Transgénicos, as sementes da controvérsia

Nenhuma outra tecnologia introduzida na agricultura tem dado tanta polémica e levantado tantas preocupações como a engenharia genética. O assunto é tão controverso que em todo o mundo se discutem aspectos científicos, políticos, económicos, ambientais, de saúde e éticos. No Brasil também, apesar de já ser o segundo maior produtor de transgénicos. A <b>nm </b>esteve lá, no estado do Paraná, numa fazenda de soja e de milho geneticamente modificados para saber se de facto existem vantagens económicas para os produtores e questionou investigadores sobre os riscos dos OGM para a saúde e para o ambiente. <br />
Publicado a
Atualizado a






«Por causa da lagarta, costumávamos perder dez por cento da safra de milho e o que se salvava ficava desclassificado no mercado.» Quando optou pelo milho Bt, o problema da lagarta acabou para o produtor de sementes brasileiro Roberto Fróes. O milho Bt é uma variedade transgénica, que contém um gene que codifica uma proteína da bactéria Bacillus thuringiensis (Bt), introduzida na planta para controlar as pragas-alvo. Actua de uma maneira muito simples: o gene «ordena» a produção de uma substância natural, uma proteína, capaz de matar alguns insectos, não tendo, garantem os investigadores e a multinacional que a desenvolveu, efeitos tóxicos para as pessoas – aliás, o Bacillus thuringiensis é utilizado em larga escala, há já cinquenta anos, para controlar as pragas de insectos e o seu uso é aceite pela agricultura biológica, que o utiliza com regularidade. Quando se alimentam de uma planta de milho que contém esta proteína, os insectos ingerem também a proteína que os vai matar.
Para este agricultor que co-dirige uma fazenda familiar de dois mil hectares em Londrina, no estado brasileiro do Paraná, os «ganhos são inquestionáveis» desde que deixou a produção de milho convencional e passou à de milho geneticamente modificado (GM), há pouco mais de dois anos: «Estamos a conseguir uma produtividade maior na ordem dos 15 a vinte por cento, além de que reduzimos consideravelmente a aplicação de agroquímicos e consumimos menos etanol, já que não precisamos de utilizar tantas vezes as máquinas para fazer as pulverizações.»
O milho Bt ocupa apenas 150 hectares (ha) dos dois mil da fazenda de Roberto; os restantes 1850 ha estão cobertos de soja, metade transgénica (variedade Roundup Ready – RR – tolerante a herbicidas, à base de glifosato, foi desenvolvida pela Monsanto para melhorar o processo de controlo das ervas daninhas), metade não transgénica (convencional). Numa demorada visita guiada aos campos, Roberto fala com entusiasmo de uma tecnologia que, está convencido, «veio melhorar a vida de todo o mundo», quer dizer, dos agricultores brasileiros. «Está vendo esta beleza?», aponta para um lado e outro do caminho de terra batida, que corta ao meio a plantação de soja a perder de vista. As diferenças entre as plantas de um lado e do outro da estrada são visíveis, mesmo a quem o trabalho na lavoura não é familiar: umas apresentam uma aparência mais saudável, viçosa, sem ervas daninhas a competir pelos nutrientes do solo; outras estão amarelecidas e nalguns locais não se distingue bem a soja da erva daninha, tal a presença esmagadora desta praga que definha as plantas em redor. Na altura da colheita, Roberto obtém mais toneladas de soja GM do que de soja convencional, no entanto continua a produzir as variedades não transgénicas porque não quer deixar de fornecer as sementes aos clientes que se mantêm fiéis às sementes convencionais, apesar de no Brasil a área de produção de soja GM ser superior à de soja convencional (70 por cento e 30 por cento, respectivamente). A situação inverte-se no caso do milho: o convencional ocupa 69 por cento de área e o Bt não chega aos 31 por cento. Estes são os dados mais recentes do Serviço Internacional para a Aquisição de Aplicações em Agrobiotecnologia (ISAAA), referentes a 2009. No Ranking Mundial de Cultivos GM, também em 2009, confirma-se a tendência: o Brasil registou «um crescimento de 35,4 por cento em relação ao ano anterior», retirando o segundo lugar à Argentina. Os Estados Unidos mantêm-se na liderança, com uma área de 64 milhões de hectares (Mha), seguidos do Brasil (21,4 Mha), Argentina (21,3 Mha), Índia (8,4 Mha), Canadá (8,2 Mha). Actualmente são 25 os países que produzem culturas transgénicas e 29 importam produtos geneticamente modificados.
