Tradição de praxe com esterco "nunca foi contestada por alunos"
Um "hábito antigo, que nunca suscitou qualquer queixa por parte dos caloiros, bem pelo contrário". É assim que António Gualdino, presidente da Associação de Estudantes da Universidade de Évora, reage às queixas efectuadas por alguns estudantes e funcionários da instituição, referentes às praxes praticadas no pólo da Mitra, onde é tradição anual os alunos sujeitarem-se a rastejar nos excrementos dos animais.
O reitor da Universidade de Évora, Jorge Araújo, instaurou entretanto um processo de inquérito aos autores da referida praxe, realizada na passada segunda-feira, e proibiu, em despacho emitido anteontem, qualquer acto relacionado com praxes. "Sabemos disso, mas vamos continuar a fazê-las, nem que seja fora do recinto da universidade. Esta é uma manifestação cultural que deve ser respeitada. Admito que há abusos casuais, mas esses não têm lugar no nosso conceito de praxe, sou contra os excessos, e uma praxe bem feita respeita as pessoas, integra, é esse o objectivo", explica o dirigente estudantil.
António Gualdino não deixa também de referir que "nem é esta" uma das tradições académicas relacionadas com as praxes a de que mais gosta. "Pessoalmente, não a considero a mais correcta, mas todos os estudantes daquele curso gostam de passar pelo esterco e alguns até no segundo ano pedem para passar por aquilo outra vez! Nunca houve queixas e já é uma tradição", explica.
Para o reitor, o caso é simples. "Infelizmente, o nosso apelo não foi respeitado e verificaram-se actos de violentação das mais elementares regras de decoro e da higiene. As coisas terão de mudar", assevera. Já não é a primeira vez que as praxes com recurso a excrementos são notícia. Em Março de 2003, uma aluna da Escola Superior Agrária de Santarém apresentou queixa por lhe terem barrado o corpo com bosta de porco.
O DN tentou obter uma reacção do ministro da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior a este caso, mas não obteve resposta até ao fecho da edição. Recorde-se que, em Junho, em plena Assembleia da República, Mariano Gago prometeu denunciar ao Ministério Público todos os responsáveis de universidades e politécnicos que pactuem com praxes vio- lentas, mesmo que seja por omissão.
Segundo especialistas contactados pelo DN, as universidades e politécnicos que dêem cobertura a praxes violentas podem mesmo ser condenadas em tribunal. À luz do novo Código de Processo Penal, aquelas instituições de ensino podem ser punidas por crime de omissão. O CPP passou a prever a responsabilidade penal da pessoa colectiva.|