Transparência e integridade
Ao deambular pelas ruas de Florença, a escritora americana Mary McCarthy ficou impressionada com as fachadas dos palácios florentinos, que, segundo ela, mais faziam lembrar fortalezas ou masmorras. Acima de tudo, era a ausência de hospitalidade que elas pareciam denunciar. Sensivelmente na mesma altura, o antropólogo inglês Geoffrey Gorer assinalava o facto de, nas habitações americanas, tudo estar sujeito ao escrutínio exterior: "Nem sebes, nem muros, nem portões separam a casa da rua." E acrescentava algo de interessante: "Estes edifícios são exemplos vibrantes dessa integridade transparente que os americanos gostam de pensar ser a sua característica mais meritória." Eis-nos, portanto, face àquelas que seriam duas posturas distintas, a europeia e a americana. A transparência exibida pela arquitetura sinalizaria, afinal, um traço de caráter: a sinceridade. Daí o culto de uma ética da informalidade, da espontaneidade, do tratamento pelo nome próprio, da expressão pública dos sentimentos, algo a que Trump tem sistematicamente recorrido. Se Hillary Clinton não estiver atenta a este aspeto neste momento crucial, se preferir esconder a sua realidade por detrás de uma fachada semelhante à de um palácio florentino, em vez de, literalmente, revelar a sua verdadeira radiografia clínica, e assim desmontar as dúvidas que se têm colocado, então provavelmente estará a hipotecar o seu futuro. Longe vão os tempos em que se conseguia ocultar a fragilidade física do presidente Kennedy, ou o declínio mental do presidente Reagan.
Professor Catedrático de Estudos Anglo-Americanos (Univ. Aberta-CEAUL)