Só em 2004 é que Roberto Fróes conseguiu semear na sua fazenda soja RR, assim que a variedade foi aprovada no estado do Paraná. Durante anos esteve «congelada» por causa de contestações de vários sectores. De todas as tecnologias aplicadas na agricultura, a que provocou e seguramente continuará a provocar maior controvérsia, é a engenharia genética, as variedades vegetais geneticamente modificadas (OGM). Não só no Brasil como em todos os países onde se produzem, entre os quais Portugal. A primeira variedade GM a entrar em território brasileiro foi a soja, em 1997, mas clandestinamente, pela Argentina. Houve quem lhe chamasse «Maradona», e dizia-se que era a solução para acabar com as perdas das colheitas por causa das pragas. Roberto lembra-se bem desse boato espalhado à velocidade do vento, de boca em boca, entre os agricultores do estado do Rio Grande do Sul, os primeiros a experimentar a tecnologia. Ao estado do Paraná, onde Roberto tem a sua fazenda, a «Maradona» só chegou em 2003, depois de vencida a «guerra» que colocava em lados opostos os defensores e os opositores dos OGM, envolvendo o governo federal, os governos estaduais, o Congresso Nacional, os produtores, os investigadores da área, os ambientalistas e até o Movimento dos Sem Terra. Quando o assunto é engenharia genética aplicada na agricultura, no Brasil ou em qualquer parte do mundo, só se pode ter uma de duas posições: ou se é contra ou se é a favor; a indiferença ou o meio-termo não tem lugar nesta discussão que há anos alimenta polémicas e incendeia ânimos. Excepções à parte, regra geral o tema coloca cientistas e agricultores de um lado, ambientalistas do outro.  
Roberto recorda-se desse impasse como se tivesse acontecido ontem e ficou satisfeito quando o cultivo de soja transgénica no Paraná teve luz verde para avançar. Na altura ainda não existia a Comissão Técnica Nacional de Biossegurança (CTNBio), criada em 2005 para «prestar apoio técnico consultivo e assessoria ao governo federal na formulação, actualização e implementação da Política Nacional de Biossegurança relativa aos OGM, no estabelecimento de normas de segurança e pareceres técnicos referentes à protecção da saúde humana, dos organismos vivos e do meio ambiente, para actividades que envolvam a construção, experimentação, cultivo, manipulação, transporte, comercialização, consumo, armazenamento e aprovação de OGM e derivados».  
