Tráfico de metadona instalou-se em todo o País
Toxicodependência. Os centros de atendimento a toxicodependentes estão a servir de fornecedores ao mercado paralelo das drogas de sustituição. Há médicos que fornecem doses e passam receitas a doentes sem os verem e às vezes sem os conhecerem, que acabam nas ruas a preços inflacionados
"No centro de atendimento de toxicodependentes (CAT) de Coimbra, ainda os utentes estão a descer as escadas com as doses de metadona que acabaram de lhes ser fornecidas e já têm, lá em baixo, compradores para as mesmas doses disponibilizadas gratuitamente pelo Estado". A situação, descrita ao DN por uma médica daquele serviço que pede o anonimato,"é um retrato do que sucede um pouco por todo o País, em que o tráfico de metadona ou Buprenorfina, fornecida ou receitada pelos médicos dos CAT, se tornou uma actividade e fonte de rendimento para muitos utentes".
Tal como o DN noticiava na sua edição de ontem, reportando-se ao caso de Vila Real - que vive uma situação idêntica -, um só comprimido de Subutex (o nome comercial da substância Buprenorfina), é traficado pelo preço equivalente ao de uma caixa inteira, ou seja, à volta dos 15 euros, pelos utentes inscritos nos programas de substituição.
Para técnicos ouvidos pelo DN envolvidos na rede nacional de CAT do Instituto da Droga e da Toxicodependência, a generalização daquele tipo de tráfico tem a ver com uma "diminuição no rigor" com que estão a ser aplicadas as regras dos programas de substituição. Ou seja, apesar de as regras daqueles programas preverem que os utentes sejam avaliados semanalmente por médicos, que devem fazer uma pesquisa semanal para detectar nos utentes o consumo de drogas como a heroína ou a cocaína, "esta prática está a ser abandonada em muitos CAT por alguns clínicos e até directores de serviço, que deixam receitas na portaria a utentes que nem vêem e, em alguns casos, nem conhecem, sem saberem se estão ou não a consumir droga", disse ao DN uma técnica ligada ao Instituto da Droga e Toxicodependência.
De acordo com as várias premissas dos programas de substituição, os utentes serão excluídos dos mesmos ao fim da terceira vez que as análises derem resultados positivos. Mas, segundo o DN apurou, há vários tipos de circunstâncias a contribuir para que nem todos os médicos cumpram o requisito do exame prévio à prescrição. "Por um lado, há um desânimo geral com o desinvestimento nestas estruturas e com a ideia que temos de que se abandonou a filosofia do tratamento pela do Estado fornecedor de droga", dizem alguns. Já outros apontam que, "às vezes, é difícil insistir nos exames, quando nos mandam kits de pesquisa fora de prazo, que dão falsos positivos e falsos negativos, que fazem com que os doentes se riam na nossa cara", observam outros técnicos.
Certo é que o tráfico veio para ficar. Este Verão, por exemplo, o CAT de Leiria sofreu um assalto à mão armada, por um indivíduo encapuzado, que roubou um frasco de três litros de metadona, que é o suficiente para fornecer os doentes de um centro durante um mês. Foram igualmente reportados casos de um segurança esfaqueado e funcionários ameaçados de agressão por não permitirem a entrada de utentes após o horário.
Em declarações ao DN na edição de ontem, o presidente do Instituto da Droga e Toxicodependência, João Goulão, referiu-se aos casos de tráfico como "situações muito pontuais e de pequena escala, até porque só levam metadona para casa os doentes estabilizados com quem temos uma relação de confiança", disse. |