam um ano por exames de despistagem de cancro no fígado. "Não são casos realmente urgentes", é a justificação apresentada pelo Centro Hospitalar de Lisboa Central para os atrasos nas ressonâncias magnéticas, que têm de ser feitas no São José. Quanto aos doentes, dizem-se obrigados a recorrer ao privado para terem resultados em tempo útil.

O caso de Maria Odete, 73 anos, arrasta-se desde 2016 e até já ilustrou uma artigo de opinião do ex-bastonário dos médicos. Transplantada ao fígado, Odete descobriu há cerca de dois anos uns nódulos através de exames de acompanhamento. A médica que a segue pediu-lhe uma ressonância magnética para despistar a hipótese de serem malignos, mas a convocatória nunca chegou. Sete meses depois ainda não tinha resposta do SNS e decidiu ir ao privado, onde pagou cerca de 300 euros pelo exame. O seu exemplo chegou mesmo a ser usado pelo então bastonário, José Manuel Silva, para ilustrar os métodos usados "para destruir o SNS".

Mas as esperas não ficaram por aí. "O resultado da primeira ressonância foi dúbio, por falta de contraste, e a médica pediu no início do ano passado uma segunda para avaliar a evolução dos nódulos", conta ao DN um familiar de Odete. "Mas aí resolvemos não pagar e esperar para ver quando a chamavam". Esperou um ano por exame em São José. "Não tem nada maligno, mas se tivesse, tinha-se passado demasiado tempo nisto e a situação não tinha sido tratada". Apresentada queixa, o centro hospitalar justificou os atrasos com o "défice de recursos humanos e de equipamento" e com o facto de a médica assistente ter dado uma prioridade normal ao exame.

A SOS Hepatites, que acompanha os doentes hepáticos, garante que casos como este são recorrentes. "O médico de um outro doente, também com quistos no fígado, pediu uma ressonância em maio do ano passado para perceber do que se tratava. Foi marcada para este mês de julho", relata Emília Rodrigues, presidente da associação.

Em resposta a questões sobre os tempos de espera e que soluções deviam ser encontradas para estes doentes, o centro hospitalar argumenta apenas que "relativamente aos casos referidos, apurámos, tanto quanto nos foi possível situá-los, não serem realmente urgentes". Ao que o DN apurou, existem agora, em média, esperas de pelo menos quatro meses para exames a lesões hepáticas. Emília Rodrigues garante que muitos destes exames acabam por ser feitos em clínicas ou hospitais privados, pagos pelos próprios doentes.

Quase um mês à espera de relatório de uma TAC

No caso de Fernando Marta, 62 anos, o subsistema de saúde da polícia até suavizou a fatura. Transplantado no Curry Cabral em 2012 com um fígado com paramiloidose - "porque a medicina pensava que esses fígados não eram agressivos para quem não tinha a doença", explica -, começou a sentir dores nas pernas e falência renal ao fim de cinco anos. A sua nefrologista prescreveu-lhe exames para confirmar a paramiloidose - mais conhecida por doença dos pezinhos -, que lhe tinham dito só poder surgir ao fim de mais de uma década. "Mas tive de ir ao privado, porque me avisaram que tinham esperas para mais de um ano".

Feito o diagnóstico, foi logo proposto para transplante, feito há menos de um ano. Agora queixa-se de novo atraso no relatório de uma TAC, depois de ter apanhado uma pneumonia há menos de um mês. "Demoraram vinte dias a enviar o relatório, quando estamos a falar de um caso urgente, porque estamos a falar de um transplantado, um doente imunodeprimido". Em relação a esta critica, o centro hospitalar responde que "convém ter presente que os médicos sabem ler os TAC/ressonâncias magnéticas sem precisarem dos relatórios e que, quando há duvidas, estas são tiradas em reuniões multidisciplinares". Ainda assim, sublinha que tenta "que os exames urgentes tenham resposta atempada no CHLC. Quando tal não é possível, temos mecanismos para a sua realização no exterior".

O hospital Curry Cabral acompanha cerca de 2100 transplantados e só no ano passado fez 124 transplantes de fígado, o que equivale a metade da produção nacional nesta área - também há unidades de transplantação hepática em Coimbra e Porto.

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