Depois da plantação de soja, Roberto leva-nos a ver o campo de milho. Abre uma espiga, expondo a maçaroca para vermos que «está limpa», sem lagarta. «Quando tinha milho convencional, não podia mostrar-lhe uma espiga assim. Esta tem mais grãos que as espigas de milho convencional, porque tem mais fileiras – [percorre-as com um dedo para as contar] – e é por essa razão também que o Bt produz mais». Enquanto calcorreamos a plantação de milho Bt, o agricultor aponta para lá do milharal, para um local que os olhos não alcançam. «Mais à frente tenho o refúgio». «No caso da soja transgénica não é preciso, uma vez que não há risco de polinização, mas para o milho transgénico é aconselhável, é a melhor maneira de reduzir o risco de as pragas ganharem resistência ao Bt». Traduzindo: no caso específico do milho Bt, os insectos naturalmente resistentes podem sobreviver e transmitir a resistência a gerações futuras de insectos, mas esse risco, esclarecem os investigadores na área, «pode ser minimizado se se adoptarem medidas adequadas», entre as quais o refúgio. Este é um problema sério e real com que daqui a uns anos poderão confrontar-se os agricultores que usam as variedades transgénicas, com a agravante de que é um problema com efeitos ambientais nocivos. Marcelo Gravina de Moraes é investigador em Fitopatologia e Biologia Molecular Vegetal e professor da Faculdade de Agronomia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, e em declarações à NM reforçou «a importância do refúgio nos casos em que são necessários», como o do milho Bt. Também em Portugal, os produtores de variedades de milho Bt (Mon 810) – o único autorizado para cultivo em Portugal e na Europa – devem semear zonas de refúgio com variedades convencionais de pelo menos vinte por cento da área total do campo semeado com a variedade geneticamente modificada – por exemplo, numa exploração de dez hectares, oito podem ser de milho Bt e dois de refúgio com milho convencional. O refúgio deve ser semeado junto ao milho Bt, com uma variedade convencional de ciclo (mesma data de floração) e data de sementeira similar e nunca a mais de 750 metros (Decreto-Lei n.º 160/2005 de 21 de Setembro).
Se há países, como o Brasil e Portugal, que tentam acautelar problemas futuros, no caso da China desconhece-se o que pretende fazer com o arroz Bt, a primeira variedade de arroz transgénico aprovada no país e cuja produção em grande escala deverá ter início dentro de dois ou três anos. Se não fizer refúgio, «mais cedo ou mais tarde, irá debater-se com a resistência dos insectos ao Bt», adverte Marcelo Gravina de Moraes.
O agricultor Roberto Fróes é o que no Brasil se considera um grande produtor de sementes. Toda a produção encontra escoamento no mercado interno. Os seus clientes são agricultores brasileiros que produzem para bens alimentares e processamento. As sementes de soja que não têm qualidade suficiente para comercializar, transforma-as em óleo alimentar. É num grande armazém que guarda os grãos, em sacos feitos de um material próprio para os manter nas melhores condições. Os sacos amontoam-se em blocos, uns em cima dos outros quase até ao tecto, formando corredores com a configuração de ruas, como se fossem quarteirões. Pelas suas contas, estarão aqui uns 120 mil sacos, de quarenta quilos cada.  
Antes de serem comercializados, os grãos são «submetidos a testes e análises para, entre outros parâmetros, aferir a percentagem de germinação (obrigatório um mínimo de oitenta por cento) e se não contêm misturas». Segue-se a certificação e a aprovação para irem para o mercado. Pelo uso da soja Roundup Ready, os produtores pagam royalties às multinacionais que desenvolvem a tecnologia, no caso a Monsanto. Por quilo de semente obtida na colheita, as empresas de sementes, de agrobiotecnologia ou de agroquímicos recebem R$ 0,44. A cobrança poderia encarecer o custo de produção, tendo impacte na rendibilidade final, mas Roberto Fróes explica que também tem de pagar royalties pela soja convencional, o que, em sua opinião «vai dar ao mesmo». Este agricultor de Londrina está conformado e é dos que não  fazem «onda na hora de pagar», mas o pagamento de royalties às multinacionais como a Monsanto, nas mãos de quem está a esmagadora percentagem das patentes de sementes, não é pacífica. Muitos produtores, sobretudo do estado do Rio Grande do Sul, questionam a legitimidade da cobrança e reclamam o «direito de reservarem sementes de soja transgénica para replantá-las e revenderem a produção sem terem de, por isso, pagar à multinacional». Esta questão apenas se coloca para a soja, porque é uma planta que se autopoliniza e, portanto, as sementes mantêm as características de geração para geração; no caso do milho ou do algodão, isso não acontece.

Showroom de tecnologia
A quatrocentos quilómetros de Londrina, em Cascavel, decorre o evento mais esperado pelos agricultores brasileiros. A Feira da Coopavel, Cooperativa Agroindustrial, é uma feira rural que se realiza há 22 anos e à qual se deslocam milhares de pessoas de todo o Brasil, sobretudo produtores, para saberem o que de novo a tecnologia pode fazer pela agropecuária, não só em máquinas mas também em biotecnologia. E para que não restem dúvidas sobre o efeito da aplicação da tecnologia nas plantas, as empresas que a desenvolvem – algumas também aqui estão presentes – têm lotes de milho e de soja transgénicos, cada um com uma placa onde identificam a variedade exposta.  
Uma coisa é certa: independentemente dos argumentos pró e contra os transgénicos, para os agricultores aqui presentes a utilização de sementes geneticamente modificadas traz-lhes mais vantagens económicas do que as variedades convencionais. Isso testemunha Eudices Capeleto, proprietário de uma fazenda de 330 hectares, onde produz soja e milho. «Com a introdução das variedades transgénicas (soja RR e milho Bt), reduzi muito a aplicação de insecticida e de herbicida. Chegava a perder cinquenta por cento da safra de milho convencional por causa da lagarta do cartucho e para evitar essa perda tinha de fazer oito a dez pulverizações de produto químico para a matar. Agora isso acabou.» Carlos Zuqueto também produz soja e milho transgénicos numa área de 725 hectares. Em 32 anos de trabalho na lavoura, «nunca tive tanta produção como agora». Dá o exemplo da soja: «O mato não deixava a soja desenvolver-se. Aqui no Paraná o mato dá-se muito bem, é uma praga, e para o controlar tinha de fazer várias aplicações de herbicida. Com o glifosato, não tenho mais esse problema» [o glifosato é o herbicida para controlo das ervas daninhas, ao qual a soja RR é resistente].  Arnaud Dresh tem 280 hectares e Renato Carvalho tem apenas cinquenta, ambos produzem soja e milho transgénicos e trigo convencional e também eles salientam as vantagens das culturas transgénicas para o agricultor. Os argumentos não diferem: dizem que conseguiram reduzir entre quatro e dez as aplicações de herbicida e de insecticida, sendo que quando as fazem «o princípio activo é menos agressivo e a dosagem é menor» («logo, é mais benéfico para o ambiente»), consomem «menos água» e gastam «menos combustível». Os agricultores não vêm a hora de surgirem no mercado as variedades resistentes à seca e a doenças, que por enquanto estão em fase de experimentação.
Se as vantagens económicas para os agricultores não levantam muitas dúvidas, pelo menos para os próprios, o mesmo não acontece no que se refere à saúde humana e ao ambiente. A sua produção prejudica ou não a biodiversidade? Se ingerirmos um produto alimentar que contém derivados geneticamente modificados (GM) ou a carne de um animal alimentado com rações que contêm farinhas de variedade GM, faz-nos mal à saúde ou não? São questões tão complexas que exigem respostas minuciosas, impossíveis de caber em meia dúzia de linhas. Mas em síntese, o que os cientistas que investigam e desenvolvem plantas geneticamente modificadas – e não nos referimos aos que trabalham para as empresas multinacionais, sob o risco de defenderem exclusivamente os interesses económicos de quem lhes paga o salário, como a Monsanto, a Bayer, a Syngenta, a Dow, a BASF e a DuPont (destas, a Monsanto é a que possui mais de noventa por cento de todo o mercado de sementes transgénicas), estamos a referir-nos a cientistas que fazem investigação no âmbito das universidades – é que «até ao momento, em 15 anos de OGM em produtos alimentares, não há nenhuma evidência de que tenham impactes negativos na saúde humana e no ambiente». No Brasil, não são só as empresas privadas que fazem investigação em engenharia genética na agricultura, um sector com um enorme peso económico no país. A Escola Superior de Agricultura Luiz Queiroz – ESALQ, da Universidade de São Paulo, tem uma vasta equipa de professores investigadores que desenvolvem projectos nos mais diversos domínios, entre os quais a engenharia genética de plantas.
Alda Lerayer preside actualmente ao Conselho de Informações sobre Biotecnologia (CIB/Brasil), foi professora na ESALQ, dedicou-se durante anos à investigação nesta área e não entende por que razão os OGM ainda são alvo de tanta controvérsia no mundo. «Não somos nós, cientistas, também consumidores? Não estamos nós também interessados em comer alimentos que não nos façam mal à saúde? Não queremos nós, cientistas, que a natureza não seja prejudicada? E não são os agricultores os primeiros consumidores do que produzem?». Numa sala de conferências na Feira Coopavel, Alda explica tintim por tintim todo o processo de melhoramento genético de uma planta: «Primeiro, o geneticista procura o gene, a característica que quer utilizar para melhorar a planta e criar, desta forma, uma nova variedade»... e por aí fora. «Não somos uns loucos que estão a brincar com a saúde das pessoas, fazendo de conta que somos cientistas. O trabalho que está a ser feito é sério, tem fundamentos científicos.» Recorda o passado: «Se pensarmos nas técnicas primitivas aplicadas a plantas, vemos que a biotecnologia – a base para as culturas geneticamente modificadas – é um campo de conhecimento que remonta há milhares de anos ou mesmo aos tempos pré-históricos. Mesmo antes da descoberta da genética, nos processos de fermentação utilizados na produção de queijos, vinhos, pão e iogurte já se aplicavam formas rudimentares de biotecnologia.» Para a presidente do CIB/Brasil, «as culturas GM são nada mais que a evolução das técnicas de há milénios». A Greenpeace, por seu lado, lembra o Protocolo de Cartagena sobre Biossegurança, defendendo que a sua assinatura «significa o reconhecimento de que a engenharia genética pode trazer danos ao meio ambiente e à saúde humana, necessitando, portanto, de ser controlada». O Protocolo é um tratado, aprovado em Janeiro de 2000 e em vigor desde Setembro de 2003, que estabelece regras que envolvem o estudo, a manipulação e o transporte de OGM entre os países membros do acordo, um deles o Brasil.  
Um dos argumentos contra os transgénicos e com peso na opinião pública é o da prova não provada. Alegam os movimentos anti-OGM que «não existem provas inequívocas de que os transgénicos são cem por cento seguros», apesar de, até hoje, depois de anos de utilização da tecnologia, «não terem surgido problemas para a saúde e para o ambiente». A comunidade científica que trabalha na área não garante risco zero, o que garante é que os transgénicos «não são mais nocivos do que os produtos da agricultura convencional». Em todo o caso, o princípio da precaução, salienta Alda Lerayer, dita que «em caso de dúvida, a variedade transgénica não entra no mercado». «Os opositores dizem que pelo facto de não haver evidências de efeitos negativos não significa que não existam. Pergunto quantos mais anos terão de passar para a tecnologia ser considerada segura?». De resto, algum crédito terão entidades como a OMS, Organização Mundial de Saúde, que preparou uma lista de vinte perguntas e respostas sobre a natureza e a segurança dos produtos alimentares geneticamente modificados (essa lista está disponível em http://www.cibpt.org/docs/faqs20qtsalimentosgm-oms-2004.pdf). Ou como a EFSA, Autoridade Europeia para a Segurança Alimentar, que tem, entre outros, um painel de cientistas específico para analisar OGM, e que também responde a algumas das perguntas mais frequentes relativamente a legislação e a avaliação dos riscos (disponíveis em http://www.cibpt.org/docs/faq-efsa-gmo-risk-assessment.pdf). Ou como a FAO, Organização das Nações Unidas para a Agricultura e a Alimentação, que não se cansa de emitir esclarecimentos com o fim de descansar os consumidores.
No caso particular do Brasil, é a Lei de Biossegurança que determina as regras para a autorização de novos transgénicos. Para ser cultivado com fins comerciais e vendido aos consumidores e agricultores, uma nova variedade transgénica precisa de ser aprovada por duas instâncias públicas: a CTNBio (Comissão Técnica Nacional de Biossegurança) e o CNBS (Conselho Nacional de Biossegurança).
As variedades transgénicas disponíveis no mercado são para a resistência a insectos, tolerância a herbicidas e resistência a vírus (papaia no Havai e courgettes nos EUA), mas no futuro o objectivo da ciência é conseguir melhorar muitas mais características numa planta, por exemplo, torná-la resistente à seca, ao excesso de salinidade, a metais pesados no solo, controlar o seu amadurecimento. Ou produzir plantas que acumulam determinadas substâncias (por exemplo a pró-vitamina A) ou que acumulam menores conteúdos de substâncias alergénicas (como o glúten). As possibilidades são muitas e a engenharia genética, diz quem com ela trabalha, é uma das tecnologias disponíveis para o melhoramento vegetal, no sentido de obter produtos de qualidade». Isto, se for bem utilizada. Claro está que com esta ferramenta também se podem fazer armas biológicas.

Ao longo do tempo
Há cerca de dez mil anos o homem começa a seleccionar e mais tarde a cruzar as plantas e os animais, a fim de melhorá-las para uso e consumo.
Em 1865 o monge austríaco Gregor Mendel descobre as leis da transmissão de características de uma geração para a seguinte estabelecendo as bases da genética.
Em 1953 a estrutura molecular do DNA é descrita pelo norte-americano James Watson e pelo inglês Crick Francis, possibilitando o nascimento e o desenvolvimento da moderna biotecnologia.
Em 1972 o bioquímico Paul Berg consegue combinar duas moléculas de DNA em laboratório, criando a técnica do DNA recombinante.
Em 1978 cientistas nos Estados Unidos são bem sucedidos na produção de insulina humana em laboratório com microrganismos geneticamente modificados.
Em 1983 três grupos de cientistas em simultâneo tiveram sucesso numa transgénese – introduziram os genes de uma bactéria em plantas –, desenvolvendo assim as primeiras plantas transgénicas.
Em 1994 a primeira introdução comercial de uma planta geneticamente modificada – uma variedade de tomate com maturação retardada – tem lugar nos Estados Unidos.
Actualmente 25 países produzem plantas GM (entre eles, o Brasil e Portugal); 29 países importam produtos GM. Além da agricultura, a biotecnologia é utilizada na medicina, indústria farmacêutica, indústria alimentar, na criação de gado e na indústria de artigos de higiene.
(Fonte: CIB, Conselho de Informações sobre Biotecnologia, Brasil)

As maravilhas de que fala a ciência:
A modificação genética de plantas já permite:
> Fruta e verduras que levam mais tempo para amadurecer, reduzindo perdas de deterioração.
> Plantas com valor nutricional enriquecido, como o arroz que contém pró-vitamina A.
> Plantas que estão mais bem adaptadas às condições ambientais adversas, como a seca ou o excesso de salinidade dos solos.
> Plantas resistentes a insectos e a vírus e tolerantes a herbicidas;
> Até agora, em anos de investigação e aplicação da biotecnologia, não existem dados científicos que provem que as plantas GM fazem mais mal à saúde e ao ambiente do que as plantas produzidas em agricultura convencional (ou seja, com recurso a químicos de síntese).

Os perigos de que falam os ambientalistas:
Plataforma Transgénicos Fora:
> Não existem dados científicos que provem inequivocamente a sua segurança para a saúde.
> Têm impacte negativo no ambiente, na saúde, na agricultura, na economia e no desenvolvimento sustentável.
> O melhoramento convencional em agricultura faz-se através de selecção e cruzamento por reprodução sexuada entre indivíduos da mesma espécie ou espécies muito próximas. Ou seja, os indivíduos são naturalmente compatíveis. Com engenharia genética o cruzamento é com espécies incompatíveis e muito distantes em termos evolutivos: peixes com genes humanos e plantas com genes de bactérias são alguns dos exemplos reais. Na verdade, os genes que são introduzidos no organismo receptor não vêm directamente do organismo dador. São primeiro alterados no laboratório, associados a outros pedaços de DNA que podem ser totalmente sintéticos ou vir de ainda outros organismos (como vírus). O resultado é uma quimera sintética que nunca existiu na natureza, o que envolve ainda mais perigos do que uma transferência sem adulteração. Uma outra diferença importante é relativa à velocidade a que as mudanças ocorrem. O melhoramento agrícola natural é mais gradual, e a evolução que as plantas e animais sofrem é mais lenta do que a engenharia genética induz. O resultado é que se introduzem no ambiente, e em grandes quantidades, combinações genéticas que não tiveram oportunidade de co-evoluir e adaptar-se aos restantes elementos do ecossistema. Isso fragiliza as interligações na teia da vida e abre as portas a todo o tipo de surpresas desagradáveis e, por definição, não antecipáveis.

Greenpeace:
> Não devem ser libertados no ambiente, uma vez que não há uma adequada compreensão científica do seu impacto sobre o meio ambiente e a saúde humana.
> Um dos principais problemas é a contaminação genética, que acontece quando as plantas transgénicas cruzam com as plantas convencionais e se sobrepõem, causando uma perda da diversidade genética da espécie.
> Podem aumentar o uso de agrotóxicos (após alguns anos usando sempre o mesmo produto, o agricultor começa a ter problemas para matar as ervas daninhas, que passam a ficar mais fortes e resistentes, sendo obrigado a aplicar o veneno mais vezes e em quantidades cada vez maiores para acabar com este problema).
> As multinacionais agroquímicas que desenvolvem a biotecnologia argumentam que os cultivos transgénicos aumentam a produtividade e trazem benefícios para os agricultores nos países em desenvolvimento. Até ao momento, porém, nenhum transgénico plantado comercialmente apresentou aumento de produtividade.

International Union for Conservation of Nature (IUCN):
> A introdução de OGM e promoção são impulsionados principalmente pelo sector privado, cujos interesses no desenvolvimento e comercialização se podem sobrepor à avaliação dos potenciais riscos para a biodiversidade e para a saúde humana e animal.

Todos os dias, à nossa mesa:
Há mais de duas décadas que bactérias, leveduras e fungos geneticamente modificados têm vindo a ser utilizados directamente nos processos de fermentação, conservação e desenvolvimento de sabores e aromas em muitos dos produtos alimentares que consumimos diariamente, tais como iogurtes, queijos, salsichas e carnes frias, legumes em conserva, pão, massas, cerveja, vinho, sumos de frutas, adoçantes, óleos alimentares, ketchups...


Quem produz o quê?
Estados Unidos: soja, milho, algodão, canola, abóbora, papaia, alfafa e beterraba (área de ocupação de transgénicos – 64 milhões de hectares (Mha).
Brasil: soja, milho e algodão (21,4 Mha).
Argentina: soja, milho e algodão (21,3 Mha).
Índia: algodão (8,4 Mha).
Canadá: canola, milho, soja e beterraba (8,2 Mha).
China: algodão, tomate, choupo, petúnia, papaia, pimenta doce (3,8 Mha).
Paraguai: soja (2,7 Mha).
África do Sul: milho, soja e algodão (1,8 Mha).
Uruguai: soja e milho (0,7 Mha).
Bolívia: soja (0,6 Mh).
Filipinas: milho (0,4 Mha)
Austrália: algodão, canola e cravo (0,2 Mha).
México: algodão e soja (0,1 Mha).
Espanha: milho (0,1 Mha).
Chile: milho, soja e canola (0,05 Mha).
Colômbia: algodão e cravo (0,05 Mha).
Honduras: milho (0,05 Mha).
Burkina Faso: milho (0,05 Mha).
República Checa: milho (0,05 Mha).
Roménia: milho (0,05 Mha).
Portugal: milho (0,05 Mha).
Alemanha: milho (0,05 Mha).
Polónia: milho (0,05 Mha).
Eslováquia: milho (0,05 Mha).
Egipto: milho (0,05 Mha).
(Fonte: ISAAA, Serviço Internacional para a Aquisição de Aplicações em Agrobiotecnologia)

A polémica mais recente
A Comissão Europeia acaba de autorizar a colocação no mercado da batata Amflora, um tipo de batata GM, o que veio reavivar a controvérsia sobre os transgénicos. O presidente do Centro de Informação de Biotecnologia, em Lisboa, emitiu um comunicado, que publicamos, para arrefecer os ânimos e descansar os consumidores: «A finalidade da modificação genética introduzida é a obtenção de um amido que depois de processado não gelifica, podendo ser utilizado na produção de papel e de colas. Após processamento, os subprodutos desta batata poderão ser utilizados para rações para gado. As variedades vegetais melhoradas com recurso à tecnologia do DNA recombinante ocuparam no ano de 2009 cerca de dez por cento do solo arável mundial (134 milhões de hectares) em 25 países, crescendo a sua utilização ao ritmo de cerca de dez por cento ao ano. Calcula-se que cem milhões de refeições tenham sido confeccionadas com produtos provenientes destas variedades vegetais e em Portugal a grande maioria das rações para galinhas, porcos e vacas contêm farinhas de variedades OGM de milho e soja. Como não é possível provar a toxicidade ou a alergenicidade dos produtos desta tecnologia, porque não são de facto nocivos, os movimentos antitransgénicos dizem agora, na sequência da aprovação desta batata transgénica, que pode aumentar a resistência aos antibióticos. Que por isso pode aumentar a incidência da tuberculose. É um facto que, para se seleccionar esta batata transgénica foi utilizado um gene que codifica uma proteína que degrada um antibiótico denominado Canamicina. Mas vejamos se tem algum sentido dizer que esta estratégia vai aumentar a resistência à canamicina em bactérias patogénicas: a batata agora aprovada não é para alimentação humana; se fosse, não seria consumida crua e a sua confecção degradaria o DNA nela contido; e se fosse consumida crua, os processos digestivos degradariam a sequência de DNA que codifica a proteína que confere a resistência ao antibiótico (como de resto faz a todo o DNA que todos os dias consumimos); se porventura algum DNA contendo a sequência intacta do gene conseguisse chegar ao nosso intestino, a probabilidade de ser incorporado por alguma bactéria do nosso tracto intestinal seria ínfima; se fosse incorporado em alguma bactéria seria muito provavelmente degradado pelo sistema bacteriano que previne a incorporação de DNA estranho no seu genoma; se mesmo assim conseguisse ser integrado no genoma bacteriano, o gene dificilmente seria lido pelo metabolismo bacteriano, já que a sua leitura só se pode fazer em plantas; é ainda preciso ter em conta que cerca de cinquenta por cento das bactérias têm já marcas de resistência à canamicina; a canamicina é raramente utilizada porque tem efeitos secundários complicados. É verdade que é considerada como antibiótico de segunda linha no tratamento da tuberculose, mas é também verdade que existem estirpes de bacilos da tuberculose resistentes à canamicina.
Não têm, portanto, qualquer sentido as posições públicas tomadas por activistas pouco sérios quando referem que esta batata transgénica é um risco para a saúde humana. Não existe também qualquer sentido em falar no perigo da dispersão do pólen e numa hipotética perda de biodiversidade, visto o pólen da batata não se dispersar, e visto a colheita ser, em geral, feita antes da floração. Por estes motivos a aprovação pela Comissão Europeia não cria nenhum risco acrescido nem para as populações, nem para o ambiente. De resto, é uma aprovação baseada em pareceres científicos, nomeadamente os emitidos pela Autoridade Europeia de Segurança Alimentar (EFSA), que reiteram a segurança desta variedade de batata e da construção genética nela inserida.»

Artigos Relacionados

No stories found.
Diário de Notícias
www.dn.pt